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Água: Seca histórica castiga o Nordeste

MINGUANDO – Agricultor de Boqueirão (BA) conduz seu gado emagrecido pela falta de pasto, em outubro de 2016 ()

SECA HISTÓRICA CASTIGA O NORDESTE

A maior falta de água no Nordeste dos últimos cem anos sinaliza a importância da gestão dos recursos hídricos no país e no mundo

Por Guilherme Eler

Solos rachados, perdas na agricultura, mortes de animais e, sobretudo, a falta de água para consumo humano. São situações já esperadas pelo sertanejo do Nordeste, durante os períodos mais secos do ano. Mas não durante anos seguidos. A atual estiagem já dura seis anos consecutivos e é a seca mais prolongada da história recente na região. Os reflexos já afetam não só a população rural, mas também o cotidiano dos centros urbanos.

O cenário vem se agravando. De acordo com o Monitor de Secas da Agência Nacional de Águas (ANA), mais de 65% do território nordestino se encontrava na categoria de “seca excepcional”, em dezembro de 2016.

E essa área já era 18% maior em comparação ao mesmo mês do ano anterior. Entende-se por “seca excepcional” uma estiagem muito longa e grave, na qual há a perda de plantações, hortas, criações animais e vegetações, rios secam e há escassez de água nos reservatórios, córregos e poços, criando situações de emergência generalizadas.

Abastecimento em colapso

No início de 2017, 142 dos 533 reservatórios do Nordeste estavam secos. Na Paraíba, 70 deles operavam com menos de 5% do volume total, incluindo o açude Epitácio Pessoa, que abastece Campina Grande, a segunda cidade mais populosa do estado, e outros 18 municípios. No Ceará, 137 dos 184 municípios estavam em situação de emergência nos primeiros meses do ano, incluindo a capital, Fortaleza. Na Bahia, eram 61 cidades somando mais de 950 mil pessoas, segundo a Superintendência de Proteção e Defesa Civil do estado.

SITUAÇÃO GRAVE – Os mapas registram o agravamento da seca no Nordeste a partir desse monitoramento iniciado em julho de 2014. Nas áreas mais claras, a seca durou pouco e houve alguma chuva. Da área vermelha para a mais escura, vê-se a seca de longa duração, na qual houve perda de criações e cultivos; poços, açudes e rios secaram. ()

Ao decretarem estado de emergência, prefeituras e governos estaduais ganham prioridade para receber linhas emergenciais de crédito para amenizar as perdas econômicas nas áreas mais atingidas pela seca. Além de tentar garantir o abastecimento da população, o governo federal concentra o auxílio à região em medidas como perfurar novos poços artesianos, ampliar o programa de distribuição de cisternas e bombas e ampliar os esforços para construir reservatórios, barragens e recuperar açudes. Estima-se que a Operação Carro-Pipa ao fim de 2016 já compreendia 848 municípios da Região Nordeste e do norte de Minas Gerais, levando água a 3,7 milhões de brasileiros. Os números são do Exército Brasileiro e do Comando Militar do Nordeste (CMNE).

Diante do atual quadro, o governo federal renegocia as dívidas dos pequenos produtores, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf ), e expande programas como o Garantia-Safra e Bolsa-Estiagem. São tentativas de manter as atividades no campo, mesmo em condições tão adversas. A região concentra mais da metade de todos os empreendimentos de agricultores familiares do país, segundo o último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A pecuária, uma das principais atividades agrícolas nordestinas, está entre as mais afetadas. Só em Pernambuco, estima-se que as perdas no setor até 2015 tenham chegado a 1,5 bilhão de reais. Cresce, inclusive, a substituição do gado por cabras e ovelhas, mais resistentes às secas. Ao fim de 2016, o governo federal autorizou o repasse de 7 milhões de reais para compra de forragem alimentar para os animais.

Razões da seca

Para entender a atual seca no Nordeste é preciso atentar para fatores climáticos que atuam na região. O território nordestino está em zona de clima semiárido, com baixos níveis de umidade e altas temperaturas na maior parte do ano. O regime de chuvas é irregular, o que favorece a ocorrência de longos períodos de estiagem e a quase inexistência de rios permanentes. A maior parte da precipitação concentra-se em março, abril e junho, e a média para todo o ano é inferior a 800 mm (ou seja, 800 litros por metro quadrado), e em algumas áreas fica perto de 500 litros. É muito pouco. Na maior parte do país a média fica acima de mil litros, e na Região Norte varia de 1,8 mil a 3,3 mil litros, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A variação na ocorrência das chuvas em nosso clima semiárido ocorre por alterações na temperatura dos oceanos, diretamente ligada à dinâmica das massas de ar. Na chamada Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), localizada próximo à linha do Equador, forma-se uma massa de ar quente e úmida, que chega ao Nordeste provocando chuvas na região litorânea, de Mata Atlântica. Quando segue para o interior da região, essa massa perde força e umidade, tornando-se uma massa quente e seca que estaciona por longos períodos.

As sucessivas secas na região levaram milhões de nordestinos a deixar seus estados de origem, sobretudo nas décadas de 1940 e 1950, e formarem um fluxo migratório contínuo para as demais regiões. Nas décadas recentes, com o maior desenvolvimento econômico do Nordeste, esse fluxo havia praticamente desaparecido, mas agora a seca volta a ser um fator de pressão.

Além dos fatores geográficos, fatores políticos são apontados como entraves para o enfrentamento das secas. Historicamente, os grandes latifundiários e coronéis usaram a escassez de água como moeda de troca para apoiar os sucessivos governos locais e o federal e receber, em contrapartida, empréstimos e prioridade na construção de açudes, projetos de irrigação e outras políticas que favorecem as suas terras, o que atrasou políticas de boa gestão da água. Esse fenômeno ficou conhecido como “indústria da seca”.


A estiagem recente no  Sudeste do país mostra como é importante haver boa gestão dos recursos hídricos


 

Transposição do Rio São Francisco

 

A GRANDE OBRA – O projeto de transposição foi  lançado em 2007 para atenuar os efeitos da seca no semiárido. Ele prevê a construção de canais que vão transferir de 1% a 3% das águas do “Velho Chico” para rios e açudes que atualmente secam durante a  estiagem. A obra, porém, está inacabada. ()

A principal obra do governo federal visando ao combate dos efeitos da seca é a transposição de águas do Rio São Francisco, o “Velho Chico”, principal rio do Nordeste. A área coberta por sua bacia hidrográfica compreende seis estados e o Distrito Federal. Iniciada em 2007, a transposição objetiva desviar de 1% a 3% da água do rio, por meio de duas extensões construídas com dutos e canais (veja mapa no alto). Estima- se que a obra beneficiará até 12 milhões de pessoas. As obras estouraram o prazo em anos, mas já estavam 95% concluídas no início de 2017, quando a água do tronco leste chegou a Pernambuco e à Paraíba.

Há quem questione se o projeto será eficaz, pois o São Francisco depende de outros 36 afluentes também afetados na estiagem, e temem pela própria preservação do rio. Além disso, há o temor dos impactos da obra sobre o meio ambiente e da expansão agrícola que promoverá.

MUDANÇA – Barragem de Areias, em Floresta (PE), já com água da transposição do “Velho Chico” ()

O desafio da gestão

Mesmo possuindo cerca de 12% das reservas mundiais de água doce e grande número de rios e aquíferos, o Brasil não está imune à escassez hídrica. O problema é que a distribuição do recurso não corresponde à da população. A Região Norte contém 70% do total da água disponível, mas apenas 8% da população. Logo, 92% da população do país dependem dos 30% da água restante. Essa desigualdade mostra quanto é importante haver boa gestão dos recursos disponíveis.

A estiagem histórica atravessada pelo Sudeste a partir de 2014 é uma mostra da importância dessa gestão. A estiagem esvaziou o Sistema Canteira, o maior no abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo, e provoca racionamento desde então. O rápido crescimento populacional da região pressiona as fontes de abastecimento, que não evoluíram na mesma proporção. Na década de 1960, quando o Cantareira foi projetado, a cidade de São Paulo contava com 4,8 milhões de habitantes, mas agora o sistema tem de abastecer mais de 20 milhões de pessoas da Grande São Paulo.

O acelerado e desordenado processo de urbanização das cidades brasileiras também agrava o acesso à água em quantidade e qualidade satisfatórias. O desmatamento e a impermeabilização do solo, provocada por calçadas e asfalto, impedem que a água penetre em lençóis freáticos, prejudicando a recarga dos aquíferos e intensificando  o processo de assoreamento de rios. A ocupação irregular de regiões de mananciais e áreas de várzea também entra na conta, por destruir a mata ciliar, que mantém cursos de água, e poluí-los com esgoto e lixo doméstico. Na Grande São Paulo, por exemplo, o percentual do esgoto coletado e tratado é de apenas 68%. No Brasil, o número fica em 40,8%, segundo o Ministério do Meio Ambiente. Os dejetos prejudicam a oxigenação da água, elevando os gastos no tratamento.

Os problemas de manutenção que afetam a distribuição nos centros urbanos também resultam da falta de investimentos no setor. A verticalização das cidades com a construção de edifícios comerciais e residenciais, sobrecarrega a rede hídrica. Tubulações velhas estão mais propícias a romper. De acordo com dados estimativos do Ministério do Meio Ambiente, chegaria a 36,4% o desperdício da água tratada.

 

O acesso à água no mundo

O desperdício de água, representado pela má gestão, vem sendo cada vez mais combatido em nível global. O volume total da água no planeta é da ordem de 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos, mas 97,5% estão nos oceanos e apenas os 2,5% restantes são doces. Além disso, a distribuição também é desigual globalmente.

A população mundial cresceu de 2,5 bilhões de pessoas em 1950 para os mais de 7 bilhões atuais. Isso não implica somente em mais torneiras abertas e chuveiros ligados, pois o consumo das pessoas responde por somente 11% do total mundial. A indústria e a agropecuária consomem os outros 89% da água, e aumentam sua produção para acompanhar o consumo crescente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), hoje ao menos 1,8 bilhão de pessoas não têm acesso seguro à água em condições para consumo, e essa situação tende a se agravar nas próximas décadas.

 

DESAFIO – O uso doméstico consome a menor parte da água, mas o crescimento da população leva a indústria e a agropecuária a aumentarem a sua produção e consumirem mais água. Segundo a ONU, esse processo irá se agravar ao longo deste século. ()

 

 

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Água

SECA NO NORDESTE   Desde 2012 não chove regularmente nessa região, que vive sua maior seca dos últimos cem anos. Os reservatórios operam em níveis muito baixos e a falta d’água já prejudica o abastecimento das cidades. Muitas se encontram em estado de emergência, sendo socorridas por políticas públicas, como a construção de poços e cisternas e subsídio às atividades agropecuárias.

CAUSAS AMBIENTAIS  O território nordestino apresenta clima semiárido, com baixos níveis de umidade e altas temperaturas em grande parte do ano. O regime de chuvas irregular, concentrado em apenas três meses, explica os longos períodos de estiagem na região.

GESTÃO DA ÁGUA   Historicamente, os programas públicos no Nordeste tendiam a priorizar áreas Controladas por latifundiários. A esse fenômeno deu-se o nome de “indústria da seca”. Com a necessidade de melhor gestão da água, uma das medidas para democratizar o acesso a uma maior  população é o projeto de Transposição do Rio São Francisco. O projeto, no entanto, é criticado por seus possíveis impactos ambientais, como eventuais prejuízos à biodiversidade e desequilíbrio de ecossistemas ligados à preservação do rio.

ÁGUA NO BRASIL  Mesmo contando com 12% das reservas mundiais de água doce, o país não está imune à escassez hídrica, pois a distribuição desse manancial é desigual no território. A urbanização acelerada das cidades aumenta as demandas por água e polui os corpos hídricos, enquanto a impermeabilização do solo por asfalto e cimento prejudica a reposição natural da água em aquíferos e assoreia os rios.

PROBLEMA GLOBAL  A falta de água já é enfrentada em diversas regiões do mundo. E o crescimento da população aumenta o consumo de alimentos e produtos da indústria e da agropecuária, setores que, juntos, consomem 89% da água. A Organização Mundial da Saúde estima que, até 2050, 3 bilhões de pessoas terão de conviver com a escassez hídrica nas cidades.

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