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Poder Judiciário: O fiel da balança no centro das decisões

OS TRÊS PODERES Renan Calheiros (ex-presidente do Congresso), Cármen Lúcia (presidente do STF) e Michel Temer (presidente da República)

 

O fiel da balança no centro das decisões

O destaque que o Supremo Tribunal Federal tem assumido no cenário político e social brasileiro levanta questionamentos sobre os limites de cada um dos três poderes do estado

Nunca se falou tanto no Brasil sobre julgamentos, juízes, réus e processos. Quem acompanha o noticiário já se habituou a horas de sessões de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), a corte máxima do país, transmitidas ao vivo pela TV. A razão disso é que o Poder Judiciário tem desempenhado papel central na condução de importantes questões sociais e políticas. Veja alguns exemplos:

• Em 2016, os ministros do STF julgaram diversas ações questionando a validade do processo de impeachment contra a então presidente Dilma Roussef, e deram a palavra final sobre o rito, os procedimentos a ser seguidos na Câmara e no Senado no julgamento. Mais tarde, o presidente daquela corte à época, Ricardo Lewandowski, presidiu a sessão do Senado que decidiu pela retirada da presidente do poder;

• Em 2014, o STF fechou um ciclo de dois anos de julgamento de 37 acusados do escândalo do Mensalão, um esquema de fraude em empréstimos e desvio de recursos públicos para a compra de apoio de parlamentares na votação de medidas de interesse do governo federal. O esquema foi denunciado em 2005, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e envolveu diretores de bancos, políticos, publicitários e tesoureiros de partidos políticos;

• Em 2011, o Supremo reconheceu o casamento civil de uniões homoafetivas, ou seja, definiu que os casamentos entre pessoas do mesmo sexo têm tanto valor jurídico quanto as uniões entre um homem e uma mulher.

Mas esse protagonismo em algumas das principais decisões de interesse da sociedade brasileira também levanta questionamentos a respeito do papel do Poder Judiciário e do limite de suas atribuições. A relação cada vez mais conflituosa entre o Judiciário e o Legislativo e as razões que levaram o STF a se tornar um ator ainda mais relevante na sociedade suscitam novos debates acerca dos três Poderes no Brasil.

 

A divisão entre os Poderes

Pela Constituição brasileira, de 1988, o Judiciário é um dos três Poderes do Estado, ao lado do Legislativo e do Executivo. O Poder Legislativo, que reúne vereadores, deputados estaduais e federais e senadores, tem como função essencial elaborar leis. O Poder Executivo tem a atribuição de executar essas leis e propor normas jurídicas na administração do Estado, sempre com a obrigação de atender às necessidades da sociedade – é o
que chamamos “governo”. Integram o Executivo o presidente da República, os governadores e prefeitos. O Poder Judiciário funciona, na teoria, como o fiel da balança, que garante o equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo. São tribunais que seguem uma estrutura hierárquica de atribuições (as chamadas instâncias), em que juízes e desembargadores asseguram que os legisladores não elaborem leis abusivas e que as leis sejam cumpridas por todos – cidadãos, empresas, governantes e políticos –, garantindo os direitos individuais, coletivos e sociais.

Essa estrutura de divisão do poder em três braços tem origem no modelo concebido pelo francês Charles Montesquieu no século XVIII, quando o Estado absolutista começava a ser substituído na Europa por um Estado com nova organização do poder, a república, e, em alguns países, a monarquia parlamentarista.

No absolutismo, o monarca concentrava todo o poder político e militar, na maior parte do tempo em combinação com a Igreja. O novo Estado, imposto pela pressão da ascendente burguesia, é administrado segundo os princípios humanistas do Iluminismo e defendidos na Revolução Francesa: liberdade e igualdade nos direitos fundamentais (direito à vida, por exemplo). Nesse novo Estado, a Igreja não interfere no governo e a lei está acima de todos – governantes e governados.

A estrutura proposta por Montesquieu se mantém até hoje nos chamados Estados Democráticos de Direito, como o Brasil. Nesse sistema, o povo é soberano (escolhe os destinos da nação, elegendo seus representantes no Legislativo e os governantes, no Executivo), as leis recaem tanto sobre os cidadãos quanto sobre as instituições políticas e o poder continua dividido nos três braços, para que não haja abuso de autoridade por nenhum dos Poderes, como propostos por Montesquieu.

As atribuições do STF

Nessa estrutura em vigor no Brasil, cabe à instância máxima do Judiciário, o STF, o papel de guardião da Constituição. Seus 11 ministros – todos indicados pelo presidente da República – compõem um tribunal constitucional, que julga questões que tenham relação com algum ponto da Constituição. Eles analisam, por exemplo, se determinada lei criada pelo Congresso ou medida tomada pelo Executivo não viola ou ameaça qualquer direito fundamental ou alguma cláusula pétrea da Carta Magna – itens que não podem, de maneira nenhuma, sofrer alteração.

O Supremo funciona também como tribunal penal, julgando pessoas que têm foro privilegiado, no caso de crimes comuns (como homicídio ou desvio de dinheiro público). Foro privilegiado é a prerrogativa de algumas autoridades de serem julgadas nas instâncias mais altas da Justiça. Têm foro privilegiado no STF, no caso de crimes comuns, o presidente e o vice-presidente da República, membros do Congresso Nacional, ministros de Estado e o procurador-geral da República (chefe do Ministério Público Federal, órgão responsável por fiscalizar o cumprimento das leis que garantem os interesses sociais e individuais e a manutenção da democracia).

A questão do foro privilegiado, associado aos escândalos de corrupção e processo de impeachment, é uma das razões que têm colocado o STF cada vez mais em evidência. O país nunca viu número tão grande de empresários e autoridades políticas responderem por crimes de corrupção e improbidade administrativa. O grande interesse despertado por esses julgamentos, realizados pelos ministros do Supremo, tem dado a eles fama de celebridades, com direito a foto em capas de revista.
Por fim, o STF é também a última instância (o tribunal mais alto) a que um réu pode recorrer caso perca alguma ação judicial em tribunais inferiores. Isso quer dizer que não cabe recurso contra uma decisão do STF – o que ele decidir, é definitivo.

Mensalão e Lava Jato 

O Supremo vem ampliando seu campo de atuação, em boa parte como resultado da estrutura da Constituição de 1988. Extensa e muito detalhada, a Carta Magna traz temas que não constavam das constituições anteriores. Por exemplo, o tema meio ambiente nem sequer era citado nas constituições anteriores. No novo texto, o tema merece um capítulo inteiro e mais de 40 artigos. E, se consta da Constituição, qualquer questão ambiental pode gerar disputas judiciais que cheguem ao Supremo. O mesmo vale para temas como educação saúde ou direitos civis.

Mas, no mesmo ritmo em que crescem as atribuições do Supremo, florescem as polêmicas em torno de sua competência e suas atribuições. Veja o caso do Mensalão: dos 37 réus julgados pelo Supremo, apenas três teriam direito a foro privilegiado, porque eram deputados federais. O processo deveria, em tese, ser desmembrado para que os demais réus fossem julgados em instâncias inferiores. Mas o Supremo decidiu manter todos os réus num único processo e julgamento, por considerar que os crimes de uns estavam conectados aos de outros, e que a separação poderia resultar em decisões conflitantes. Com o avanço das investigações da Lava Jato, que têm como alvo muitos políticos com foro privilegiado, o STF permanece sobrecarregado na função de tribunal penal.

 

JUSTIÇA EM PAUTA O ministro do STF Gilmar Mendes e o juiz encarregado pela Lava Jato, Sérgio Moro, em sessão no senado, em 2016

 

Entre juristas e políticos, a medida tornou-se tema de grande debate. E a própria ideia de foro privilegiado entrou para a discussão. Tramita na Câmara Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Luiza Erundina (PSB- SP) que propõe retirar do Supremo qualquer atribuição de tribunal penal. O STF se encarregaria apenas de julgar ações de inconstitucionalidade.

Essa medida também aliviaria o Supremo, que, sobrecarregado com diversas ações, não consegue dar a celeridade desejada aos julgamentos. Segundo o ministro do STF Luís Roberto Barroso, o Supremo recebeu apenas no primeiro semestre de 2016 mais de 44 mil ações.

 


Ao julgar ações de constitucionalidade, o  STF pode criar novas  normas, o que provoca  críticas do Legislativo


 

Quem faz as leis?

Outras decisões do Supremo colocam o Judiciário em conflito com o Legislativo. Para os legisladores, o STF tem muitas vezes extrapolado suas atribuições e invadido o campo de atuação restrito ao Congresso Nacional. A questão é que, ao julgar se uma determinada lei segue o que determina a Constituição, o Supremo pode acabar estabelecendo novas normas, que passam a nortear julgamentos futuros – a chamada jurisprudência. Em muitos casos, deputados e senadores veem nessas atitudes uma censura ao papel do legislador e uma intromissão indevida do Judiciário em decisões que caberiam ao Poder Legislativo.

A recente decisão sobre o aborto ilustra essa situação: em 2015, o STF recebeu de instâncias inferiores um processo de crime comum: cinco pessoas de Duque de Caxias (RJ) foram de-nunciadas por suposta prática de aborto. A legislação atual admite o aborto apenas em casos de estupro, risco de vida para a mãe ou feto anencéfalo (sem cérebro). Mas, no julgamento do caso de Duque de Caxias, em novembro de 2016, o STF entendeu que considerar crime a interrupção da gravidez nos primeiros três meses de gestação fere preceitos constitucionais, como o de igualdade de gênero e o direito à integridade física e psíquica da mulher. Os réus foram absolvidos.

Com esse precedente aberto para o julgamento de outros casos de aborto, o Legislativo reagiu imediatamente. Pressionado pelas bancadas conservadoras e religiosas, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criou uma comissão especial para verificar a viabilidade de incluir na Constituição uma regra clara para a questão, fechando qualquer porta para a legalização do aborto.

Alguns juristas veem nessas decisões do STF uma séria interferência de um poder sobre outro e riscos ao Estado de Direito. Já para os defensores, trata-se de atribuições previstas pela Constituição. Criar normas ou reinterpretar leis é também papel do Supremo.

 


Como é feita a nomeação no STF

A morte do ministro do supremo tribunal Federal (STF) teori Zavascki, em um acidente aéreo em janeiro de 2017, abriu uma vaga na mais alta corte do Brasil. Para o lugar de Zavascki, o presidente Michel temer indicou o seu ex-ministro da justiça, Alexandre de Moraes, em uma decisão que gerou bastante polêmica.

O STF é composto por 11 ministros, cuja indicação é de responsabilidade do presidente da república. Mas sua decisão não é soberana: o indicado precisa ser sabatinado pelo senado e contar com a aprovação da maioria absoluta da casa – 41 votos.
Para ser ministro do STF é necessário ser brasileiro nato, ter mais de 35 anos e menos de 65 anos e possuir “notável saber jurídico e reputação ilibada”. O cargo é vitalício, ou seja, ele permanece no posto até se aposentar ou morrer.

Não há nada que impeça o indicado a ministro de ter filiação partidária – no caso de Moraes, ele era membro do PSDB e se desvinculou do partido após a indicação. Mas esse fato, somado à sua posição como ex-membro do governo Temer, coloca sua parcialidade em questão. Isso porque, como ministro do STF, ele irá compor a corte que julgará os acusados da operação lava jato com foro privilegiado.


 

Crise entre os Poderes

Com os ânimos acirrados, a disputa deixa de ser jurídica e se torna um conflito político. Em um dos casos mais reveladores da crise, em 2016, o ministro Marco Aurélio Mello determinou por meio de uma liminar (ordem judicial provisória) o afastamento do então presidente do Senado, Renan Calheiros, réu num processo de peculato (mau uso de dinheiro público em proveito próprio). Isso porque a lei impede que réus estejam na linha sucessória do presidente da República, como é o caso do cargo de presidente do Senado. Mas, com apoio da Mesa do Senado, Renan ignorou a ordem – o que constitui um grave caso de desobediência. No fim, tudo acabou em pizza: a liminar foi derrubada pelos próprios ministros do STF. Quanto a Renan, ele saiu da linha sucessória, mas permaneceu na presidência da Casa até o fim de seu mandato, em fevereiro de 2017.

Seja qual for a análise acerca do papel do STF, o fato é que o contexto político atual também favorece uma reorganização de forças entre os Poderes. Com um Executivo Federal impopular e um Congresso desacreditado e, por vezes, omisso na proposição das leis, abre-se um vácuo de poder que passa a ser preenchido pelo Judiciário. Mesmo sendo criticado por supostamente extrapolar suas funções de tribunal constitucional,é o STF que lidera a tentativa de reconstruir a ponte entre as instituições brasileiras e a sociedade.

 

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(sc/iStock)

 

 

 

 

Poder Judiciário

OS TRÊS PODERES A estrutura do Estado Democrático de Direito, adotada no Brasil, é baseada no modelo dos três Poderes, de Montesquieu, que data do século XVIII. O Legislativo tem a função de criar leis; o Executivo, de executá-las e propor leis e outras normas jurídicas; o Judiciário equilibra a atuação dos outros dois, garantindo que o Legislativo não crie leis abusivas e o Executivo não imponha políticas públicas que não atendam às necessidades da sociedade.

STF  O Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo do Judiciário. Sua função primordial é de tribunal constitucional, que julga atos do governo e leis para garantir que não haja descumprimento da Constituição Federal. O STF ampliou muito sua atuação, devido ao aumento de temas que passaram a integrar a Constituição de 1988, como meio ambiente, saúde e educação. O STF tem também a função de tribunal penal – é a instância mais alta para julgamento de conflitos.

FORO PRIVILEGIADO É a prerrogativa que algumas autoridades têm de serem julgadas nos tribunais supremos. Têm foro privilegiado no STF o presidente e o vice-presidente da República, ministros de Estado, membros do Congresso Nacional e o procurador-geral da República. O privilégio é questionado. O foro privilegiado sobrecarrega o STF como tribunal penal.

LIMITES DE ATRIBUIÇÕES   Questionar a legislação é função do Poder Judiciário. Mas, algumas vezes, o STF é acusado de tomar decisões que esbarram em atribuições do Legislativo, alterando ou reinterpretando leis ao julgar ações de constitucionalidade. Muitas dessas decisões geram jurisprudência, que passa a nortear o resultado de futuros julgamentos.

CONFLITO ENTRE OS PODERES As decisões que não estão de acordo com as leis vigentes colocam o Judiciário em conflito com o Legislativo. Um Executivo Federal impopular e um Legislativo desacreditado abrem espaço para o STF ampliar suas atribuições e seu papel na sociedade.

Poder Judiciário: O fiel da balança no centro das decisões
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Poder Judiciário: O fiel da balança no centro das decisões
OS TRÊS PODERES Renan Calheiros (ex-presidente do Congresso), Cármen Lúcia (presidente do STF) e Michel Temer (presidente da República)   O fiel da balança no centro das decisões O destaque que o Supremo Tribunal Federal tem assumido no cenário político e social brasileiro levanta questionamentos sobre os limites de cada um dos três poderes do […]

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