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Internet: Privacidade e segurança na era digital

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Em maio de 2016, milhões de brasileiros que acessam a internet pelo celular tiveram uma surpresa desagradável. Quem tentou usar o WhatsApp para trocar mensagens foi obrigado a recorrer a outra forma de comunicação. Isso porque a Justiça do Sergipe mandou as maiores operadoras de telefonia do Brasil bloquear o acesso ao aplicativo em todo o território nacional por 72 horas.

A determinação ocorreu devido a uma ordem judicial anterior não cumprida. Em uma investigação sobre apreensão de drogas em Lagarto (SE), a Justiça pediu que os responsáveis pelo aplicativo informassem o nome dos usuários de uma conta do WhatsApp na qual os traficantes trocavam informações. Como o Facebook, que é dono do WhatsApp, alegou não possuir os dados, o juiz de Lagarto ordenou a suspensão do aplicativo. Antes deste episódio, o vice-presidente do Facebook na América Latina, o argentino Diego Dzodan, já havia passado uma noite na cadeia, em março, por se negar a colaborar nessa mesma investigação judicial.

O caso terminou sem maiores consequências para os usuários do WhatsApp: o bloqueio foi revogado horas depois por outra determinação judicial, sob a alegação de que a suspensão era desproporcional por atingir todos os usuários. Mas esse pequeno inconveniente cotidiano revela outras implicações maiores a respeito da regulamentação da internet e da privacidade e da liberdade de expressão na era digital.

 

 

CONSTITUIÇÃO DA WEB Aprovado em 2014, o Marco Civil da Internet regulamenta a rede no Brasil

 


Os governos querem ter acesso a dados pessoais e rastros de navegação na internet para investigar crimes


Segurança de dados

A internet, que já foi bastante livre e pouco regulamentada, passa por um momento de amplo debate público no mundo em torno dos direitos e deveres de usuários e empresas, e também sobre o papel do Estado. De um lado estão os argumentos em prol da segurança nacional. Governos trabalham para abrir brechas na legislação, que permitam o acesso de suas agências – como as polícias e o Ministério Público – aos dados pessoais e registros de navegação de suspeitos de crimes.

Já as empresas do setor lutam para preservar a inviolabilidade dessas informações, uma de suas principais fontes de receita, e para manter o privilégio de poder comercializá-las. Essas informações formam um complexo banco de dados que abastece suas campanhas de marketing e publicidade dirigidos, ou seja, personalizados de acordo com os hábitos de navegação de cada um.

Como resposta às tentativas dos Estados de acessar dados de seus clientes, empresas como Facebook, Google e Apple estão refinando seus sistemas de criptografia. Eles transformam uma informação qualquer – como um e-mail ou uma mensagem de texto – num código cifrado. Com isso, apenas o destinatário e o remetente das mensagens têm acesso ao conteúdo original, até mesmo a central do aplicativo recebe somente dados encriptados. O WhatsApp espera que a medida torne inútil as investidas dos Estados por acesso a registros pessoais, afinal a empresa terá em seu banco apenas dados codificados.

Em meio à queda de braço entre os poderes público e privado, a sociedade civil se mobiliza para estender ao ambiente on-line direitos duramente conquistados na vida real – como o direito à privacidade e à liberdade de expressão. Mas a questão da segurança nacional entra com força no debate em um período em que os crimes virtuais se tornam mais frequentes e a tecnologia é cada vez mais usada para facilitar as contravenções.

 

O Marco Civil da Internet

No Brasil, o Marco Civil da Internet assinalou avanços importantes no sentido de garantir a privacidade na rede. Trata-se de uma lei federal sancionada em abril de 2014 que é uma espécie de constituição brasileira para a internet. Ela regula a rede mundial de computadores prevendo princípios, garantias, direitos e deveres para usuários e empresas, bem como traça as diretrizes para a atuação do Estado. O Marco Civil começou a ser debatido em outubro de 2009, e foi elaborado com ampla participação popular através de consultas e audiências públicas.

Durante sua elaboração, a lei sofreu fortes pressões econômicas e políticas. Deputados contrários à nova lei fizeram insistentes pedidos de mudança no texto original, especialmente nos trechos sobre neutralidade da rede e a responsabilidade dos provedores quanto a conteúdos ilícitos – como aqueles que ofendem a honra. Apesar da pressão, o Marco Civil foi aprovado sem alterações. Seus principais pontos são:

Neutralidade da rede Exige que os provedores ofereçam a mesma conexão para todos os clientes, proibindo a venda por demanda, ou seja, planos que restrinjam o conteúdo, por exemplo, a apenas redes sociais e e-mail. Além disso, a interrupção do serviço só pode ser efetuada mediante o não pagamento das faturas.

Retirada de conteúdo Provedores e aplicativos não serão responsabilizados pelas publicações de seus clientes. As empresas só serão obrigadas a bloquear ou apagar um conteúdo por decisão judicial. Mas há uma exceção: em casos de revenge porn – pornografia de vingança, quando vídeos ou fotos íntimas são colocados na rede – a pessoa ofendida pode solicitar a exclusão diretamente ao provedor.

Privacidade Dados pessoais e registros eletrônicos só podem ser violados com ordem judicial. Isso vale para órgãos do Estado – como a polícia e o Ministério Público – e também para empresas, que estão autorizadas, no entanto, a armazená-los por até seis meses. Os registros e os dados pessoais só podem ser usados comercialmente com autorização do usuário. A cooperação de empresas de internet com órgãos de informação estrangeiros também foi proibida.


O DESAFIO DA INCLUSÃO DIGITAL

Por promover a liberdade de expressão e o acesso a direitos civis como a cultura e a educação, a Organização das Nações Unidas (ONU) considera que a internet é um direito fundamental do ser humano.

No Brasil, a universalização do acesso à internet enfrenta muitos desafios, que refletem as grandes disparidades regionais e socioeconômicas do país. Segundo o Comitê Gestor da Internet no Brasil, em 2014 havia 94,2 milhões de usuários no país, o que corresponde a 55% da população com 10 anos ou mais de idade – em 2008 esse percentual era de apenas 34%. O acesso, contudo, ainda é muito desigual. Enquanto a Região Sudeste tem 63% de usuários, o Nordeste possui apenas 43%. Por sua vez, 98% da população da classe A acessam a rede, ao passo que no extrato D/E há somente 21% de usuários.

Em termos mundiais, a inclusão digital vem aumentando de forma expressiva. Em 2014, 43,4% da população global tinha acesso à internet, índice que correspondia a apenas 15,8% em 2005. A maior parte dos excluídos digitais está na África (79,3% sem conexão) – em países como Burundi e Eritreia, o acesso não chega a 2% da população.


 

NAÇÕES DIGITAIS  No primeiro gráfico, note como o percentual de usuários está diretamente ligado às condições socioeconômicas – na classe D/E a exclusão digital atinge 79% da população. Já no segundo gráfico, veja como o percentual de usuários no país ainda está abaixo de outros países sul-americanos, como Argentina e Chile, e muito aquém de nações desenvolvidas como Alemanha, Estados Unidos e Noruega.

 

ACESSIBILIDADE  Refugiados usam a internet em Budapeste, Hungria: o acesso à rede é considerado um direito fundamental


Proposta da CPI dos crimes cibernéticos retira garantias legais de direito à privacidade


CPI dos crimes cibernéticos

O discurso em prol do aumento da vigilância na internet – para investigar e punir crimes comuns e prever atentados terroristas – ganharam fôlego com a apresentação do relatório final da CPI dos crimes cibernéticos, em maio.

Instaurada em julho de 2015, a CPI dos crimes cibernéticos teve como objetivo avaliar o impacto dos delitos cometidos na internet sobre a economia nacional e trazer propostas de lei capazes de atualizar a legislação brasileira. Em seu relatório final, a CPI apresenta 19 propostas de lei, que ainda precisam ser analisadas pelo plenário da Câmara dos Deputados.

Entre as principais propostas sugeridas pelos relatores está a autorização para que a polícia, ou o Ministério Público, acessem endereços de IP (o código que identifica um computador conectado à rede) sem a necessidade de mandado judicial. A proposta visa a facilitar o trabalho de identificação de suspeitos e a acelerar a prisão de criminosos. Por outro lado, implica na alteração de um dos pontos mais importantes do Marco Civil: a garantia ao sigilo de informações pessoais. A medida aumenta o poder de vigilância do Estado e ameaça algumas garantias legais, como o direito à privacidade.

O relatório final propõe também que provedores – como Oi, Tim, NET e Vivo – sejam obrigados a remover conteúdos que “ofendam a honra”, novamente sem a necessidade de decisão judicial, o que coloca a proposta, mais uma vez, em rota de colisão com o Marco Civil. Segundo o texto, basta uma notificação feita por algum interessado para que o conteúdo seja apagado. A agilidade na remoção reduziria os danos à imagem de quem foi ofendido, mas implicaria delegar a uma empresa privada a responsabilidade de identificar conteúdos impróprios e o poder de restringir e censurar informações. Por isso, a medida tem sido acusada de promover a “terceirização da censura”.

A proposta prevê ainda punições para empresas que se neguem a tirar os conteúdos do ar, incluindo a suspensão do serviço. A medida daria respaldo jurídico e avolumaria os casos de bloqueios temporários, como os do WhatsApp. A repercussão negativa, contudo, fez com que os relatores modificassem de última hora os termos, e excluíssem os serviços de troca instantânea de mensagens da lista dos passíveis de bloqueio judicial.

O relatório sugere também mudanças na Lei 12.737, mais conhecida como Lei Carolina Dieckmann, que prevê as punições para casos de invasão de computadores com a finalidade de roubar dados particulares. O relatório propõe transformar em crime o acesso não autorizado a qualquer aparelho eletrônico ou sistema informatizado, sob pena de até dois anos de prisão.

Por afrontar o Marco Civil e propor a ampliação do poder de vigilância do Estado sobre os cidadãos, retirando a proteção e o direito ao anonimato, o relatório final da CPI está sendo alvo de fortes críticas por parte da sociedade civil, advogados, movimentos sociais e entidades, como o Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio de Janeiro, que acusa a CPI de criar um sofisticado sistema de controle e censura.

 

O debate no mundo

O debate acerca da privacidade de dados não se restringe ao Brasil. Bangladesh e China também já bloquearam temporariamente aplicativos de troca de mensagem. Chamadas de voz feitas por esses aplicativos também estão ameaçadas de banimento em países como Marrocos, Arábia Saudita, Paraguai, Síria, Irã e Paquistão. Entre os principais argumentos para as restrições está a ameaça à segurança nacional. Como no Brasil, as empresas de tecnologia como a Apple, Google e Facebook se negam a fornecer dados privados de seus usuários – sejam eles suspeitos de crimes ou não – e são punidas pela Justiça com o bloqueio de seus serviços. O então primeiro-ministro britânico, David Cameron, ameaçou banir o WhatsApp por encriptar as mensagens, o que dificultaria o trabalho das agências de segurança no combate ao terrorismo.

Ao mesmo tempo, a Apple e o governo dos Estados Unidos travam uma batalha judicial que já dura mais de dois anos. O FBI exige que a empresa desative a segurança de dados de um dos autores do atentado de São Bernardino, que matou 14 pessoas em dezembro de 2015. A Apple alega que isso abriria um precedente preocupante, que poderia ser rapidamente usado para restringir liberdades civis, perseguir cidadãos e dissidentes. Facebook, Google e WhatsApp anunciaram que irão refinar e expandir seus sistemas de criptografia e que continuarão a negar acesso às informações de seus usuários a governos e agências de segurança.

Além de o banco de dados ser estratégico para as empresas por permitir rastrear os hábitos de navegação dos usuários, há outras razões para tentar manter sigilo sobre essas informações. As companhias desejam passar a mensagem de que não são coniventes com a espionagem de ci-dadãos, o que poderia abalar a confiança de seus usuários em disponibilizar ou atualizar seus dados. O argumento em prol da segurança nacional e contra o terrorismo enfraqueceu-se desde que o ex-técnico da Agência Nacional de Inteligência (CIA) e ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional (NSA), Edward Snowden, vazou documentos que revelam que a espionagem é uma prática sistemática do governo dos EUA. A NSA monitorava autoridades internacionais – como as presidentes do Brasil e Alemanha, Dilma Roussef e Angela Merkel –, conselheiros de grandes empresas e até cidadãos comuns de diversos países.

Muitos governos, no entanto, têm seguido o comportamento norte-americano e usado a premissa da segurança nacional para bloquear, restringir e espionar serviços de internet. Diante desse cenário, o debate que opõe segurança nacional e privacidade – ambos essenciais em uma sociedade democrática – deve se estender à medida que a internet se torna mais presente na vida das pessoas.

 


LIMITE DE USO DA INTERNET EM DEBATE

As operadoras de internet fixa têm modificado gradualmente os termos de seus novos contratos, a fim de limitar o uso da rede durante o mês, o que despertou um debate em torno da legalidade dessa prática. Ela prevê que a velocidade da conexão seja reduzida, ou o serviço interrompido, ao se atingir o limite de dados contratados.

As operadoras que gerenciam o setor no Brasil afirmam que o modelo ilimitado, em vigor hoje, é economicamente insustentável a longo prazo e que o limite de dados pode baratear o serviço para usuários leves, ou seja, aqueles que usam pouco a rede e não costumam acessar serviços de streaming, como a Netflix e o YouTube.

Entidades de defesa do consumidor e movimentos sociais, por outro lado, afirmam que a mudança visa a aumentar os lucros das empresas, que encarecerá o serviço para a maioria dos consumidores e gerará um corte social no acesso à rede: os mais pobres ficarão excluídos de serviços que necessitem de alto consumo de dados, como streaming de música e vídeo, além de ter seu acesso à informação e aos serviços públicos on-line prejudicados. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) proibiu por tempo indeterminado a prática e afirmou que está avaliando o caso.


 

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(sc/iStock)

 

 

 

 

Internet

LIBERDADE E SEGURANÇA    Estados e empresas travam longas batalhas judiciais em torno da privacidade e da segurança de dados pessoais dos usuários. Polícias e agências de segurança querem ter acesso a essas informações, e usam como argumento a segurança nacional e a prisão de criminosos. As empresas não querem colocar em risco a confiança dos usuários em seus bancos de dados, importante fonte de receita, e se negam a colaborar com a Justiça. No Brasil, o Marco Civil da Internet assinalou avanços importantes no sentido de garantir a privacidade na rede.

CPI DOS CRIMES CIBERNÉTICOSInstaurada para apurar delitos cometidos na rede e propor atualizações à legislação brasileira, a CPI apresentou um relatório final favorável a mudanças nos principais pontos do Marco Civil da Internet. Por exemplo, quer responsabilizar provedores por conteúdos ofensivos publicados por terceiros e permitir que a polícia acesse dados pessoais, como o IP, sem mandado judicial.

SITUAÇÃO MUNDIAL    Embates legais sobre o direito à privacidade e a segurança de dados acontecem ao redor do globo. O ex-primeiro-ministro britânico David Cameron ameaçou banir o WhatsApp do Reino Unido por encriptar mensagens. Nos EUA, FBI e Apple travam uma batalha judicial desde 2015 – a agência norte-americana quer ter acesso a dados pessoais do autor do atentado de São Bernardino. Para a Apple, a liberação dos dados abriria precedente para restrição de direitos civis, como o direito à privacidade.

INCLUSÃO DIGITAL   No Brasil, há 94,2 milhões de usuários de internet no país, o que corresponde a 55% da população com 10 anos ou mais de idade – em 2008 esse percentual era de apenas 34%. O acesso, contudo, ainda é muito desigual, refletindo as disparidades regionais e socioeconômicas no país. Em termos mundiais, a inclusão digital vem aumentando de forma expressiva.

 

Internet: Privacidade e segurança na era digital
Enem
Internet: Privacidade e segurança na era digital
Em maio de 2016, milhões de brasileiros que acessam a internet pelo celular tiveram uma surpresa desagradável. Quem tentou usar o WhatsApp para trocar mensagens foi obrigado a recorrer a outra forma de comunicação. Isso porque a Justiça do Sergipe mandou as maiores operadoras de telefonia do Brasil bloquear o acesso ao aplicativo em todo […]

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