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Falência de banco médio na Califórnia cria risco de crise mundial

Integração dos mercados na globalização faz com que falência do Silicon Valley Bank, nos Estados Unidos, quase levasse à quebra do gigante Credit Suisse

Um banco médio dos Estados Unidos, chamado Silicon Valley Bank (SVB), entrou em falência em 10 de fevereiro de 2023. Mesmo sendo um banco local de porte limitado, sua quebra provocou um impacto global: cinco dias depois, como uma espécie de “efeito dominó”, o gigante Credit Suisse, um dos 30 principais bancos do mundo, entrou numa espiral de crise – com queda abrupta de 25% do valor de suas ações em bolsa num só dia! –, fortemente ameaçado de afundar também. O banco suíço já tinha uma posição frágil, e as perdas com créditos ligados ao SVB foram a gota d´água.

O banco central da Suíça entrou em ação, dando ajuda financeira ao Credit Suisse, segundo maior banco do país, e articulando para que o principal banco suíço, o UBS, comprasse o seu principal concorrente em poucos dias.

A rápida operação do Estado suíço, utilizando dinheiro público para salvar o banco, fundado em 1856, teve o objetivo de conter a expansão descontrolada da crise por todo o sistema financeiro suíço e mundial. Uma pequena amostra: só no primeiro dia da crise do Credit Suisse, despencou o valor das ações de importantes bancos da França, Alemanha, Grã-Bretanha, Espanha e Estados Unidos (EUA).

O medo é a repetição da crise de 2008, que abalou o mercado financeiro e levou a economia de boa parte dos países à recessão (decrescimento da economia).

O fato de a quebra de um banco na Califórnia, especializado em financiar startups (pequenas empresas ainda em fase de desenvolvimento), possa ser o estopim de uma forte crise mundial ocorre pelas características da globalização que marca hoje o cenário econômico mundial, com a sua interdependência cada vez maior entre as instituições financeiras do mundo.

Resumo histórico

Chamamos de globalização o processo de integração do mercado mundial iniciado nos anos 1990, sobretudo com o advento da internet. Para entender esse fenômeno, porém, é preciso saber que a sua origem data de muito tempo atrás.

Os primeiros passos rumo à conformação de uma economia global remontam aos séculos 15 e 16, com a expansão ultramarina europeia. Quando Cristóvão Colombo chegou à América, em 1492, deu início ao que alguns historiadores chamam de primeira globalização. O desenvolvimento do mercantilismo estimulou a procura de diferentes rotas comerciais da Europa para a Ásia e a África, cujas riquezas iriam somar-se aos tesouros extraídos das minas de prata e ouro do continente americano.

Essas riquezas forneceram a base para a Revolução Industrial no fim do século 18, que, com o tempo, criou o trabalho assalariado e o mercado consumidor. As descobertas científicas e as invenções provocaram uma grande expansão dos setores industrializados e possibilitaram o desenvolvimento da exportação de produtos para os quatro cantos do globo.

Começaram a surgir, no fim do século 19, as corporações multinacionais, industriais e financeiras, que iriam se reforçar e crescer durante o século 20. O mercado mundial passava a integrar, então, todos os continentes.

Neoliberalismo

O fim do século 20 assiste a um salto nesse processo. Em 1989, acontece a queda do Muro de Berlim, marco inicial da derrocada dos regimes comunistas no Leste Europeu. Nos anos seguintes, esses países serão incorporados ao sistema econômico mundial. A própria integração da economia global acentuou-se a partir dos anos 1990, principalmente pela revolução tecnológica no setor de telecomunicações e pela internet.

Há atualmente uma política econômica dominante em escala mundial chamada de neoliberalismo, cujas diretrizes surgiram nos governos de Ronald Reagan (1981-1989), nos Estados Unidos, e de Margaret Thatcher (1979-1990), no Reino Unido. Em 1989, uma reunião envolvendo funcionários do governo dos Estados Unidos, de organismos internacionais e economistas latino-americanos na capital norte-americana, Washington, consolidou esse conjunto de diretrizes.

As conclusões desse encontro passaram a ser chamadas informalmente de Consenso de Washington, e foram utilizadas como uma receita para que a América Latina conseguisse superar a crise econômica da época. Mais tarde, as soluções apontadas no Consenso de Washington tornaram-se o modelo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial para outros países. A adoção dessas diretrizes era uma exigência para as nações que fossem solicitar a renegociação de suas dívidas públicas.

O neoliberalismo prega que o funcionamento da economia deve ser entregue às leis de mercado. Segundo seus defensores, a presença do Estado na economia inibe o setor privado e freia o desenvolvimento. Algumas de suas características são:

  • abertura da economia por meio da liberalização financeira e comercial e eliminação das barreiras aos investidores estrangeiros;
  • ampliação das privatizações;
  • redução dos subsídios e gastos sociais por parte dos governos;
  • desregulamentação do mercado de trabalho, para permitir novas formas de contratação que reduzam os custos das empresas.

Fluxo de capitais

Nas últimas décadas, a expansão do comércio global resultou na intensificação do fluxo de capitais entre os países. A busca de maior lucratividade levou as empresas a investir cada vez mais no mercado financeiro, que se tornou o centro da economia globalizada. Grandes grupos financeiros se formam e engolem dezenas de empresas e marcas. As maiores empresas tornam-se transnacionais, que podem fabricar seu produto em partes, em diferentes países, processo que dificulta aos governos impor barreiras ou fiscalizar a remessa de lucros à matriz de cada uma.

A atual mobilidade do mercado mundial permite também que grandes empresas façam a relocalização de suas fábricas – nome que se dá ao fechamento de unidades de produção em um local e sua abertura em outra região ou outro país. Esse mecanismo é globalmente usado para cortar gastos com mão de obra, encerrando a produção em países nos quais os salários são maiores, para organizar a produção em locais nos quais há menos custos – também de impostos e de infraestrutura.

Blocos econômicos

Nesse contexto, a formação de blocos econômicos é uma expressão importante da economia globalizada. Os primeiros agrupamentos de nações surgiram com o objetivo de facilitar e baratear a circulação de mercadorias entre seus próprios membros. Na globalização, porém, essas medidas reforçam a tendência de abrir as fronteiras das nações ao livre fluxo de capitais, ao reduzir barreiras alfandegárias e derrubar práticas protecionistas (quando um país impõe taxas para restringir a importação de produtos e proteger a sua própria produção interna) e regulamentações nacionais. Existem quatro modelos básicos de bloco econômico:

  • zona de livre-comércio, em que há redução ou eliminação de tarifas alfandegárias;
  • união aduaneira, que, além de abrir o mercado interno, define regras para o comércio com nações de fora do bloco;
  • mercado comum, que permite a livre circulação de capitais, serviços e pessoas; e
  • união econômica e monetária, em que os países adotam a mesma política de desenvolvimento e uma moeda única.

A formação de blocos econômicos acelerou o comércio mundial. Antes, qualquer produto importado chegava ao consumidor com um valor significativamente mais alto, em função das taxações impostas ao cruzar a alfândega. Os acordos entre os países reduziram e em alguns casos acabaram com essas barreiras comerciais, processo conhecido como liberalização comercial.

O bloco econômico mais importante do mundo é a União Europeia (UE), tanto pela força de algumas de suas principais economias – como as da França e da Alemanha –, quanto pela profundidade das relações entre seus membros. Na UE, é livre a circulação de capitais, serviços e pessoas e foi adotada uma moeda em comum pela maioria dos países membros, o euro.

Os EUA impulsionaram o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta), tornando México e Canadá economias diretamente vinculadas à sua. Impulsionou também a formação da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), que agrupa 21 países das Américas e da Ásia, incluindo a China e a Rússia. Na Ásia existe a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), bloco econômico que reúne 10 países.

Na América do Sul, o grande bloco é o Mercosul – protagonizado pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela. Em 2012, foi criada a Aliança do Pacífico, bloco comercial que engloba o Chile, Peru, Colômbia e México, que pretende evoluir para uma zona de livre-comércio. Os quatro países têm acordos de livre-comércio com os EUA, o que provoca forte impacto em suas economias.

Organização Mundial do Comércio

Outro instrumento para a expansão do comércio global é a Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em 1995 com o objetivo de abrir as economias nacionais, eliminar o protecionismo e facilitar o livre trânsito de mercadorias entre os países. Em sua atividade de rotina, a OMC atua como um fórum que resolve litígios comerciais entre os países-membros – e, no limite, até os julga.

Atualmente, a OMC tenta avançar com a chamada Rodada Doha, um ciclo de negociações aberto em 2001 com o objetivo de abrir os mercados mundiais. Quem conduz as negociações é a economista Ngozi Okonjo-Iweala, da Nigéria, diretora-geral da OMC, no cargo desde 2021, e que já havia sido ministra das Finanças de seu país e alta funcionária do Banco Mundial.

A dificuldade das negociações está justamente em manter uma diretriz tarifária que agrade a todos. De modo geral, os países ricos querem liberalizar os setores em que são mais competitivos, como industrial e de serviços. Já as nações menos desenvolvidas preferem uma abertura comercial maior no setor agrícola. Como as decisões na OMC são tomadas por unanimidade, é trabalhoso e demorado atingir um acordo geral.

Por causa dessa complexidade, as negociações multilaterais na OMC estão sendo preteridas em favor de acordos bilaterais ou regionais de livre-comércio, que envolvem menos atores e uma lista específica de bens e produtos.

Desigualdades

Atualmente, os grandes investidores internacionais podem, com o simples acesso ao computador de um banco, retirar milhões de dólares de nações nas quais vislumbram problemas econômicos, políticos ou sociais. Quando os países se tornam excessivamente vulneráveis a esses movimentos bruscos de capitais, organismos internacionais, como o FMI, liberam empréstimos para que possam enfrentar a sangria de dólares. Em contrapartida, os governos beneficiados ficam obrigados a obedecer ao receituário ditado pelo organismo, o estabelecido pelo Consenso de Washington.

Uma das consequências disso é que, além de muitas vezes penalizar as populações carentes, por desativar ou diminuir investimentos sociais, essas políticas tendem a frear o crescimento econômico, por aumentar os impostos, congelar investimentos públicos e elevar os juros.

Assim, a globalização acenou com perspectivas que não se concretizaram. Imaginou-se um mundo integrado e sem fronteiras. Pelas previsões de seus defensores, novas tecnologias e métodos gerenciais iriam aumentar a produtividade, o bem-estar das pessoas e reduzir as desigualdades entre as nações. Não é isso, porém, o que se vê. Os últimos anos registram um aumento das desigualdades. O comércio internacional nunca foi tão intenso, mas as exportações dos países ricos crescem muito mais que a dos países pobres. Atualmente, apenas dez países (dos 193 no mundo) monopolizam mais da metade de todo o comércio internacional.

Em muitos aspectos, a globalização tornou-se um instrumento em que os países ricos ditam as regras comerciais e exercem a sua influência sobre as nações menos poderosas, intensificando uma relação de dependência difícil de ser superada.

Além disso, em diversas situações de crise, usa-se dinheiro público para salvar instituições financeiras privadas, como no caso do Credit Suisse – com o prejuízo sendo estendido a toda a população da Suíça. No estado mínimo, que fica sem recursos suficientes para dar conta do atendimento básico de educação, saúde e investimentos públicos para as populações, o dinheiro acaba muitas vezes sendo apropriado por empresas privadas que naufragam nos mares turbulentos da globalização.

 

Campeões do comércio mundial

10 principais países no comércio internacional, com a soma de exportações e importações, em trilhões de dólares, 2021

país

comércio exterior (trilhões de dólares)

% do comércio mundial

China

6,3

14,0%

Estados Unidos

4,4

9,9%

Alemanha

3,1

6,8%

Holanda

1,6

3,6%

Japão

1,5

3,4%

Hong Kong *

1,4

3,1%

França

1,3

2,9%

Coreia do Sul

1,3

2,8%

Reino Unido

1,2

2,6%

Itália

1,2

2,6%

* Hong Kong é um território associado à China, com relações econômicas independentes.

Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC)

Falência de banco médio na Califórnia cria risco de crise mundial
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