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Como carros, ônibus e caminhões mais baratos impactam o meio ambiente?

O governo federal anunciou o barateamento de veículos, mas não pensou em todos os impactos ambientais da medida

Por Victória Martins
Atualizado em 14 jun 2023, 13h03 - Publicado em 14 jun 2023, 12h10

Com o objetivo de aquecer a indústria automotiva, o governo federal deu início, em junho, a um programa temporário de redução nos preços de ônibus, caminhões e dos chamados “carros populares” – isto é, os mais baratos do mercado. A ação está sendo conduzida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e pelo Ministério da Fazenda.

Funciona assim: por quatro meses – ou até os recursos disponíveis (R$ 1,5 bilhão) se esgotarem – carros de passeio vendidos hoje por até R$120 mil irão receber descontos que podem variar entre R$2 e R$8 mil. Já veículos de carga e coletivos terão redução de R$33,6 a R$99,4 mil, e para conseguir o desconto, consumidores precisarão entregar um ônibus ou caminhão com mais vinte anos de uso para a reciclagem. O valor da isenção será definido a partir de três fatores: preço (o quão caro é o veículo), densidade industrial no país (quantas peças são produzidas no Brasil) e eficiência energética (o quão poluente é o veículo).

No papel, tudo parece fazer muito sentido, mas há um problema: se a medida tiver o impacto desejado do ponto de vista comercial, a frota de veículos nas ruas irá aumentar e o Brasil vai certamente aumentar também sua emissão de gases do efeito estufa. Esses gases – como o dióxido de carbono, emitido na queima de combustíveis fósseis –, quando lançados na atmosfera, são responsáveis por acelerar o aquecimento global e, consequentemente, a crise climática. 

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Essa é a avaliação de Marcel Martin, um dos coordenadores do Instituto Clima e Sociedade (iCS), organização que atua no enfrentamento às mudanças climáticas. Ele explica que, em tese, até existe uma melhoria de emissões quando se troca um veículo velho por um novo, porque as novas tecnologias tornam os motores menos poluentes. Mas duvida que o saldo final seja positivo para o meio ambiente.

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“Se é de fato essa a preocupação, a gente no mínimo deveria ter um projeto de acompanhamento para entender os carros que foram de fato aposentados e os que entraram, para ver em que ponto ambiental realmente teve ganho. Acho muito improvável que seja representativo”, continua. 

Os méritos da política de barateamento

Inicialmente, o programa de redução fiscal iria contemplar apenas os carros de passeio, mas ele foi repaginado para focar principalmente nos ônibus e caminhões. Do ponto de vista ambiental, esse redesenho é positivo, mesmo que ônibus movidos a diesel resultem em mais emissões, por exemplo, do que um carro. 

Isso porque é como se os gases emitidos pelo ônibus, que é um transporte coletivo, fossem divididas por todos os passageiros. Com isso, no balanço final, a emissão por pessoa é menor do que se cada um dos passageiros estivesse se deslocando em um carro individual. 

Da perspectiva social, a mudança também representa um ganho, uma vez que a maior parte da população brasileira se locomove através de transportes públicos e que os caminhões são a base da distribuição de mercadorias no país. O realinhamento também vai ao encontro da Política Nacional de Mobilidade Urbana, que prevê a priorização dos transportes ativos (a pé e com bicicletas), seguidos pelos coletivos, de carga e, por último, individuais. “Baratear custo de carro definitivamente não é uma solução de transporte no Brasil”, destaca Marcel. 

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Mas o especialista ainda alerta que englobar transportes coletivos e de carga não resolvem todos os problemas da nova medida. “O que ainda não deu exatamente para entender é: a gente está olhando para o que temos de mais moderno, e que de fato vai resolver o problema ambiental e das emissões, que são as tecnologias zero-emissões?”

Eletrificação como solução

O coordenador do Instituto Clima e Sociedade chama a atenção para um ponto cego do barateamento de veículos anunciado pelo governo: a falta de um estímulo específico para carros e ônibus elétricos.

O mundo inteiro está olhando para a eletrificação dos transportes – que nada mais é do que a substituição de motores à combustão por aqueles movidos à energia elétrica – como a solução já existente para zerar as emissões no setor. Algumas cidades brasileiras, inclusive, já têm planos e propostas concretas nesse sentido. São Paulo, por exemplo, assumiu o compromisso de ter ao menos 2,6 mil ônibus elétricos na sua frota até 2024, enquanto Curitiba anunciou recentemente a compra dos seus primeiros 70 ônibus elétricos, que devem começar a rodar nas ruas até junho do próximo ano.

Para Marcel, esta deveria ser uma preocupação também do novo programa do governo federal, que ao ignorar o tema perde a oportunidade de usar esses recursos para fazer uma transição a motores zero-emissão. 

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Para além da questão ambiental, a eletrificação dos transportes é um trunfo do ponto de vista sanitário, já que do mesmo escapamento que saem os gases do efeito estufa, também saem outros gases e partículas como o monóxido de carbono. Esses poluentes afetam a qualidade do ar e, em um país como o Brasil, no qual a maior parte da população vive em centros urbanos, os impactos à saúde humana são inevitáveis. Este efeito em cadeia acaba, por fim, gerando mais custos para o sistema público de saúde. 

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Vale lembrar, ainda, que não priorizar a eletrificação também significa sair em desvantagem em relação ao mercado global de transportes. O Brasil é hoje um dos principais exportadores de carros, ônibus e caminhões na América Latina. 

“A gente precisa mirar na indústria. Isso não é algo que se faz do dia para a noite, transformar um parque industrial de uma tecnologia para outra requer tempo e investimento. Mas é um investimento que, muito em breve, vai gerar mais emprego e mais recursos para o país”, avalia Marcel. 

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Descarbonizar os transportes

É verdade que, no Brasil, os combustíveis fósseis não são os principais vilões nas emissões de gases do efeito estufa – por aqui, o título fica com o desmatamento e com a agropecuária, ao contrário do que ocorre em um contexto global. Mesmo assim, dentro do setor de energia, que é o próximo da lista, os transportes são, de longe, a atividade mais emissora. Em 2021, veículos que circulam por todo o país emitiram cerca de 203,8 milhões de toneladas de CO2, segundo levantamento da ONG Instituto de Energia e Meio Ambiente. “Isso mostra a importância de se descarbonizar o setor de transportes no Brasil”, pontua Marcel.

“Descarbonizar” nada mais é do que reduzir e, eventualmente, eliminar completamente as emissões de gases do efeito estufa das mais diversas cadeias econômicas, como uso da terra, indústrias e manejo de resíduos. E, nesse ponto, o Brasil já sai na frente. 

É que nós já temos uma matriz energética amplamente limpa, além de recursos naturais e geográficos para expandir ainda mais esse setor – um benefício enorme em relação a outros países. Dados da Empresa de Pesquisa Energética de 2021 mostram que, naquele ano, 44,7% da matriz energética brasileira era baseada em fontes renováveis – como a hidrelétrica, a solar e a eólica –, ante 14,1% na média mundial de 2019. 

“Por que a gente não acaba com o que temos de emissão do setor de produção de energia, como as termelétricas, trabalha só com fontes renováveis e usa essa energia no setor de transportes?”, questiona o especialista do ICs. “Acho que tem uma responsabilidade do Brasil, que poderia até ser de exemplo e de referência”, avalia, “realmente não dá para entender porque a gente não está usando esse potencial”. 

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Sob essa ótica, fica difícil acreditar que o Brasil está no caminho certo para cumprir com suas metas de redução de emissões (as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas, ou NDC, na sigla em inglês). Nosso compromisso é o de reduzir em 50% as emissões até 2030 em relação aos níveis de 2005, e atingir a neutralidade climática até 2050. “Precisamos ser muito mais ousados e estruturantes nessas ações, para conseguir, de fato, fazer com que o setor de transportes seja um grande contribuinte para a redução das emissões”, aponta Marcel. 

Isso, é claro, além de repensar a estrutura de mobilidade urbana brasileira, ainda muito dependente do carro. Aumentar o número de veículos individuais circulando nas ruas significa mais poluição e mais trânsito, e vai no caminho inverso de cidades mais sustentáveis para a população. 

Isso passa por políticas públicas de qualificação do transporte público, mas também por uma conscientização individual sobre o uso do carro. Afinal, não é necessário, por exemplo, tirar o carro da garagem para ir até a padaria da esquina.

“Tem aqui um exercício cultural de a gente entender que a cidade mais legal é aquela que você consegue fazer as coisas a pé, de bicicleta. É uma cidade mais viva, aprazível, do que uma com essas avenidas completamente congestionadas”, finaliza. 

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