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Repórter do Guia do Estudante refaz o Enem 6 anos depois

Com o objetivo de conseguir uma vaga no Fies, repórter encara o desafio de resolver o maior vestibular do país

Por por Camila Paier
Atualizado em 16 Maio 2017, 13h51 - Publicado em 26 out 2015, 17h55

 

Era 2009. Eu estava no último ano do Ensino Médio, ansiosa para os vestibulares que se aproximavam e louca para que acabassem as aulas de Química, Física e Matemática – matérias que nunca foram minhas grandes amigas. Porto Alegre (capital do Rio Grande do Sul) ainda era minha casa e, naquele ano, o Enem havia ganhado protagonismo entre os processos seletivos: com uma boa nota, talvez conseguisse uma vaga em uma universidade pública.

Para não me atrasar, lembro que sai horas antes da prova de casa. Faria a prova num complexo educacional muito longe. Apesar de ter saído de casa cedo, cheguei em cima do laço no meu local de prova e um dos professores do meu cursinho me levou – praticamente correndo – até meu prédio e sala para que eu realizasse o exame tranquila.

Passados seis anos do dia que fiz o Enem pela primeira vez, lá fui eu de novo fazer a prova. Posso dizer que aprendi a administrar melhor meu tempo, mas o medo das matérias de exatas ainda é uma marca própria.

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O dia anterior
Sexta-feira pré-Enem. Trabalhando em um site em que o assunto é educação – e o enfoque vestibular – não poderia ser um dia tranquilo, certo? Aqui na redação, ficamos atentas às possíveis novidades soltadas pelo MEC ou o pelo Inep, programei postagens nas redes sociais para o final de semana, fiz uma notinha e alguns cards para o Instagram. Apresentei o último hangout antes da prova, às 19h. E, para desestressar, jantei na casa de amigos às 20h30.

Confesso que cuidei para que a alimentação fosse o mais leve possível – uma das dicas que demos aqui no Guia do Estudante, inclusive – e evitei excessos: uma pizza vegarella de alho-poró, uma tortinha de limão também vegana, água, muita água mineral. Por mais animada que estivesse a conversa, me despedi cedo. Sem sono, assisti um filme antes de dormir e por volta da 1h da manhã já estava entregue à Morfeu, o deus do sono segundo a mitologia grega.

A manhã da prova
Despertei às 9h. Porém, fui levemente dominada pelo combo frio + cobertor. Consegui pular da cama só às 10h. Tomei um banho rápido, sequei os cabelos e fui direto para o supermercado. Morar longe dos pais tem dessas coisas, é preciso se virar quando o assunto é geladeira cheia (e a minha, nesse caso e semana, estava de dar pena). Aproveitei e pensei em lanches rápidos de serem degustados na hora da prova, assim como simples de se carregar até o local. Conversei com amigas, falei com minha mãe pelo telefone, fiz um almoço leve e rápido. Logo depois, separei os documentos necessários, duas canetas pretas, uma garrafinha de água. Prendi os cabelos, afinal, tenho mania de jogá-los de um lado a outro de hora em hora e escovei os dentes. Revi o percurso. Com a confiança de uma iniciante, me fui.

O caminho, a chegada
Dei uma das maiores sortes este ano: meu local de prova era a cerca de 10 minutos a pé de onde moro. Mesmo assim, saí de casa com uma hora de antecedência. Imaginei o tumulto que se formaria na entrada, a dificuldade para achar a sala, a tranquilidade de já estar sentada e em paz uns bons minutos antes das 13h, horário em que os portões se fechariam em 2015. Tranquila, passei em frente ao Cemitério do bairro junto com muitos outros jovens que realizariam o exame por ali. Ao chegar no Mackenzie – meu local de prova -, avistei muitos familiares em companhia dos candidatos, uma galera sem o cartão de confirmação, completamente perdida, e gente ouvindo música como quem se concentra para lutar pelo cinturão dos sabichões do ano. Todos ainda fora dos prédios. Ganhei outras duas canetas pretas transparentes de uns rapazes na entrada da universidade, assim como um abanador para espantar o calor, a ansiedade, o nervosismo. Sem rostos conhecidos, me encaminhei para o prédio 45, andar 5 e sala 117.

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Alguns percalços
Consegui me dirigir até os elevadores com alguma rapidez. Entulhado de pessoas, ele foi parando de andar em andar, até chegar no penúltimo, onde eu deveria descer. Três garotas estavam em fila, em frente à minha sala de prova, aguardando a fiscal conferir seus nomes e documentos. Receosa, o único fator que me deixava ansiosa era justamente este: fui furtada há dois meses e, por conta da greve dos Correios, minha certidão de nascimento demorou horrores para chegar até São Paulo. Ou seja, eu estava sem RG. Na leva, minha carteira de trabalho também se foi. Li no edital do exame que existia a possibilidade de fazer o Enem com boletim de ocorrência de, no máximo, três meses atrás. Levei junto a certidão e carteirinha da faculdade, afinal, alguma foto talvez fosse necessária para provar que eu era a dona de tais papeis.

Chegou minha vez e a fiscal pediu que eu aguardasse um dos fiscais oficiais, que costumam perambular pelos corredores, vestidos de preto. Pensamentos como "já era, não vai rolar a prova" ou "é agora que eu perco a chance de ver o Enem mais de pertinho" atravessaram minha cabeça, antes tranquila. Um rapaz apareceu e pediu que eu o acompanhasse. Descemos juntos até o primeiro piso, numa sala onde ficam os organizadores. Lá, registrei meu boletim de ocorrência e os ouvi falando sobre estudantes que reclamavam com cartões de inscrição em mãos por não terem seus nomes nas salas indicadas e afins. Muitos deles nem ao menos tinham visto sua Página do Participante, no site do próprio Enem. Outros, perdidos, ameaçavam futuros processos e saíam esbaforidos do prédio. Eu, finalmente, pude subir e sentar para esperar que minha prova fosse entregue.

Camilas e mais Camilas
Há algo de muito estranho em estar presa por horas dentro de uma sala de aula lotada com pessoas com nomes iguais ao seu. Meu sentimento junto a todas aquelas Camilas era de estranheza: havia meninas muito mais novas, poucas mais velhas, de diversas etnias e vestidas dos mais diferentes estilos. No fundo, torcia para que todas fossem tão legais quanto eu e evitassem abrir salgadinhos barulhentos, marmitas fedidas ou espirrassem de cinco em cinco minutos. Eu estava um pouco errada. Apesar de escolher a carteira delicadamente, tive o azar de uma das minhas charás adorar Cheetos e suco de caixinha. Na diagonal, alguma Cami, Cá ou Mila gripou-se uns dias antes do vestibular e assoava o nariz com uma frequência de dar dó, não fosse tão alto o barulho. Em certo momento, resolvi desencanar dos sons alheios e me focar na leitura das noventa questões e seus enunciados compridos.

A prova
Simpáticas, as ficais mostraram o lote lacrado de provas ao abrir, entregaram ,organizadamente, as cores de cada caderno para que a aleatoriedade reinasse. Deixaram avisos e horários no quadro negro para que todas evitássemos perguntas toscas. Sem relógio, minha sala ganhou alguns adesivos na parede, que iam do 4h30 até o 15 minutos, para que soubéssemos quanto tempo faltava para acabar o exame. A cada meia hora, retiravam um desses adesivos.

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Às 13h30, pontualmente, foi dada a largada para que pudéssemos abrir as diversas páginas do Enem e resolver as questões. Ganhei a prova cor-de-rosa e logo identifiquei que a primeira prova era Ciências Humanas, uma das que me favorece. Comecei com o método que costumo utilizar em qualquer avaliação: leio com atenção, faço asteriscos em duas alternativas que me parecem encaixar na pergunta, vou para a próxima. Assim fui, até que 1h30 depois havia terminado as primeiras 45 questões. Fiquei feliz em ver que caiu Simone de Beauvoir, ditadura militar, Ziraldo, bandeirismo, escravidão no Brasil e no mundo, globalização, colonialismo e muita Idade Medieval.

Passadas pelas questões de humanas, era a temida hora de encarar a prova de física, química e biologia, as matérias que eram meus pesadelos do colegial. Não tive tempo para estudar e me preparar como deveria, porém, achei que a prova focou bastante na tabela periódica. Minha memória, depois de meia dúzia de anos, já não comportava fórmulas e macetes do assunto. Porém, consegui realizar metade das questões. Para responder a outra parte, fui guiada pela eliminação de alternativas bizarras e alguma força divina, admito.

Ainda faltava meia-hora para que eu pudesse sair com o caderno da prova em mãos e mesmo já tendo preenchido o gabrito do exame, optei por esperar para levá-lo comigo para casa. Era necessária alguma paz que me acompanhasse até em casa. Já fora do complexo cheio de edifícios presbiteriano, rasguei a sacola de plástico onde guardei os dispositivos eletrônicos que levei e liguei meu celular. Doze minutos depois, estava em casa. Cansada pela habilidade perdida de se responder perguntas por horas a fio, cheguei e abri a banana que levei e não comi. Abracei todo repouso possível, afinal, ainda teria que encarar as provas de matemática, línguas, artes e tecnologia da Informação e a redação.

O segundo dia
Meu corpo já desacostumado a passar horas a fio realizando testes penou: senti dores na nuca, enxaqueca e um princípio de gripe se iniciou. Dormi a noite de sábado para domingo realmente mal. Acordei três vezes e, medicada, fui apagar só às 4h da manhã. Acordei às 10h, e ainda exausta, cogitei ficar apenas trabalhando ao invés de me submeter a mais uma tarde de provas. Reclamei via mensagens instantâneas para minha mãe, que mora longe. Sem mimimi: um antigripal e antiinflamatório depois, vestida, resolvi partir. Dessa vez, sem almoço, afinal o tempo estava curto. O café da manhã, contudo, foi reforçado: uma tigela de iogurte com granola, chá de camomila para acalmar os ânimos e esquentar o corpo e alguns biscoitos de castanhas. Na bolsa, uma banana média e mais biscoitinhos integrais. Água, uma garrafinha, como no primeiro dia. Febril, chamei o elevador às 11h45 e fui caminhando devagar até o Mackenzie.

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A espera
Chegar muito antes da prova tem o bônus da certeza de que o exame será realizado, verdade. Poucos falam, contudo, sobre a ansiedade que aumenta quando é necessário esperar por quase uma hora para ter a folha em mãos. As fiscais já haviam se tornado conhecidas, algumas Camilas firmaram amizades entre si. Eu estava caindo de sono. Me permiti uma soneca, alguém me avisaria caso roncasse ou estivesse babando quando a prova começasse. O importante é que já estava à postos, sã e salva. A redação era o que me salvaria do fracasso numérico, pensava. E não é que eu estava mais que certa?

A redação
Uma menina estava com um lápis e foi repreendida. Outra garota portava uma caneta que, além de não ser transparente, era azul. Uma amiga homônima fez a gentileza de a emprestar a cor ideal para a leitura do TRI. Um silêncio abissal tomou conta da sala. As provas, enfim, seriam distribuídas. Como no primeiro dia, recebi a cor rosa (uma das minhas favoritas, o que tomei como um sinal positivo).

O Enem é também um exercício de paciência quando faz seus inscritos passarem cerca de cinco minutos com a prova em mãos sem poder abri-la, conferi-la, realizá-la. “Nada de abrir a primeira página para ler, de cantinho, o tema da redação!”, avisa uma das fiscais. Toca o sinal: finalmente podemos começar.

Violência contra a mulher! É isso mesmo, MEC? Índices de agressões, propaganda contra o feminicídio? Uma felicidade gigante explodiu por dentro de mim ao pensar nos sete milhões de estudantes que pensariam, ainda que por alguns minutos, em toda essa situação apavorante que garotas como eu, senhoras, meninas, trans, passam todo dia. Lida a proposta, parti para Linguagens e Códigos, onde me sairia melhor.

Estratégia pessoal

Sabendo que as questões que exigem leitura eram minhas melhores companhias, me empenhei nelas. Li, reli, e sublinhei o que e o quanto julguei necessário. A prova de Inglês exigiu muito mais de interpretação textual que gramática, o que com certeza me favoreceu. Questões com Chico Buarque, Cecília Meireles e hip hop apenas elevaram meus níveis de tranquilidade e satisfação. Terminada a parte feliz do exame, espiei Matemática – apenas para ver o grau de dificuldade. Surpresa, vi muitas perguntas que talvez soubesse responder, como as de probabilidade, porcentagem e que exigiam leitura de gráficos. Porém, fazer a redação na pausa entre os dois tipos de conteúdo foi a tática que escolhi – e tudo correu da melhor forma dessa maneira.

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Matemática e o fim
Cheguei a contar: das 45 questões dessa parte da prova, consegui resolver 20 delas. Sem consultar o material de matemática uns dias antes (admito, preciso ser franca aqui), sem tempo para longos estudos, sem ver números, fórmulas e aulas do assunto há, pelo menos, cinco anos. No ofício de jornalista, uso pouquíssimo números, contas e resolvo o que preciso na calculadora. Ou seja: ou minha memória anda em melhor estado que pensava, ou a complexidade da prova não era das mais elaboradas.

Às 17h30 terminei de preencher cada bolinha do gabarito e entreguei rascunho, prova cor-de-rosa e minhas questões respondidas e assinadas para a fiscal. Terminava ali o par de dias mais cansativo dos últimos finais de semana. Ainda bem que o ano é 2015, o Exame Nacional do Ensino Médio é cada vez mais bem elaborado e pude dormir tranquila por algumas horas assim que pisei em meu apartamento.

 

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