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Bolívia de Evo Morales a Luis Arce: entenda as mudanças do país

Professores comentam como a crise política culminou na queda de Morales e como ele conseguiu eleger um aliado nas últimas eleições

Por Julia Di Spagna
Atualizado em 31 Maio 2022, 13h59 - Publicado em 23 Maio 2022, 11h54
Presidente da Bolívia Evo Morales
Evo Morales, primeiro presidente indígena eleito na Bolívia (Gaston Brito / Colaborador/Getty Images)
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Evo Morales foi o primeiro indígena democraticamente eleito na Bolívia e ficou no poder de 2006 a 2019. Para entender a ascensão e a queda do ex-presidente que mudou radicalmente a política e economia boliviana, é preciso conhecer alguns acontecimentos marcantes na história recente desse país, que desperta interesse econômico de outras nações por conta das grandes reservas de gás natural, petróleo e estanho, além de prata, ouro, zinco, cobre e ferro.

Contexto histórico

“Desde a revolução de independência liderada por Simon Bolívar, em 1825, a Bolívia passou por uma sequência de golpes políticos decorrentes da disputa pelo poder entre grupos dominantes herdeiros dos privilégios da colonização, inclusive de países vizinhos, como Chile, e grupos historicamente explorados, em especial o campesinato, formado pelos povos originários”, afirma Luis Felipe Valle, professor de Geografia do Curso Pré-Vestibular da Oficina do Estudante, de Campinas (SP). 

Em 1952, em resposta à exploração socioeconômica que a Bolívia vivia, o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) tomou o poder, levantando pautas como a reforma agrária, a nacionalização dos recursos naturais e indústrias do país e a criação de uma democracia popular. Mas o grupo não permaneceu por muito tempo à frente do país. 

Como parte da sequência de golpes militares na América Latina, em 1964, mesmo ano do golpe no Brasil, o exército assumiu o poder na Bolívia e passou a perseguir movimentos políticos de esquerda. Enquanto isso, as políticas econômicas da ditadura afundavam a Bolívia em uma gigantesca dívida pública, com hiperinflação, desvalorização da moeda, crescente desemprego e aprofundamento das desigualdades sociais. 

Nas décadas seguintes, assim como ocorreu em outros países latino-americanos, o neoliberalismo foi apontado como a solução para as crises na Bolívia. O país apostou na privatização de recursos naturais e indústrias nacionais – o que, segundo Valle, só aumentou a influência do capital estrangeiro, piorando índices de pobreza que já eram graves.

Em 2000, as lutas populares contra a privatização da água levaram à chamada “Guerra da Água” em Cochabamba, fortalecendo e unificando movimentos populares de camponeses, operários e povos indígenas, que culminou na eleição de Evo Morales em 2005.

Evo Morales

Morales faz parte do partido Movimento para o Socialismo – Instrumento Político pela Soberania dos Povos (MAS-IPSP), considerado de esquerda, e foi eleito tendo como principais propostas a reforma agrária, a nacionalização de recursos naturais, o fortalecimento da economia interna boliviana e a melhor distribuição de riquezas como forma de combate à pobreza e contenção da influência dos Estados Unidos na América do Sul

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Por isso, as últimas duas décadas representaram uma mudança de paradigma na política boliviana. Como uma de suas principais ações, Evo nacionalizou a exploração de gás natural, que até então era controlada por empresas estrangeiras, entre elas a Petrobrás. Desta forma, a arrecadação de recursos do Estado boliviano aumentou, fortalecendo a empresa estatal de extração de gás, a YPFB.

Outros aspectos conjunturais também contribuíram para a recuperação econômica boliviana. Nos anos 2000, o país se beneficiou da alta de preços do petróleo e do gás natural – o “boom das commodities” –, promovendo expansão de sua economia e reduzindo de forma significativa a pobreza.

Em paralelo à guinada econômica, o governo de Morales apostou em reformas estruturais no setor de energia, transporte, infraestrutura e, é claro, nas reformas sociais.  “Evo Morales possui origem indígena, que na Bolívia representa as populações mais segregadas economicamente e socialmente. Tal fato refletiu em sua política social que priorizava os avanços para os grupos populacionais de baixa renda”, explica Felipe Lautenschlaeger, professor de Geografia e Atualidades do Poliedro Colégio São José dos Campos. 

As reformas de Evo levaram a Bolívia a reduzir drasticamente a população em situação de extrema pobreza que foi de 63% para 35%, segundo dados do Banco Mundial. Os níveis de pobreza extrema caíram de 36,7% para 16,85% sob o governo Morales e a desigualdade de renda, marcada pelo índice GINI, caiu de 0,6 para 0,47. 

Na política externa, a Bolívia ampliou relações comerciais com vizinhos da América Latina, como Brasil, Argentina, Venezuela e Cuba. Em 2015, inclusive, o país iniciou o processo de adesão ao Mercosul. 

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Nova constituição boliviana e o Estado Plurinacional

Em 2009, o governo de Evo Morales foi responsável pela promulgação da 16ª constituição boliviana, que fundou o chamado Estado Plurinacional. A nova carta magna promoveu mudanças significativas na estrutura política do país, conferindo maior poder e autonomia aos povos indígenas, além de um controle mais amplo do Estado sobre a economia.

Foi reservada, por exemplo, uma cota aos povos originários na Assembleia, que passaram também a ter autonomia para escolher juízes. A constituição de 2009 também fixou um limite de hectares permitido aos proprietários de terras.

Uma das mudanças mais significativas, no entanto, foi a que alterou os mandatos políticos no país. Mais tarde, ela culminaria no desgaste e queda de Evo Morales.

Reeleição e crise política

A queda de Evo Morales está diretamente relacionada ao processo eleitoral do país. Quando assumiu em 2006, Morales só poderia governar por um mandato presidencial. A regra foi alterada pela constituição em 2009, que passou a permitir dois mandatos consecutivos, de 5 anos cada. 

Evo venceu as eleições seguintes ao final de 2009. No entanto, este foi considerado como um primeiro mandato dentro da nova constituição, permitindo a ele se reeleger nas eleições de 2014.

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Em 2016 o partido de Evo tentou um novo referendo para aprovar novos mandatos consecutivos, sem limite de reeleições. A proposta foi derrubada pelo voto popular. Porém, o presidente obteve autorização do Tribunal Constitucional em 2017 para concorrer na eleição de 2019.

Em ensaio publicado no jornal Nexo, o cientista político Leonardo Avritzer afirma que ao recorrer a um tribunal controlado por si mesmo, Morales colocou em dúvida a lisura do processo eleitoral. Com isso, ele próprio teria iniciado um processo de “degradação democrática” no país.

“O esforço de Evo Morales para garantir o direito a várias reeleições despertou o temor por uma espécie de ditadura. Além disso, ao apelar para o Poder Judiciário depois de ser derrotado em uma consulta popular, Morales teria colaborado para o desgaste das instituições de seu país”, diz Thomas Wisiak, coordenador de História, Filosofia e Sociologia do Curso e do Colégio Etapa. 

Durante a apuração dos votos das eleições em 2019, novas suspeitas surgiram. A contagem que indicava um segundo turno entre Evo – com uma vantagem pouco menor de 10 pontos percentuais – e Carlos Mesa foi paralisada. No dia seguinte, após retomada, o Tribunal Superior Eleitoral indicava provável vitória de Evo em 1° turno. A oposição acusou o TSE de fraude eleitoral, contestando o resultado da eleição. 

Protestos populares tomaram as ruas, contra e a favor do presidente, aumentando as divisões políticas no país. “A Organização dos Estados Americanos após auditoria recomendou novas eleições que foram autorizadas por Evo. Mesmo assim, a procuradoria geral boliviana iniciou processo contra membros do governo e do tribunal que culminaram na renúncia de vários aliados, inclusive do presidente que acusou a oposição de golpe de Estado”, explica o coordenador do Poliedro, Felipe Lautenschlaeger.

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Após um polêmico governo interino da senadora Jeanine Áñez, que está em prisão preventiva desde março de 2021, enquanto aguarda julgamento por sedição, conspiração, terrorismo e corrupção, a Bolívia elegeu, em 2020, o presidente Luis Arce, do mesmo partido de Evo Morales (Movimento Ao Socialismo). 

A eleição de Arce

Luis Arce é economista e professor, com longa carreira no serviço público, foi ministro de Evo Morales e, assim, prometeu dar continuidade às reformas sociais e projetos de desenvolvimento econômico implantados durante as últimas duas décadas. Inclusive, muitos bolivianos consideram que ele foi o responsável pelo bom desempenho econômico do país ao longo dos anos. Mas Arce também demonstrou cautela ao falar publicamente do apoio de Morales a sua candidatura, buscando demonstrar que o ex-presidente não terá tanta influência sobre o novo governo.

Em novembro de 2020, Arce foi democraticamente eleito presidente do país através de eleições diretas no 1º turno, com 55,1% dos votos. Diante da grave crise econômica e a instabilidade política que a Bolívia atravessa, ele se aproximou de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, bem como de acordos com a China, o Irã retomando a participação na Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA) e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).

Segundo Valle, coordenador do Oficina do Estudante, a retração econômica causada pela pandemia torna uma retomada de um cenário positivo para o país muito mais difícil, ainda mais com o desmonte do Mercosul anos atrás, quando Brasil e Argentina deixaram de priorizar o bloco para aproximar-se dos EUA e da Europa. 

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