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Índios: A luta indígena pela manutenção de direitos

A luta indígena pela manutenção de direitos

A lentidão no processo de regularização de terras, os conflitos com ruralistas e a ameaça da PEC 215 pressionam os índios

SOB PRESSÃO. Índios em frente ao Congresso Nacional contra alterações na política de demarcação de terras indígenas, em dezembro de 2015 ()

Na iminência da aprovação da abertura do processo de impeachment pelo Senado, a presidente Dilma Rousseff acelerou os processos de demarcação de territórios indígenas. Entre o início de abril e o dia do seu afastamento, em 12 de maio, 15 terras indígenas foram declaradas e homologadas no Brasil.

Apesar de essas ações terem sido bem recebidas pela comunidade, as principais lideranças reclamam que o governo Dilma fez muito pouco em relação ao reconhecimento de terras indígenas enquanto esteve no poder. Ao longo de todo o primeiro mandato de Dilma, entre 2011 e 2015, apenas 11 terras indígenas haviam sido homologadas. Para efeito de comparação, nos oito anos de governo Lula (2003-2011) foram 87 e nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) haviam sido 145.

Mas mesmo essas recentes regularizações de terras indígenas podem ser revertidas. Em maio, logo após assumir a presidência interina com a abertura do processo de impeachment contra Dilma, Michel Temer mandou rever todos os atos da presidente afastada a partir de 1º de abril – data que coincide com as recentes homologações promovidas por Dilma.

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Mudanças na legislação

Preocupados com a possibilidade de retrocesso nas homologações, as lideranças indígenas começaram a se mobilizar e a intensificar os protestos.

Outro fato que fez acender o sinal de alerta é a afinidade política do presidente interino com deputados e senadores que compõem a bancada ruralista – uma frente parlamentar no Congresso Nacional composta de proprietários de terras e defensores dos interesses dos grandes produtores rurais. Na atual conjuntura, os povos indígenas acreditam que a eventual consolidação de Temer como presidente pode significar um retrocesso em seus direitos, principalmente se duas medidas que têm o apoio dos ruralistas avançarem no Congresso.

Uma delas é a PEC 215, uma Proposta de Emenda à Constituição que visa a transferir para o Legislativo o poder de aprovar terras indígenas e quilombolas e ratificar ou até revisar demarcações já homologadas, além de vedar ampliação de terra indígena já demarcada. Em outubro de 2015, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o texto da PEC 215, que para entrar de fato em vigor deverá ser avaliado no plenário da Câmara, onde tem de passar por dois turnos de votação. Em seguida, segue para mais dois turnos no Senado.

Os deputados que a defendem alegam que a forma como a demarcação e a regularização definitiva de terras indígenas acontecem atualmente ameaça a produção e a expansão do agronegócio.

As lideranças indígenas argumentam que a PEC 215 transformaria o que hoje é o reconhecimento de seu direito constitucional à terra num processo à mercê de negociação de interesses econômicos e políticos para votações no Congresso, onde a bancada ruralista vem ganhando cada vez mais força.

O fato de que boa parte das reservas ainda não está totalmente regularizada também levaria a mais adiamentos.

Outra proposta que ameaça os direitos dos índios é o Projeto de Lei Complementar 227 (PLP 227), que também aguarda análise no plenário da Câmara.

O texto indica exceções para o uso exclusivo de terras indígenas, no caso de haver relevante interesse público do Estado brasileiro. Entre esses interesses, a medida lista: terras de fronteira; construção de empreendimentos públicos, como rodovias federais; os perímetros rurais e urbanos de municípios; extração de minerais e portos em atividade; e áreas produtivas que atendam a função social da terra (produção de alimentos).

Para lideranças da causa indígena, ao considerar atividades econômicas não realizadas por índios e a possibilidade de controle dos territórios por empresas privadas ou mesmo por estados e municípios, o texto se torna inconstitucional.

Isso porque ele desrespeita o artigo que define o usufruto exclusivo dos indígenas e seu direito originário à terra demarcada. Os defensores do projeto alegam que a expansão de territórios destinados aos indígenas tem afetado pequenos produtores.


Dos 117 enfrentamentos entre ruralistas e indígenas em 2015, 48 ocorreram no Mato Grosso do Sul


 

VOZ INDÍGENA – Em audiência pública em Porto Alegre (RS), índios protestam contra restrições de direitos, em maio de 2016 ()

Direitos consagrados

O reconhecimento de terras indígenas pelo governo federal é um fato relativamente recente na história do país e consequência principalmente da luta dos povos indígenas por seus direitos.

Eles foram estabelecidos na Constituição de 1988 e representam uma importante mudança da sociedade brasileira.

Desde a colonização, no século XVI, os índios viveram quase cinco séculos de extermínio, escravização, expropriação de terras e espoliação de seus direitos. No século XX, áreas nas quais viviam eram frequentemente consideradas como terras públicas pelos governos e distribuídas ou vendidas a fazendeiros. Foi o que aconteceu no Mato Grosso do Sul, maior foco de conflitos atualmente.

O quadro começou a mudar na década de 1960, com a demarcação das primeiras reservas, e melhorou com a Constituição de 1988. Ela reconheceu o direito dos índios a terras em tamanho e condições adequados às suas necessidades econômicas e culturais.

Isso significa amplas áreas, para que possam tirar seu sustento da natureza, conforme as tradições de cada cultura.

Um povo que vive de caça e coleta, por exemplo, precisa de uma reserva grande, pois em geral tem que se deslocar para dar tempo à natureza de recompor seus recursos. A lei atual reconhece o direito dos povos indígenas à organização social própria, a costumes, língua, crenças e tradições.

A Constituição de 1988 determina que cabe ao Executivo definir as terras indígenas, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai). Como já mencionado, a principal mudança que a PEC 215 sugere é que o poder de definição dessas terras passe para o Legislativo. Atualmente, a demarcação se dá através de um longo processo, dividido em sete etapas: estudos de identificação, aprovação da Funai, contestações, declarações dos limites do território, demarcação física, homologação e registro em cartório. Entre 1990 e fevereiro de 2016, o número de terras indígenas regularizadas ou em fase de regularização aumentou de 352 para 703. Desse total, 476 estão completamente regularizadas, e mais de 200 estão em diferentes etapas do processo de legalização. A extensão total das terras indígenas soma 115,8 milhões de hectares.

Violência

A lentidão do governo na homologação de terras indígenas e a ameaça que a perda de direitos históricos representa para a comunidade são consideradas um dos combustíveis para infamar os conflitos entre indígenas e ruralistas.

Diversos episódios recentes confirmam a tendência de escalada de violência e de criminalização de lideranças indígenas.

Os conflitos armados entre ruralistas e povos indígenas acontecem em todas as regiões do país, mas o Mato Grosso do Sul é o principal foco de instabilidade.

Segundo o relatório “Conflitos no Campo no Brasil em 2015”, publicado pela Comissão Pastoral da Terra, dos 117 enfrentamentos envolvendo indígenas em todo o país, 48 ocorreram no estado, ou seja, 41% do total.

O Mato Grosso do Sul tem forte vocação econômica para o agronegócio, setor que foi o principal motor da economia do país em 2015: além de representar 23% do Produto Interno Bruto (PIB), cresceu 1,8% em relação a 2014 e gerou quase dez mil empregos. Mas a expansão da atividade esbarra em limites de territórios indígenas. O estado possui a segunda maior população indígena do país: são 77 mil pessoas, 3% de sua população, segundo dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografa e Estatística (IBGE) – atrás apenas do Amazonas. Apesar disso, as terras indígenas ocupam apenas 0,2% do estado.

A morosidade na demarcação de terras indígenas e também a falta de acompanhamento efetivo impacta diretamente nos indicadores sociais dessas comunidades. Mesmo quando conseguem ter sua terra regularizada, os índios enfrentam a resistência de fazendeiros, garimpeiros e madeireiros.

As constantes ameaças resultam, entre outros desdobramentos, em uma alarmante taxa de suicídio. De acordo com informações da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde, 135 indígenas cometeram suicídio em 2014, o maior número em 29 anos. O Mato Grosso do Sul continua sendo o estado que apresenta a maior quantidade de ocorrências, com o registro de 48 suicídios.

Indicadores sociais

A morosidade na demarcação de terras indígenas e também a falta de acompanhamento efetivo impacta diretamente nos indicadores sociais dessas comunidades. Mesmo quando conseguem ter sua terra regularizada, os índios enfrentam a resistência de fazendeiros, garimpeiros e madeireiros.

As constantes ameaças resultam, entre outros desdobramentos, em uma alarmante taxa de suicídio. De acordo com informações da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde, 135 indígenas cometeram suicídio em 2014, o maior número em 29 anos. O Mato Grosso do Sul continua sendo o estado que apresenta a maior quantidade de ocorrências, com o registro de 48 suicídios.

A taxa de mortalidade infantil é outro índice que revela a situação de desassistência de povos indígenas — ocorreram 785 mortes entre crianças de 0 e 5 anos em 2014, segundo a Sesai. Em Altamira, no Pará, município atingido pelas obras da hidrelétrica de Belo Monte, a taxa de mortalidade na infância chegou a 141,84 por mil, enquanto a média nacional foi de 17 por mil no mesmo ano, segundo dados do IBGE. Essa taxa pode estar relacionada, entre outros problemas, ao alto índice de anemia entre as crianças indígenas: segundo o mais amplo estudo sobre as condições de saúde dos índios, publicado em 2010 pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), quase metade delas sofre de anemia.

Uma das principais revelações do Censo de 2010, relatório que é publicado a cada dez anos, foi que a população indígena cresceu pela primeira vez desde o período colonial, apesar dos graves problemas enfrentados. Foi também a primeira vez que o IBGE separou os indígenas por etnias – grupos com afinidades linguísticas, culturais e sociais –, registrando 305 povos que falam 274 línguas. O total de índios autodeclarados passou de 734.127 em 2000 para 896.917 em 2010, o que equivale a 0,4% dos habitantes do país. Analistas acreditam que esse crescimento resulta de duas condições possibilitadas após a Constituição de 1988: a instituição de seus direitos à terra e a criação das estruturas para atendimento em saúde, em educação e mesmo na pesquisa de sua vida e cultura.

O estudo indicou também que houve melhora no nível educacional. A taxa de alfabetização dos indígenas com 15 anos ou mais, seja em português, seja em seu idioma, chegou a 76,7% em 2010. Ainda assim, é inferior à da população nacional, de 90,4%.

Metade dos índios brasileiros não possui renda, segundo o mesmo relatório, e, dos que possuem, 83% recebem até um salário mínimo. Mas o IBGE destaca que há dificuldades para contabilizar a remuneração pelo trabalho em culturas nas quais as tarefas são feitas coletivamente e em que não existe o conceito de propriedade privada.


  • PARA IR ALÉM – O filme Xingu (2012, de Cao Hamburger) apresenta as expedições dos irmãos Villas Bôas para ocupar o interior do país na década de 1940, em uma jornada que os aproximam da cultura indígena e propicia a criação do Parque Nacional do Xingu.

 

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Índios

PERFIL Vivem no Brasil 305 povos indígenas, que falam 274 línguas. O Censo de 2010, do IBGE, registra 896,9 mil indígenas, 36% em área urbana e 64% em área rural, que inclui as terras reconhecidas pela Funai. Em 2010, metade da população indígena tinha até 22 anos de idade, e a taxa média de alfabetização de índios com 15 anos ou mais revelou-se abaixo da média nacional.

DIREITOS O número de índios no Brasil passou a crescer nas últimas décadas, após séculos de redução. Uma razão importante é a promulgação da Constituição de 1988, que garante e especifica seus direitos. Ela reconhece aos índios o direito originário sobre as terras que habitualmente ocupam e a importância delas para seu modo de vida.

TERRAS Desde 1990, o número de terras indígenas regularizadas ou em regularização subiu de 352 para 703, num total de 115,8 milhões de hectares. No entanto, durante o governo de Dilma Rousseff as homologações de terra desaceleraram: entre 2011 e 2015 foram 11, o menor registro desde a redemocratização

DISPUTAS O processo de demarcação é conflituoso porque os grandes proprietários se opõem à homologação dos territórios indígenas. O principal argumento contrário é de que 13,6% do território do país fica com 0,4% da população. O Mato Grosso do Sul, estado com forte vocação para o agronegócio, é o principal foco de casos de disputa armada.

LEGISLAÇÃO Indígenas lutam principalmente contra dois projetos que ameaçam direitos já conquistados. Um deles é a PEC 215, que aguarda votação no Congresso e prevê que a demarcação de Terras Indígenas seja feita pelo Congresso e não pelo poder Executivo, como acontece atualmente. Já o PLP 227, que também aguarda para ser apreciado pelo Legislativo, prevê exceções para o uso exclusivo dos indígenas de suas terras demarcadas, que poderão ser espaços de atividades econômicas, por exemplo.

Índios: A luta indígena pela manutenção de direitos
Índios: A luta indígena pela manutenção de direitos
A luta indígena pela manutenção de direitos A lentidão no processo de regularização de terras, os conflitos com ruralistas e a ameaça da PEC 215 pressionam os índios Na iminência da aprovação da abertura do processo de impeachment pelo Senado, a presidente Dilma Rousseff acelerou os processos de demarcação de territórios indígenas. Entre o início […]

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