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Economia: Compartilhar no lugar de comprar

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BUSCA ONLINE. Mulher visita sites colaborativos de aluguel de acomodações, em Barcelona, na Espanha

COMPARTILHAR NO LUGAR DE COMPRAR

Propiciada pelo desenvolvimento tecnológico, a economia colaborativa revoluciona a forma como consumimos, afetando setores tradicionais e as relações de trabalho

Por Giovana Moraes Suzin

Nos últimos tempos, plataformas e aplicativos colaborativos, como o Airbnb e o Uber, popularizaram-se entre os brasileiros – o Uber conecta motoristas a passageiros, e pelo Airbnb proprietários alugam seus espaços ociosos para quaisquer interessados. Mais baratos do que os modelos tradicionais de transporte e hospedagem, as duas empresas de tecnologia prestam serviços online por meio desses aplicativos e fazem parte da chamada economia compartilhada.

O conceito começou a ganhar força na virada do século XXI, com a possibilidade de novas configurações sociais e de relacionamentos em rede proporcionados pela internet, com a crescente preocupação com o meio ambiente e a valorização de hábitos mais sustentáveis. As recentes crises econômicas de impacto global fizeram com que a economia compartilhada ganhasse mais força e mercados.

Também chamada de economia colaborativa, ela inclui a criação, a produção, a distribuição e o consumo compartilhado de produtos e serviços por diferentes indivíduos e organizações. A base desse novo modelo se dá por meio de novas formas de organização do trabalho (mais horizontais que as anteriores, que eram hierarquizadas) e da interação das pessoas em comunidades virtuais. Ela se apresenta também como resultado da busca pela solução de problemas como a escassez de recursos frente ao crescente consumo em todo o planeta. Nesse modelo, tem-se acesso a uma maior gama de produtos sem que haja a necessidade de aumentar a produção: eles são compartilhados, reutilizados e pertencem a uma coletividade e não apenas a um indivíduo. Assim, compartilhar, emprestar, alugar e trocar substituem o verbo comprar nessa nova forma de comércio. Essa modalidade de economia é oposta aos valores da sociedade de consumo do século XX, voltada à acumulação de bens.

Foi em meio à crise mundial iniciada em 2008 que tanto o mercado quanto uma parcela da população vislumbraram um limite para esse modo de vida e declararam que o hiperconsumismo em vigência nas nações desenvolvidas não era mais sustentável. Com vários países endividados e o desemprego crescendo, continuar estimulando e endossando o sistema baseado em compras desenfreadas não fazia mais sentido. Ocorreu, então, uma associação entre mudança de hábitos de consumo (comportamental) e mudanças provocadas pela inovação tecnológica.

O que é meu é seu

A partir dos anos 2000, o desenvolvimento das tecnologias da informação, junto ao crescimento das redes sociais, proporcionou o surgimento de plataformas online que possibilitaram o compartilhamento de informações. Primeiro, foram criados os software livres, depois veio a Wikipedia e outros sites de compartilhamento de conhecimento, chegando, ao longo da última década, no compartilhamento de bens e serviços.

O termo economia compartilhada ou colaborativa descreve, acima de tudo, um tipo de consumo ligado mais ao acesso do que à posse – a noção de posse perde sentido perante a oportunidade de acesso e ao valor da experiência em si. Em um ambiente em constante mudança, onde informações e produtos se tornam obsoletos cada vez mais rápido, possuir algo não se mostra mais tão vantajoso – basta lembrar do sucesso da Netflix, serviço de assinatura online que permite ter acesso remoto a filmes, séries de TV e documentários.

Outra característica do consumo colaborativo é que a estrutura de oferta e demanda não é tão rígida e limitada como na compra tradicional: não há moeda fixa de troca nem posse única ou total de um objeto. Ocorre uma interação entre partes interessadas em ter acesso ao que o outro oferece: não há mais separação entre vendedor e comprador, mas uma relação mútua de escambo entre as partes. Toda essa configuração se mostra compatível com as relações que estabelecemos na internet, em que todos podem ser receptores e emissores de conteúdo ao mesmo tempo.

Na economia compartilhada, tem mais sucesso quem é mais confiável. Gerar empatia é fundamental para o sistema de avaliações, motor desse modelo de transação. Comentários e estrelas nos sites e aplicativos indicam se um fornecedor ou usuário é recomendável para fazer negócio, criando uma reputação no ambiente virtual – quanto melhor a avaliação, maiores as chances de fechar novos negócios.

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BOCA NO TROMBONE. Taxistas protestam contra liminar que autorizou o uso do aplicativo Uber, no Rio de Janeiro (RJ), em abril de 2016

O aluguel de diferentes tipos de bens e serviços já proporcionou oportunidades de negócios milionárias


Negócios lucrativos

O modelo colaborativo funciona onde existe um tipo de ociosidade temporária, como um carro, um quarto vago ou alguém com uma habilidade específica e algum tempo livre. Todos são potenciais participantes. Desde pessoas que emprestam a furadeira para vizinhos de forma convencional (tocando a campainha) como as que usam a internet para o mesmo fim – o site brasileiro Tem Açúcar, por exemplo, propõe exatamente isso. Alteramos, assim, o sentido de comunidade, que, com a possibilidade tecnológica, deixa de ser restrita para não ter mais fronteiras.

A princípio, pode parecer que o consumo colaborativo acarreta uma desvalorização do dinheiro, mas isso não necessariamente ocorre. O aluguel de diferentes tipos de bens e serviços já se constitui em oportunidades de negócios milionárias, principalmente no mercado norte-americano. Sites de aluguel de produtos e serviços são negócios lucrativos, que movimentam a economia tal como as práticas tradicionais de comércio. Um exemplo é o próprio Uber, fundado em 2009, na Califórnia, nos Estados Unidos, e presente em mais de 70 países. A empresa norte-americana que desenvolveu o aplicativo – que apresenta motoristas a usuários que desejam fazer um determinado trajeto de carro e fica com 20% a 25% do valor cobrado ao final da corrida – recebeu investimentos na ordem de 9 bilhões de dólares e já vale mais de 60 bilhões de dólares. Já na plataforma Airbnb, onde é possível alugar um quarto, uma casa ou mesmo um castelo, é cobrada uma taxa de serviço dos hóspedes ao fazer uma reserva, que costuma variar entre 6% e 12% do preço do aluguel. A empresa, também californiana, é avaliada em 25,5 bilhões de dólares.

O outro lado da moeda

Um dos problemas enfrentados por esse tipo de economia do compartilhamento é a falta de leis que regem essas novas transações. A economia compartilhada pode trazer os riscos inerentes à não regulação de uma atividade. Um hotel, por exemplo, é fiscalizado pelo Corpo de Bombeiros quanto a rotas de fuga, presença de extintores de incêndio e segurança dos hóspedes. Já particulares que estão alugando um apartamento não estão sujeitos à mesma regulação e proteção de órgãos públicos. Para táxis, é a mesma coisa. Os carros licenciados são sujeitos a inspeções periódicas e os motoristas passam por treinamentos. Nas viagens de Uber, não há a mesma garantia. Algumas empresas alegam que as próprias plataformas online diluem esses riscos, com a possibilidade de os usuários de um aplicativo avaliarem negativamente um mau motorista e, assim, avisar outras pessoas, o que leva à melhora do serviço.

Com pouca ou nenhuma regulamentação, as empresas ligadas à economia compartilhada acabam pagando menos impostos às autoridades. Isso permite também que tenham preços mais competitivos, desafando as empresas tradicionais. Algumas empresas ou setores que tiveram seus negócios impactados pela concorrência da economia compartilhada se declaram contra o novo modelo. Foi o que aconteceu em relação ao uso do Uber em São Paulo e em outras cidades do mundo. Taxistas e empresas de táxis foram contrários à empresa e aos novos motoristas, alegando concorrência desleal. Em muitos locais, a classe chegou a realizar manifestações e até a agredir motoristas de Uber. Em São Paulo, a prefeitura acabou promulgando um decreto que autoriza aplicativos como Uber. As empresas são obrigadas a pagar concessão por quilômetro rodado com passageiro, que custa, em média, 10 centavos. Mas há cidades que ainda não regularizaram o serviço e não há legalidade no sistema.

No caso do Airbnb, a empresa afirma ter pago 110 milhões de dólares em impostos desde 2014, em cidades que já regularam o serviço, como Chicago, Londres, Paris, Amsterdã, Milão e Lisboa. No Brasil, não há esse imposto, mas o governo estuda uma possível tributação, mais simples e diferente daquela que já é aplicada à indústria hoteleira.

Compartilhado, mas nem tanto

Alguns críticos do novo modelo têm sido enfáticos ao dizer que a economia compartilhada com cobrança de uso nada mais é do que outra forma de comercialização de bens e serviços inserida dentro de uma mesma lógica capitalista. O que a internet possibilitaria seria apenas o aluguel ou a venda de bens e serviços em microescala. E sob o ângulo da classe trabalhadora também sobram críticas quanto à precarização das condições de trabalho. Com a falta de regulamentação, os motoristas não têm garantias quanto à jornada de trabalho (pagamento de horas extras e férias, por exemplo) e no caso de adoecerem. Também assumem sozinhos as despesas com toda a manutenção dos carros, seguro e combustível.

Esses fatores explicam por que há um crescente movimento para que os motoristas deixem de ser autônomos e virem assalariados. Em outubro de 2016, uma corte trabalhista britânica decidiu que motoristas do Uber são funcionários da empresa de caronas pagas, e não apenas prestadores autônomos de serviços. Isso significa que os donos do aplicativo deveriam arcar com direitos trabalhistas. No Brasil, também correm ações na Justiça contra o Uber. Em uma delas, em fevereiro de 2017, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais reconheceu vínculo empregatício entre um motorista de Belo Horizonte e o aplicativo (veja mais no quadro Saiu na Imprensa).

Os críticos também sustentam que o modelo contribui para o aumento de subempregados cada vez mais dependentes da empresa, enquanto os lucros dos investidores crescem em níveis exorbitantes. Questionam a não distribuição do lucro de maneira mais equiparável, uma vez que os motoristas são donos de quase todo o capital operacional (os seus carros). Segundo eles, somente assim se poderia dizer que o aplicativo fomenta uma verdadeira economia compartilhada. A empresa, por sua vez, afirma que não há vínculo trabalhista por se tratar de uma empresa de tecnologia, que os motoristas têm liberdade para fazer seus próprios horários e aceitar ou não cada viagem e também que não há relação de exclusividade, pois eles podem trabalhar para outras companhias.

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 Economia compartilhada

CONCEITO O termo economia compartilhada ou colaborativa diz respeito à criação, à produção, à distribuição e ao consumo compartilhado de produtos e serviços. Esse novo modelo de consumo valoriza atitudes mais sustentáveis e está ligado mais ao acesso a um serviço do que à posse do produto. São exemplos o aplicativo Uber, que conecta motoristas e passageiros, e a plataforma Airbnb, de aluguel de hospedagens.

PAPEL DA TECNOLOGIA A economia de compartilhamento é potencializada essencialmente por aplicativos da internet que possibilitam uma maior interação entre as pessoas. A partir dos anos 2000, o desenvolvimento das tecnologias da informação, junto ao crescimento das redes sociais, proporcionou o surgimento de plataformas online que possibilitaram o compartilhamento de informações e, posteriormente, de bens e serviços.

MODELO DE NEGÓCIO A princípio, pode parecer que o consumo colaborativo acarreta uma desvalorização do dinheiro, mas isso não é necessariamente verdade. O aluguel de diferentes tipos de bens e serviços já se constitui em oportunidades de negócios milionárias. Alguns desses sites são negócios lucrativos, que movimentam a economia tal como as práticas tradicionais de comércio. No entanto, não há distribuição dos lucros de maneira mais equiparável, e no caso dos aplicativos de transporte, por exemplo, os motoristas arcam com todo o custo operacional.

CRÍTICAS Questionamentos legais sobre a essência do funcionamento de empresas como Uber ou Airbnb estão se tornando mais frequentes. Com pouca ou nenhuma regulamentação, as empresas ligadas à economia compartilhada pagam menos impostos. Com isso, seus preços ficam mais competitivos em comparação com as empresas tradicionais, que as acusam de concorrência desleal. Sob o ponto de vista dos prestadores de serviço, eles também não contam com garantias legais, devido à ausência de vínculo empregatício, e ocorre a precarização das condições de trabalho.

 

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