Quando começou a pandemia, o megaempresário brasileiro Jorge Paulo Lemann estava no exterior. E por lá ficou. “Trabalhei por videoconferência quase todo o tempo”, contou aos participantes do Programa de Líderes da Fundação Estudar, financiada por ele. “Não diminuiu a produtividade, acho que até aumentou, porque não tive que viajar tanto nem participar de muitos jantares”.
Embora tenha visto vantagens pessoais no trabalho remoto, Lemann, um dos criadores da Ambev, está preocupado com os trainees da empresa. “Somos muito dependentes de criar gente dentro de casa. E treinar as pessoas estando com elas é mais fácil”, disse. “Mas vamos encontrar uma solução para nos adaptar a isso”.
A reflexão sobre a pandemia e seu contexto social – de ampliação de desigualdades – já fez a empresa alterar a seleção dos trainees. Este ano, o programa deixará de exigir domínio do inglês – e os selecionados que precisarem terão bolsa para estudar o idioma. Também haverá uma plataforma de capacitação para o processo seletivo, com palestras de funcionários e dicas de conteúdo para ir bem nas entrevistas.
“O mais importante que a gente quer avaliar nos candidatos não são suas habilidades técnicas, isso eles podem desenvolver mais tarde”, diz Illana Kern, Head de Gente e Gestão na Ambev. “O que queremos são pessoas que tenham tudo a ver com a Ambev: que sonhem grande, sejam colaborativas, com criatividade e inclusivas”. Segundo ela, a empresa reconhece que existe desigualdade no acesso à educação técnica no Brasil e que, sem alterar o processo seletivo, nunca conseguiria ter mais diversidade – negros, mulheres, egressos do ensino público e de fora do eixo Rio-São Paulo – entre os selecionados.
Além da exigência do inglês e do treinamento para o processo, o teste de lógica foi alterado – não terá foco só em matemática, como era –, e os candidatos terão que fazer um “game de competências” para avaliar suas compatibilidade com a cultura da Ambev. Segundo a empresa, os candidatos precisam de características como adaptabilidade, cooperação, criatividade, ousadia, inovação, abertura a novos desafios, resolução de problemas e tolerância.
Segundo Lemann, porém, a nova realidade de negócios, que requer inovação constante, também pede qualificação técnica para quem quer liderar. “Antes procurávamos gente com brilho nos olhos e faca nos dentes”, disse. “Hoje as pessoas têm que estar muito mais preparadas em termos tecnológicos”.
Isso, de acordo com o investidor, é mais importante ainda para quem quer empreender. “O cara bom tem um sonho muito grande, que é adaptável – porque sabe que o que está bolando vai ter que mudar –, executa bem e está interessado em contratar gente boa. Isso continua o mesmo”, afirmou. “Mas hoje em dia tem que entender muito mais tecnologia do que antes”.
Lemann também foi questionado pelo empreendedor Henrique Dubugras, fundador da Brex, uma fintech avaliada em US$ 2,6 bilhões, sobre a cobrança para que as empresas tenham um impacto positivo na sociedade. Dubugras participou do programa de Líderes da Fundação Estudar em 2014.
“Fazíamos filantropia estritamente ligada ao nosso negócio: Kraft doava comida, Ambev cuidava de qualidade da água e de reciclagem de latinha”, disse o empresário. “Ultimamente estamos sentido a diferença de que você é meio obrigado a fazer coisas não relacionadas com seu negócio diretamente. Na pandemia, a Ambev distribuiu álcool gel, fez máscaras e, nesta semana, se juntou a outros para fazer uma fábrica de vacinas no Brasil”.
No caso da produção de vacinas, a Ambev vai entrar com a tecnologia de construção de fábricas. “Temos alguns sócios muito importantes que gritam: o que temos a ver com isso? Tenho que argumentar que o consumidor está dando valor e as pessoas que estamos contratando também. Os jovens querem trabalhar numa empresa que está fazendo o bem.”
Lemann participou do encontro anual de líderes da Fundação Estudar nesta segunda, 10.
Serviço
As inscrições para o programa de trainee Ambev 2020 vão até 8 de setembro, com vagas em todo o Brasil, para as áreas de Negócios, Tecnologia e Suprimentos – que engloba a gestão das cervejarias em diversas áreas, como logística, financeiro e Gente & Gestão. O salário é de R$ 7.000 e podem se candidatar universitários de qualquer curso de graduação que tenham se formado entre junho de 2018 e dezembro de 2020.