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Operação Lava Jato: Delações perigosas

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A mais profunda investigação sobre corrupção já realizada no Brasil entra em seu quarto ano cercada de expectativas. Em 2017, a Operação Lava Jato volta suas atenções para o acordo de leniência – como é chamada a delação premiada para as empresas – firmado entre os procuradores da Lava Jato e a construtora Odebrecht, que promete revelações capazes de atingir em cheio todo o sistema político brasileiro.

Os depoimentos de 77 executivos e diretores da Odebrecht aguardavam apenas a homologação do relator do caso no Supremo Tribunal Federal(STF), o ministro Teori Zavascki. Como relator, sua função é essencial por analisar detalhadamente o processo, apresentar um relatório para os outros dez ministros do STF e emitir o primeiro voto sobre o caso, que serve como referência para os demais colegas.

No entanto, o processo foi interrompido com a morte de Zavascki, em 19 de janeiro, após a queda de um bimotor em Paraty (RJ), que matou outras quatro pessoas. Além de desencadear uma onda de teorias conspiratórias de todas as ordens, a morte de Zavascki criou um imbróglio jurídico sobre quem assumiria a relatoria da Lava Jato e chegou a colocar em xeque o andamento do processo.

A situação acabou sendo contornada e, apesar do trauma, a Lava Jato irá avançar com as delações da Odebrecht. Ficou definido que o comando da operação passaria para o ministro Edson Fachin. Por sua vez, a presidente do STF, a ministra Cármen Lúcia, homologou os depoimentos dos delatores da Odebrecht, o que liberou Fachin para continuar o processo. No entanto, ainda pairam dúvidas e receios em relação à capacidade da força-tarefa em superar as tentativas da classe política de enfraquecer a operação.

CASSADO E PRESO O ex-deputado Eduardo Cunha embarca para Curitiba após ser detido, em outubro
de 2016

 

Por dentro da Lava Jato

Participam da Lava Jato os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba, e quase todas as ações do Judiciário no processo cabem ao juiz federal Sérgio Moro. A exceção são os julgamentos de pessoas com foro privilegiado, que ficam a cargo do STF.  Foro privilegiado é a prerrogativa de algumas autoridades de serem julgadas nas instâncias mais altas da Justiça. Têm foro privilegiado no STF, no caso de crimes comuns, o presidente da República e o vice, membros do Congresso Nacional, ministros de Estado e o procurador-geral da República.

A Lava Jato é uma operação iniciada pela Polícia Federal (PF) em março de 2014, no Paraná, para investigar corrupção na Petrobras. Por meio dela foi denunciado um grande esquema de desvio de recursos públicos envolvendo funcionários da estatal, grandes construtoras e políticos de diferentes partidos. Com o avanço da operação, descobriu-se que os recursos obtidos ilegalmente pelas empresas eram transferidos a servidores e políticos na forma de doações a campanhas eleitorais, caixa 2 e propinas.

Até a eleição de 2014, a lei autorizava doações de empresas a candidaturas. A Lava Jato está mostrando que muitas dessas doações eram, na verdade, repasses a servidores e políticos do excedente cobrado em contratos superfaturados firmados com os governos. Ou seja, a vencedora de uma licitação cobra muito mais do que determinada obra ou serviço vale, pega uma parte da sobra para si e distribui a outra para políticos ou partidos em forma de pagamento de propina.

Muitas vezes, essa propina era dirigida para o financiamento de campanhas eleitorais, violando os limites definidos pela lei e visando a aumentar o poder econômico de determinadas candidaturas. É o chamado caixa 2. Nesse caso, como, em tese, o dinheiro não seria recebido para benefício pessoal, há uma linha que defende que o caixa 2 não deva mais ser considerado crime de corrupção. Muito em função dessas investigações, em 2015, o Supremo determinou que somente pessoas físicas podem doar às campanhas eleitorais, regra que começou a valer a partir das eleições de 2016.

A Odebrecht

A Lava Jato também mostrou que um grupo de empreiteiras formou um cartel no início dos anos 1990 para decidir entre elas a distribuição dos contratos da Petrobras com valores superfaturados. As maiores construtoras brasileiras participaram do esquema, mas nenhuma como a Odebrecht, uma gigante responsável por inúmeras obras importantes dentro e fora do país. Seu primeiro grande ciclo de crescimento ocorreu durante a ditadura, quando passou a atuar no setor público.

Desde então, a Odebrecht tem sido um dos maiores contemplados com verbas federais. Não por coincidência, o grupo também é um dos principais doadores para partidos políticos.

No âmbito da Lava Jato, seu nome foi associado a políticos de vários partidos. Marcelo Odebrecht, presidente do grupo preso em Curitiba desde junho de 2015, recebeu condenações que somaram 19 anos e quatro meses por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.

Acuada, a empresa confirmou ter participado “de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário eleitoral do país”. E, em dezembro, a Odebrecht assinou com o Ministério Público Federal um termo de leniência em que confessou fraudes em contratos, pagamentos de propinas e lavagem de dinheiro. Nos acordos assinados, a empresa apresentou mais de 900 fatos criminosos que atingiriam figuras de todo o espectro político nacional.

A delação premiada

A delação premiada é um dos principais instrumentos usados pela Lava Jato. Ela é um acordo que oferece benefícios a um réu em troca de informações sobre um esquema criminoso. Quando ele se torna um delator, deve contar tudo o que sabe sobre o caso. Não é necessário apresentar provas, mas as informações têm de ser confirmadas pelas investigações posteriores. Se os atos relatados forem comprovados, o réu tem a pena reduzida ou pode cumpri-la em regime mais brando, como prisão domiciliar.

O fato de muitos acusados aceitarem os acordos de delação tem a ver com uma decisão do Supremo, que, em fevereiro de 2016, autorizou a prisão de quem for condenado em dois níveis do Judiciário – a chamada segunda instância. Antes, o réu aguardava em liberdade, sendo preso só depois de passar por três graus de recursos. Com essa decisão, os envolvidos na Lava Jato passaram a se preocupar com a possibilidade de ter de cumprir penas de prisão já a partir da segunda instância o que estimulou as delações.

Entre os réus que já fizeram delações estão o doleiro Alberto Youssef, um dos operadores do esquema de corrupção da Petrobras, o ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, e o senador Delcídio do Amaral (PT-MS).

Mas é a delação da Odebrecht que tem o maior potencial explosivo. Entre os citados nos depoimentos da empresa estariam vários nomes ligados ao governo Temer. Além do próprio presidente, aparecem os ex-ministros Romero Jucá (Planejamento), Fabiano Silveira (Transparência) e Henrique Eduardo Alves (Turismo), que caíram em razão de denúncias. E ainda há ministros atuais, como Moreira Franco (secretário-geral do governo), Eliseu Padilha (chefe da Casa Civil) e Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).

Também há referências nos testemunhos aos senadores Aécio Neves (presidente nacional do PSDB), José Serra (PSDB) e Renan Calheiros (PMDB), ex-presidente do Senado; a Geraldo Alckmin (PSDB), governador de São Paulo; e aos ex-presidentes petistas Dilma Roussef e Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula, aliás, já é réu em cinco ações penais. As denúncias envolvem seu nome como beneficiário de um esquema envolvendo a Odebrecht e a construtora OAS. Além disso, há um processo no qual Lula é acusado de obstruir as investigações para evitar a colaboração premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.


Curitiba no Centro da Lava Jato

O juiz federal sérgio Moro é quem comanda a Operação Lava Jato a partir da 13ª Vara Federal em Curitiba (PR), especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro.

As primeiras denúncias referentes ao esquema de desvio de dinheiro da Petrobras tiveram como alvo o doleiro Alberto Youssef, a partir de Londrina (PR). Como Youssef já havia sido investigado em outros processos naquela mesma Vara, o centro gravitacional da Lava Jato estabeleceu-se em Curitiba, sob o comando de Moro. É ele o responsável pela condução das investigações da Polícia Federal e do Ministério Público. Moro autoriza e valida procedimentos como escutas telefônicas e convocações para depoimentos, além de julgar os acusados sem foro privilegiado.

Mas a atuação de Moro também rende advertências do STF sobre supostos abusos, como na divulgação de escutas de conversas telefônicas entre Lula e a então presidente Dilma, em março de 2016. a gravação e a divulgação foram feitas de forma ilegal, pois o grampo de uma conversa da presidente só pode ser feito com autorização do STF. O juiz admitiu o erro e pediu desculpas ao tribunal, mas o vazamento colocou combustível a mais no processo de impeachment, que acabou se consumando.


A prisão de Cunha

Um dos grandes feitos da Lava Jato até aqui foi a prisão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em outubro de 2016. Um dos políticos mais poderosos do Congresso, ele havia sido afastado da presidência da Câmara pelo Supremo em maio, e um mês depois teve seu cargo de deputado federal cassado em virtude das denúncias de corrupção.

Cunha é réu em dois processos, um por ter recebido 1,3 milhão de francos suíços (mais de 5 milhões de reais) para viabilizar a compra de um campo de petróleo em Benin (África) pela Petrobras. E, em outro, por ter recebido 5 milhões de dólares para cessar investigações forjadas na Câmara que impediam a assinatura de contratos da estatal com as empresas Samsung e Mitsui. Pesam ainda sobre Cunha acusações de manter dinheiro ilegal no exterior, de usar o mandato para obter benefícios para outros parlamentares e de tentar impedir as investigações da Operação Lava Jato.

A prisão de Cunha provocou muita tensão no meio político, em razão de sua grande influência em áreas do governo e do parlamento. Os promotoresda Lava Jato acreditam que ele tem muito a dizer sobre esquemas de corrupção no país. Em depoimento prestado em fevereiro de 2017, por exemplo, Cunha reafirmou que Temer participou de um encontro para negociar cargos da Petrobras, quando era presidente nacional do PMDB, em 2007.


Diante das delações da Odebrecht, a classe política tenta se livrar das condenações que estariam por vir.


 

“Estancar a sangria”

A operação que já colocou na cadeia grandes figuras da cena nacional, como o líder petista Antônio Palocci e o poderoso Eduardo Cunha, deixa a classe política em polvorosa. Por isso, não são poucas as denúncias de tentativas para sabotar as investigações e livrar os envolvidos das condenações que poderiam vir.

O episódio que melhor define essa teoria foi um diálogo telefônico, divulgado em maio de 2016, que sugeriu que o próprio processo de impeachment de Dilma Roussef era parte de uma estratégia para conter a operação. Participaram da conversa o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que se tornaria ministro do Planejamento do governo Temer, e Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro (braço da Petrobras). Jucá é alvo de inquéritos que investigam recebimento de propina no esquema que atuava na Petrobras e Machado é apontado como o operador do PMDB dentro da estatal.

Em um dos pontos do diálogo, Jucá afirma que a forma de “estancar a sangria” é “mudar o governo”, referindo-se ao avanço da Lava Jato que começava a ameaçá-lo. Em outro momento, Jucá diz que tinha conversado com ministros do STF sobre a necessidade de parar a operação. Ele afirma ainda que um eventual governo Temer deveria costurar um pacto entre a classe política e o Supremo. “Aí, parava tudo”, emendou Machado. “E delimitava onde está, pronto”, completou Jucá, propondo que as investigações fossem interrompidas.

Pressão sobre o governo

Com a morte de Teori Zavascki, a discussão em torno desse pacto ganhou um novo componente. A polêmica ficou por conta da indicação para o ministro que ocuparia o lugar de Zavascki no Supremo. A tarefa é prerrogativa exclusiva do presidente. E Temer acabou escolhendo o seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, até então filiado ao PSDB.

Para juristas, políticos e investigadores da Lava Jato, a indicação pelo presidente de um nome de seu governo nada mais seria do que uma manobra para ter alguma influência direta nos trabalhos do Supremo. Afinal, como o próprio Temer e membros do alto escalão do governo foram citados em denúncias da Lava Jato, a decisão colocou em dúvida a imparcialidade da escolha.

Aliados Alexandre de Moraes cumprimenta o senador Romero Jucá, em fevereiro de 2017

 

Outro episódio que levantou suspeitas foi a nomeação por Temer de Moreira Franco para a Secretaria-Geral da Presidência da República, em fevereiro. Citado nas delações da Odebrecht, como ministro Franco passaria a ter foro privilegiado, ou seja, não seria mais julgado pelo juiz Sérgio Moro mas pelo STF. No entender dos críticos, com isso o presidente procurava proteger seu aliado. A corte suprema, contudo, entendeu que não houve desvio de finalidade na nomeação, pois Franco já era membro do governo e não é réu. Assim, autorizou sua nomeação.

Diante desse quadro em que políticos tentam minar o alcance da Lava Jato, os desdobramentos das delações da Odebrecht ganham ainda mais importância. Agora resta saber até que ponto as diferentes esferas do poder terão condições de afetar efetivamente o andamento dos trabalhos da Justiça.

As prisões de Eike e Cabral

Acusados de corrupção, o empresário e o ex-governador do Rio de Janeiro são alvos das operações Calicute e Eficiência

SEM MORDOMIA  Eike Batista é conduzido à prisão no Rio de Janeiro, em janeiro de 2017

 

O amplo alcance da Lava Jato deu origem a outras investigações paralelas, como as operações Calicute e Eficiência. Elas já colocaram na cadeia duas importantes figuras do meio corporativo e político.

A primeira é Sérgio Cabral Filho. Em novembro de 2016, o ex-governador do estado do Rio de Janeiro entre janeiro de 2007 e abril de 2014 foi enviado ao presídio de Bangu 8, na zona oeste do Rio, em razão das investigações da Operação Calicute. Ele é acusado de ter recebido 220 milhões de reais de grandes empreiteiras como propina para garantir obras públicas durante seu governo. Sua mulher, Adriana Ancelmo, também foi presa.

Em fevereiro, Cabral se tornaria réu da Operação Eficiência, junto com outra personalidade de destaque no meio corporativo: o empresário Eike Batista. Segundo denúncia do Ministério Público Federal, Eike teria efetuado dois pagamentos suspeitos ao ex-governador. O primeiro, de 16,5 milhões de dólares, é referente a um contrato falso de intermediação da compra de uma mina de ouro.

O outro, de 1 milhão de reais, teria sido feito ao escritório de advocacia de Adriana Ancelmo como propina paga na forma da simulação de prestação de serviços a uma das empresas do conglomerado do empresário. Advogados que trabalhavam no escritório disseram aos investigadores que jamais tinham prestado serviço para empresas de Eike.

Fundador do grupo EBX, Eike acumulou em poucos anos um patrimônio que em 2012 superava 34 bilhões de dólares, chegando a figurar como o sétimo homem mais rico do mundo na lista da revista Forbes. Negócios de alto risco e instabilidade internacional nos preços do minério de ferro e do petróleo, dois de seus principais negócios, fizeram sua fortuna despencar para cerca de 120 milhões de dólares em um ano – redução de mais de 99%.

Na época da decretação de sua prisão, o empresário estava no exterior e temia-se que ele se recusasse a regressar ao Brasil, mantendo-se foragido. No entanto, em 30 de janeiro ele voltou ao país e se entregou à polícia.

 

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Operação Lava Jato

LAVA JATO  Operação deflagrada em 2014 pela Polícia Federal para investigar um amplo esquema de corrupção na Petrobras envolvendo funcionários da estatal, empreiteiras e políticos.

O ESQUEMA  Um grupo de empreiteiras decidia entre elas a distribuição dos contratos da Petrobras. Nas licitações, a empresa vencedora cobrava valores superfaturados por uma obra, pegava uma parte para si e distribuía a outra em forma de pagamento de propina. Parte do dinheiro excedente ficava com o funcionário corrupto e parte ia para partidos políticos. Muitas vezes, essa propina era dirigida para o financiamento de campanhas eleitorais.

ENVOLVIDOS  As investigações da Lava Jato já atingiram políticos do alto escalão. O líder petista Antônio Palocci e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha foram presos. O ex-presidente Lula é réu em cinco ações da Lava jato.

DELAÇÃO PREMIADA  Instrumento jurídico que oferece benefícios a um acusado desde que ele dê informações que permitam revelar um esquema criminoso ou prender outros integrantes de uma quadrilha. Se as informações provarem-se verídicas, ele pode ter a pena reduzida, cumprir a pena em regime mais brando ou até mesmo receber perdão judicial.

ODEBRECHT  Na Lava Jato, a empresa confirmou ter participado “de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país”. Em dezembro, a Odebrecht assinou um termo de leniência (delação premiada para empresas), com potencial para afetar todo o sistema político.

PACTO  Diante da pressão exercida pela divulgação das delações da Odebrecht, surgem denúncias referentes à existência de um grande pacto entre a classe política e o Judiciário para estancar a Lava Jato antes que ela atinja políticos do atual governo. Além do próprio presidente, são citados nas delações da Lava Jato inúmeros membros de seu governo.

 

Operação Lava Jato: Delações perigosas
Operação Lava Jato: Delações perigosas
A mais profunda investigação sobre corrupção já realizada no Brasil entra em seu quarto ano cercada de expectativas. Em 2017, a Operação Lava Jato volta suas atenções para o acordo de leniência – como é chamada a delação premiada para as empresas – firmado entre os procuradores da Lava Jato e a construtora Odebrecht, que […]

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