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Entenda a PEC que propõe pagamento de mensalidade na universidade pública

Proposta considera que apenas estudantes de baixa renda deveriam ter direito à gratuidade. Especialistas da educação discordam

Por Luccas Diaz
Atualizado em 27 Maio 2022, 08h49 - Publicado em 26 Maio 2022, 08h59
Estudantes negros nas universidades
Com a Lei de Cotas, em 2021, a USP atingiu pela primeira vez a meta de ter metade de matriculados oriundos de escolas públicas (Arquivo Agência Brasil/Marcello Casal Jr/Reprodução)
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A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 206/19 voltou a ser debatida na Câmara dos Deputados no início dessa semana. O projeto propõe a cobrança de mensalidades a alunos em universidades públicas, com exceção dos que, comprovadamente, não têm recursos financeiros.

A previsão era que a PEC fosse votada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados na terça-feira (24), mas foi retirada de pauta por conta da ausência do deputado relator do projeto, Kim Kataguiri (União), que está de licença médica. Ainda assim, um debate entre os deputados presentes, incluindo o autor da proposta, General Peternelli (União), resultou em um acordo que leva o projeto para uma audiência pública. Somente depois a PEC retornará à pauta.

Uma discussão sobre a proposta e sua relação com o subfinanciamento da educação brasileira mobilizou estudantes, líderes políticos e artistas. Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE resume o que se sabe até agora sobre a PEC 206/19.

O que é a PEC 206/19?

A PEC de autoria do deputado General Peternelli altera a redação do artigo 206 da Constituição Federal que garante, por lei, a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. No texto do projeto, é proposto que as instituições públicas cobrem mensalidades de seus estudantes, mediante o perfil financeiro.

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Para decretar quais alunos seriam pagantes, o projeto sugere a criação de uma comissão avaliadora dentro de cada instituição, composta por alunos, professores e assistentes sociais. A comissão definiria os pagantes a partir dos valores de renda determinados pelo Ministério da Educação (MEC). O retorno financeiro das mensalidades seria destinado à melhoria da própria universidade, garantindo a gratuidade para os estudantes em maior vulnerabilidade econômica.

Além da criação de comissões avaliativas, a PEC sugere que o preço da mensalidade seja calculado a partir da média dos valores cobrados pelas universidades particulares da região. O valor seria, no mínimo, 50% da média obtida. A concessão de bolsas variariam entre 30% e 100% do valor da mensalidade, sendo a bolsa integral destinada aos mais pobres.

reitoria-ufrj
Prédio da reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das maiores instituições federais de ensino superior do país (Wikimedia Commons/Reprodução)

A PEC foi apresentada pelo deputado em novembro de 2019 e chegou à CCJ no mês seguinte. Durante 2020, não houve avanços significativos. Em agosto de 2021, o deputado Kim Kataguiri (União) foi designado como o relator da pauta e fez a primeira apresentação à CCJ no mês de setembro. A segunda apresentação ocorreu no último dia 18 e uma votação estava prevista para o dia 24. Por acordo, os deputados presentes decidiram fazer o requerimento de uma audiência pública antes de seguir com a tramitação.

Para uma PEC ser adotada e incluída na Constituição, ela precisa ser aprovada pela CCJ e por uma Comissão Especial criada para analisá-la. Se seguir, deve receber, pelo menos, três quintos dos votos dos deputados no Plenário da Câmara, para então ir para a aprovação no Senado, onde também será analisada e votada.

Qual a justificativa? 

Segundo Peternelli, a gratuidade para todos os estudantes em universidades públicas gera distorções, fazendo com que estudantes mais ricos, que “tiveram uma formação mais sólida na educação básica”, ocupem as vagas de estudantes mais pobres no vestibular. O argumento do deputado é que as universidades são financiadas por meio de dinheiro público, coletado a partir de impostos, e que torna uma injustiça a camada mais pobre da população pagar pelo ensino da mais rica.

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“A maioria dos estudantes dessas universidades acaba sendo oriunda de escolas particulares e poderiam pagar a mensalidade. O gasto público nessas universidades é desigual e favorece os mais ricos. Não seria correto que toda a sociedade financie o estudo de jovens de classes mais altas”, escreveu o deputado no texto do projeto.

A justificativa de Peternelli esbarra em levantamentos recentes que indicam o aumento de estudantes pobres e egressos do ensino público nas universidades. Uma pesquisa divulgada em 2019 pela Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) indicou, por exemplo, que a maioria (70,2%) dos estudantes das universidades federais pode ser considerada de baixa renda, já que vivem com até um salário mínimo e meio. A mesma pesquisa indicava que 60,4% desses estudantes haviam cursado todo o ensino médio em escolas públicas.

Durante a última sessão na Câmara, o deputado autor da proposta defendeu que “quem paga mais imposto é o pobre, é a classe assalariada, e quem paga a universidade pública? É o dinheiro público”. Segundo ele, é inconcebível ignorar a oportunidade de dividir recursos no financiamento das instituições de ensino. “Quem pode paga, quem não pode não paga. Acho isso natural. É justo que os mais humildes paguem a faculdade dos mais ricos?”

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Peternelli cita uma pesquisa de 2017 do Banco Mundial que analisa a eficiência dos gastos públicos brasileiros. No texto, afirma-se que cerca de 50% dos recursos gastos com instituições públicas de ensino superior poderiam ser economizados. O estudo defende a cobrança de mensalidade aos estudantes mais ricos e sugere um melhor direcionamento de programas públicos como o Fies.

Para especialistas da educação, como Claudia Costin, o momento não é oportuno para discurtir cobrança de mensalidades nas universidades públicas, e a proposta pode acarretar em mais exclusão – dos mais pobres, mas também dos estudantes da classe média. “A classe média também foi muito afetada, muitos jovens saíram do ensino superior para se dedicar exclusivamente ao trabalho”, afirmou a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV em entrevista à CNN.

Costin também criticou a PL que regulamenta o ensino domiciliar e que tramita no Congresso. “Durante a maior crise que a educação já viveu no Brasil, nós esperávamos que surgissem propostas de melhoria do ensino. E surgiram duas propostas como homeschooling e a cobrança de mensalidade no ensino superior público, que não contribuem em nada”, conclui.

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Repercussão

Na mesma sessão, outros deputados presentes opinaram sobre a PEC. Fábio Trad (PSD) afirmou que a proposta não tem lógica. “Não há qualquer sentido em tentar enfrentar o subfinanciamento do ensino público superior com a cobrança de mensalidades. Porque, se for essa a lógica, então vamos isentar de pagamento nas universidades particulares todos os alunos pobres. No fundo estão tentando privatizar a universidade pública brasileira.”

A deputada Alice Portugal (PCdoB) argumentou que é preciso uma reforma na taxação de impostos, e disse que a PEC seria o equivalente à privatização das universidades públicas. “Nós precisamos especializar a tributação no país, taxar as grandes fortunas. Mas não é privatizando a universidade que você a fará melhor. Porque senão a maioria das escolas privadas seriam maravilhosas, teriam esporte, teria pesquisa, e não é a realidade das instituições privadas no Brasil.”

Alunos no campus da Universidade de São Paulo
Em 2021, a Universidade de São Paulo (USP) atingiu a marca de 50% de alunos oriundos de escolas públicas (Cecília Bastos/USP Imagem/Reprodução)

Orlando Silva (PCdoB) disse que a proposta parece não ser uma iniciativa isolada, referindo-se ao documento divulgado na última semana que relata as intenções de privatizar o SUS (Sistema Único de Saúde). “Parece-me que essa proposta foi buscada nas catacumbas da ditadura militar. Na época dos acordos MEC/Usaid sobre a privatização da universidade pública.”

A UNE (União Nacional dos Estudantes) escreveu em nota que tal proposta é “a porta de entrada para o fim da universidade pública e gratuita”. O órgão defende que “o direito à uma educação pública, gratuita e de qualidade é inalienável”, e que as instituições federais de ensino superior são responsáveis por “mais de 95% da pesquisa, ciência, inovação e tecnologia” produzidas no país.

Nas redes sociais, a PEC também causou discussões. “O que estamos presenciando não é uma crise, mas sim um projeto de desmonte!”, disse uma estudante. A cantora e vencedora do Big Brother Brasil 21, Juliette, defendeu a gratuita do ensino superior: “sou filha do ensino público e sei o quanto isso mudou a minha história”.

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