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Genética: Biotecnologia

A natureza modificada 

 

DO LABORATÓRIO PARA O CAMPO O milho é o segundo produto agrícola mais cultivado por transgenia em todo o mundo. Perde apenas para a soja

 

No livro infantil A Reforma da Natureza, Monteiro Lobato conta como a boneca Emília se põe a refazer o que ela considera “malfeito” no mundo natural. Da lista de mirabolantes criações constam moscas sem asas, um porco magro e abóboras que nascem em jabuticabeiras. No fim, todas as reformas resultaram em problemas. No fundo, o livro, publicado pela primeira vez em 1939, trata do antigo desejo humano de alterar a natureza (e dos problemas que isso pode acarretar). Mas Lobato provavelmente não imaginou que sua narrativa contivesse a ideia básica do que hoje o homem faz por meio da biotecnologia.

Desde a descoberta da estrutura do DNA, nos anos 1950, a aplicação dos mecanismos da biologia molecular já resultou numa série de produtos e processos que fazem parte do cotidiano de qualquer consumidor. Dos laboratórios de biotecnologia saem para as farmácias medicamentos inteligentes. Os hospitais aplicam terapias de ponta, que revolucionam o tratamento do câncer ou de problemas cardíacos. A agropecuária conta com variedades de espécies animais e vegetais resistentes a doenças e pragas. E a indústria alimentícia apresenta guloseimas mais saborosas e nutritivas. Mas, como costuma ocorrer com novidades tecnológicas, a biotecnologia levanta uma série de questionamentos e críticas, tanto com relação à segurança alimentar quanto a aspectos éticos.

 

Caldo de genes

Uma das principais polêmicas se dá em torno dos transgênicos, ou organismos geneticamente modificados (OGM). São organismos de qualquer espécie que têm, no genótipo, um gene exógeno, ou seja, de outra espécie, introduzido artificialmente. Com as ferramentas da engenharia genética, os cientistas manipulam os genes de um organismo e podem, com isso, modificar suas características.

As possibilidades são imensas: os biólogos moleculares sabem atualmente como construir uma bactéria que leva um gene humano, uma planta que carrega gene de um fungo ou uma rosa com genes de petúnia. Não é brincadeira de cientista maluco, não. Milhões de dólares são investidos nessas pesquisas para criar organismos que produzam medicamentos, tornem um alimento mais nutritivo ou acelerem o crescimento de uma plantação.

Entre os OGMs mais surpreendentes da engenharia genética estão as bactérias, que produzem proteínas essenciais para o corpo humano, como a insulina. Pessoas diabéticas têm problema na produção desse hormônio, responsável por fazer as células assimilar e utilizar a glicose existente no sangue em seu metabolismo. Daí a importância de os cientistas terem descoberto como construir uma fábrica viva de insulina (veja o infográfico abaixo).

A polêmica sobre os transgênicos passa, primeiramente, pelos alimentos. Os críticos temem que não se conheçam as possíveis consequências de longo prazo da ingestão de OGMs pelo homem. Eles temem, também, que plantas geneticamente modificadas para resistir a uma praga transmitam essa informação genética a outras ao redor da plantação, ameaçando a biodiversidade.

 

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[2] estúdio pingado ()

Genoma humano

As ferramentas moleculares da engenharia genética fazem mais do que construir OGMs. Com elas é possível, ainda, sequenciar o DNA de uma espécie, ou seja, descobrir a ordem em que se dispõem ao longo das hélices da molécula as bases nitrogenadas adenina, guanina, citosina e timina. O sequenciamento de DNA tem objetivos muito práticos. É o primeiro passo para identificar os genes responsáveis por determinadas características de um organismo. Depois, para modificar ou aproveitar essas características, basta manipular os genes.

á se conhece a maioria dos cerca de 30 mil genes da espécie humana e boa parte das proteínas codificadas por eles. Até as muitas regiões não codificastes – os genes silenciosos – importam. Os genes silenciosos não se distribuem de maneira idêntica ao longo do DNA em todos os indivíduos. Ao contrário, cada pessoa tem uma assinatura única, que pode ser usada em testes de DNA para identificar um indivíduo através do seu material genético. Com gotas de sangue ou de sêmen, fios de cabelo ou pelos, a ciência forense comprova se um suspeito esteve no local do crime. Mais do que isso, como metade dessas regiões é herdada do pai e outra metade, da mãe, é possível identificar os pais biológicos de qualquer pessoa.

A decodificação do genoma humano não é menos polêmica do que os OGMs. Uma das preocupações, neste caso, é com o direito à privacidade de cada pessoa – e, portanto, o direito de não informar ao mundo seus traços genéticos. Outra preocupação é com o possível mau uso das informações genéticas de uma pessoa ou de um grupo delas, para efeito de discriminação. Teme-se, por exemplo, que um candidato a uma vaga de emprego não consiga a posição porque seus genes apontam uma tendência a desenvolver uma doença, como câncer.

 

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[1] estúdio pingado ()

Células-tronco

A biotecnologia não faz apenas a manipulação de genes, mas também de células-tronco¹. Essas células são como curingas. Transferidas para o meio de cultura adequado, podem crescer como células de qualquer tecido ou órgão. Existem três tipos de células-tronco. As embrionárias são encontradas na fase de desenvolvimento do embrião chamada blastocisto². Estas têm o maior potencial de transformação (são pluripotentes). Existem células-tronco também no cordão umbilical, com um potencial menor, mas ainda muito grande. E há, por fim, as células de tecidos adultos, com capacidade de se diferenciar em apenas alguns tipos de célula. Entre os três tipos, as embrionárias são as ideais, porque podem substituir qualquer tipo de célula de um tecido ou órgão doente – como os músculos atingidos por um infarto. Mas aproveitar as células-tronco de um embrião exige um procedimento que esbarra em questões éticas: a clonagem humana. Os cientistas têm, então, buscado novos meios de obter células pluripotentes de células-tronco adultas.

 

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[2] mário kanno/multisp ()

Clonagem

Clonagem é o processo de reprodução assexuada que gera indivíduos de genoma idêntico ao do pai. É um processo natural entre bactérias e plantas. Quando se reproduzem, as bactérias simplesmente se dividem e criam dois clones. Na espécie humana, gêmeos idênticos (univitelinos, que apresentam o mesmo material genético por ser originários de um mesmo zigoto) são clones.

A polêmica em torno da clonagem tem a ver com a geração do embrião de um ser humano e, principalmente, com o uso desse clone para a retirada de células-tronco. A ciência já sabe como clonar um animal adulto. Uma das técnicas utilizadas por cientistas é a transferência do núcleo de uma célula somática, da qual se desprezam o citoplasma e a membrana, para um óvulo da mesma espécie, do qual se despreza o núcleo. O resultado é uma célula com citoplasma de óvulo e núcleo de célula diploide, que poderá se desenvolver em um embrião que será implantado em um útero de aluguel. Foi assim que a ovelha Dolly, o primeiro clone de mamífero, foi criada, em 1996.

A clonagem que deu origem à Dolly é chamada clonagem reprodutiva – aquela em que a célula manipulada é implantada no útero de uma fêmea. A produção de células-tronco em laboratório emprega outro tipo de clonagem – a clonagem terapêutica. Nela, o óvulo não é implantado no útero para se transformar num novo indivíduo, mas se desenvolve numa cultura. Depois de cinco ou seis dias, o embrião entra na fase de blastocisto. E é então que os cientistas retiram as células-tronco para cultivá-las como células específicas deste ou daquele tecido.

 

Saiba mais

Dolly (1996-2003) A ovelha inglesa Dolly foi o primeiro mamífero a ser clonado de uma célula somática adulta. O embriologista escocês Ian Wilmut retirou o núcleo de uma célula da glândula mamária de uma ovelha e o inseriu como núcleo do óvulo de outra ovelha. O zigoto foi implantado nesse segundo animal para se desenvolver. A ovelhinha nasceu normal. Mas morreu cedo, aos 6 anos de idade, com problemas nos pulmões e artrite.

 

Polêmica

A clonagem de qualquer tipo – reprodutiva ou terapêutica – é assunto polêmico. A reprodutiva assusta porque traz embutida a ideia de que seja possível manipular os genes, gerando seres humanos “sob encomenda”. Já a oposição à clonagem terapêutica é mais forte nos meios religiosos, que não admitem a manipulação nem a destruição de um embrião, mesmo em sua fase inicial de desenvolvimento, para retirada de células-tronco. Para os religiosos, ainda que as células não tenham se especializado, o embrião já constitui uma pessoa, um ser humano. E destruí-lo seria assassinato.

Mas essa polêmica pode logo chegar ao fim. Equipes de cientistas têm anunciado a obtenção de células-tronco com a potencialidade das embrionárias sem precisar de embriões. O segredo está em reprogramar células adultas com a introdução de características embrionárias em seu núcleo. Já foram produzidas cepas dessas células-tronco induzidas para estudo do tratamento de males como distrofia muscular e síndrome de Down (veja o infográfico acima).


¹Células-tronco são células ainda não diferenciadas, ou seja, que não desenvolveram a especialização que fará delas células de pele, de coração ou de pulmão.

²Blastocisto é a fase inicial do desenvolvimento dos mamíferos no útero materno, em que as células ainda não se diferenciaram. Na espécie humana, o embrião se torna um blastocisto depois de cinco ou seis dias e contém cerca de 200 células-tronco.

Genética: Biotecnologia
Estudo
Genética: Biotecnologia
A natureza modificada      No livro infantil A Reforma da Natureza, Monteiro Lobato conta como a boneca Emília se põe a refazer o que ela considera “malfeito” no mundo natural. Da lista de mirabolantes criações constam moscas sem asas, um porco magro e abóboras que nascem em jabuticabeiras. No fim, todas as reformas resultaram […]

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