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“Sagarana” – Análise da obra de Guimarães Rosa

Primeira obra de Guimarães Rosa a sair em livro, traz nove contos

Por Redação do Guia do Estudante
Atualizado em 9 ago 2019, 17h10 - Publicado em 17 set 2012, 01h06
Capa de Sagarana
(Reprodução/Divulgação)

Primeira obra de Guimarães Rosa a sair em livro, traz nove contos, nos quais o universo do sertão, com seus vaqueiros e jagunços, surge no estilo marcante que o escritor iria aprofundar em textos posteriores.

– Podcast Marca Texto – “Sagarana”

– Leia o resumo de Sagarana

Nem mocinhos, nem bandidos
O livro de estreia de João Guimarães Rosa foi publicado em sua versão final em 1946. Os contos começaram a ser escritos em 1937, e até o lançamento definitivo, a obra foi reduzida de 500 para 300 páginas, composta de nove contos / novelas. Nesse processo, o autor filtrou o que havia de melhor no texto, utilizando em seu peculiar processo de invenção de palavras o hibridismo – que consiste na formação de palavras pela junção de radicais de línguas diferentes. O título do livro é composto dessa forma. “Saga”, termo de origem germânica, quer dizer “canto heróico” e é utilizado para definir narrativas históricas ou lendárias; “rana”, termo de origem indígena, significa “espécie de” ou “semelhante a”.

Entre os contos que escreve em “Sagarana”, merece destaque especial “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”. Tido pela crítica como um dos mais importantes contos de nossa literatura, condensa os vários temas presentes no livro: o sertão, o povo, a jagunçagem, a religiosidade e o amor.

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Por meio de vários elementos simbólicos, “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” trata de um tema muito presente na obra de Guimarães Rosa: o maniqueísmo, ou seja, a visão dualista de mundo que o separa em dois polos opostos: o bem e o mal. Na literatura, essa visão tende a criar tipos opostos de personagens: o mocinho e o bandido; a virgem casta e pura e a prostituta devassa; o trabalhador pai de família e o bandido; e assim por diante. Nesse conto, a transformação por que passa Augusto Matraga entre o começo e o fim da história não permite seu enquadramento em um polo único.

No início do conto, Nhô Augusto é uma figura típica do universo sertanejo: um coronel que dá ordens em todos na região, abusando de seu poder e humilhando a população. Nesse ponto da narrativa, o narrador dá ao nome completo de Nhô Augusto um significado interessante. Augusto pode ser lido como um adjetivo, que significa majestoso, imponente. Basta lembrar que era o título dado aos imperadores romanos. Estêves, por outro lado, pode ser entendido como a conjugação do verbo “estar” no passado. Assim, o narrador anuncia desde o começo, pelo nome do personagem, que sua condição de soberano no sertão está fadada ao insucesso. O nome Matraga, uma espécie de apelido de Nhô Augusto, tem claramente uma conotação pejorativa (má + traga, de tragar ou do verbo trazer).

Uma análise do nome Joãozinho Bem-Bem é ainda mais reveladora. Joãzinho, um nome comum, e no diminutivo, parece indicar um lado afetivo, quase infantil, do personagem que é um jagunço. O advérbio Bem confirma o caráter inofensivo do primeiro nome, e sua repetição (Bem-Bem) gera uma sonoridade cara ao povo sertanejo e cristão. Esse efeito é a onomatopéia do badalo do sino de uma igreja. Tantas referências cristãs e benévolas que o nome Joãzinho Bem-Bem sugere, no entanto, parecem absolutamente opostas ao caráter do personagem.

Na narrativa, diferentemente de Nhô Augusto, não se sabe nada sobre a vida de Joãozinho Bem-Bem antes que ele se encontre com o protagonista. Porém, é possível supor que o nome e, sobretudo, o apelido revelem algo da origem do personagem. Assim, pode-se interpretar que os primeiros anos do jagunço foram marcados por uma bondade intensa, da mesma intensidade que seu nome sugere.

A maldade de Joãozinho Bem-Bem foi incorporada no decorrer de sua vida. Outro dado que comprova essa análise é o fato de ele “não ter fraco por mulheres”. Um homem que não aprecia a companhia feminina na cultura sertaneja não goza de grande prestígio social. Apenas um tipo de homem no sertão tem o direito de não cobiçar as mulheres sem ser tratado como efeminado: um padre. Assim como Nhô Augusto nasce mau e se torna bom, Seu Joãozinho Bem-Bem parece tornar-se mau depois de ter sido bom.

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Essa transformação radical dos personagens tem fim com a chegada da “hora e vez” de Matraga, o confronto final com Joãozinho Bem- Bem. Nesse duelo fatal, os conceitos de bem e mal caem por terra, pois o “bom” Augusto Estêves e o “mau” Joãozinho Bem-Bem envolvem-se em uma ação que supera o maniqueísmo: o primeiro faz o bem à família cometendo assassinato, enquanto o segundo, ao assassinar o protagonista, dá-lhe sua redenção.

Comentário do professor
O prof. Marcílio Gomes Júnior, da Oficina do Estudante, comenta inicialmente o título da obra, “Sagarana”. Com ele, Guimarães Rosa antecipa que irá criar histórias que são quase lendas, quase míticas, mobilizando diferentes mitos que serão aplicados ao sertão de Minas Gerais. Compreende-se a partir daí também o universo mítico que terão as narrativas de “Sagarana”.

As narrativas do livro são pequenas obras-primas sobre a vida e costumes de personagens insólitas do sertão de Minas. O prof. Marcílio acha importante frisar que essas não são personagens comuns, urbanas, mas sim personagens que protagonizam experiências que transcendem o senso comum. Por essa razão, abrem-se portas para o universo mítico/metafísico, tema recorrente na obra do autor.

Sendo o que se pode chamar de um “escritor filosófico”, Guimarães irá fazer no plano temático dessas narrativas uma investigação da relação do homem com o mundo a seu redor, trabalhando os “temas universais”, tais como bem e mal, vida e morte, a efemeridade e outros. Por conta dessa investigação é que o livro tem uma simbologia muito forte, simbologia esta carregada de mitologias, símbolos e mitos de culturas ancestrais, o que exige do leitor, conforme lembra o prof. Marcílio, uma cultura vasta. Além disso, a forma com que Guimarães trabalha estes temas universais em suas histórias garante que, embora se passem no sertão e tenham características locais/regionais, elas ganhem sentido universal, sendo o que se costuma chamar em literatura de “regionalismo universalizante”.

Além de exigir um horizonte cultural abrangente, o professor lembra outro aspecto que dificulta a leitura de Guimarães: o próprio aspecto formal, estilístico e linguístico do texto. As narrativas do autor tendem a estar carregadas de neologismos e brincadeiras linguísticas com palavras de idiomas diversos, além de nomes de lugares, personagens, da flora e fauna local, que não são familiares ao leitor. Porém, é através dessa rica linguagem empregada por Guimarães, que ele irá reinventar miticamente as formas diversas de uma natureza por si só já exuberante do sertão de Minas Gerais.

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Por fim, pensando na prova do vestibular, o prof. Marcílio acha interessante eleger algumas linhas de sustentação da obra, que são: a linguagem e os neologismos empregados pelo autor; o tratamento filosófico existencialista das narrativas no embate “homem versus universo”; o aspecto lúdico e mítico das histórias, onde Guimarães descobre diante dos olhos do leitor uma Minas Gerais que “não existe”, mas que é reconstruída de uma forma mágica e diferente daquilo que a gente vê.

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