Mais de 490 mil mortos. Uma profunda crise econômica, política e social. Mais de 12 milhões de pessoas que tiveram de deixar suas casas. Essas são algumas das consequências da Guerra da Síria. Mas, afinal, você sabe como tudo começou?
O conflito teve início em 2011 com a Primavera Árabe, uma onda de manifestações populares que se espalhou por países do Norte da África e do Oriente Médio. Essas manifestações, organizadas principalmente por meio das redes sociais, buscavam combater governos autoritários – alguns de cunho teocrático, outros que eram ditaduras militares ou monarquias.
Em alguns desses países, as manifestações atingiram o objetivo de destituir governantes, enquanto em outros os líderes conseguiram se manter no poder mesmo em meio a guerras civis. Foi o caso da Síria.
Por lá, as manifestações ocorreram contra o governo de Bashar al-Assad, no poder desde 2000 e membro de uma família que governa o país há décadas. Quando a pressão popular intensificou-se, o presidente reagiu reprimindo as manifestações com violência militar. Ele também acusava a existência de milícias rebeldes e mercenários entre os civis tentando um golpe de Estado. Não demorou muito para que uma guerra civil envolvendo também outras nações tomasse o país, com o envio de recursos financeiros, armas e até mesmo soldados estrangeiros.
Quais grupos e países estão envolvidos?
Segundo Israel Mielli, professor de Geografia do Colégio Anglo Chácara Santo Antônio, no âmbito da política interna e externa é possível dividir os envolvidos no conflito em três grupos:
- Os manifestantes mais moderados, que visam derrubar o governo de Assad e estabelecer um governo de cunho democrático. Esse grupo é apoiado e financiado externamente pelos EUA e por países da Europa Ocidental;
- Manifestantes considerados mais radicais, que visam derrubar o governo para instaurar um regime autoritário de outras características. Enquanto Assad segue a linha xiita do Islamismo, esses manifestantes seguem a linha sunita e são apoiados pelo famoso grupo terrorista Estado Islâmico, pela Arábia Saudita e pela Turquia. Contudo, o apoio desses dois últimos é realizado de modo discreto;
- O terceiro grupo é o próprio governo Assad, que está no poder há décadas e é muito próximo da Rússia e do Irã. Inclusive, existe na Síria uma base militar russa. Portanto, a Rússia tem preocupações com as consequências políticas caso uma configuração de governo próxima aos Estados Unidos se estabeleça na Síria.
Os curdos na Síria
Outro grupo que tem um papel importante na Guerra são os curdos. Hoje, este é o maior povo do mundo sem território próprio e estima-se que cerca de 30 milhões de pessoas da etnia se dividam, principalmente, em quatro países: Turquia, Síria, Irã e Iraque. Eles reivindicam que a área que ocupam nessas regiões se torne um Estado chamado Curdistão.
Como teve forte atuação no combate aos terroristas do Estado Islâmico, o grupo acabou recebendo apoio de países ocidentais, com destaque para os Estados Unidos. Com isso, os curdos conseguiram se estabelecer no norte da Síria e aumentar a oposição contra Assad.
Mas a autonomia curda não é vista com bons olhos por países do Oriente Médio que temem que a consolidação do Curdistão como um país desencadeie uma série de movimentos separatistas na região. Lembrando que existe uma área conhecida historicamente como Curdistão, mas não há uma unidade territorial ou um governo único autônomo.
Refugiados
A Guerra na Síria é responsável pelo maior fluxo de refugiados do mundo: são 6,8 milhões de pessoas forçadas a se deslocarem. Os destinos dos sírios são principalmente a Turquia e países da Europa, segundo o professor Mielli. Para se ter uma ideia, em 2015 a onda de refugiados sírios na Europa foi tão grande que chegou a mais de 1 milhão de pessoas no continente, em contraposição aos 100 mil de 2014. “Muitos dos refugiados deslocavam-se para a União Europeia de barco, o que gerou a morte de muitos deles devido a acidentes em alto mar”, recorda o professor de Geografia.
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Qual é a situação atual do país?
Após a entrada da Rússia no conflito, em 2015, o governo de Assad passou a vencer o conflito. Em março de 2020, pouco antes de a pandemia se agravar, foi costurado um acordo entre o governo e os manifestantes democráticos com o intermédio da Rússia e do Irã. Isso desencadeou um período de redução das atividades militares, mas sem cessar totalmente os embates com um desfecho oficial. Em julho de 2021, por exemplo, forças leais a Assad lançaram mísseis e realizaram bombardeios contra a oposição na Síria.
Os professores também avaliam que é difícil falar em lado vitorioso depois de tamanha tragédia causada pela guerra. “Embora a permanência de Bashar al-Assar no poder possa ser lida como uma vitória geopolítica da Rússia diante do avanço do imperialismo estadunidense no Oriente Médio, a insurgência de grupos terroristas, como o Estado Islâmico, e a catástrofe humanitária causada pela disputa de poder entre países hegemônicos representa uma profunda derrota à humanidade e graves retrocessos no combate à fome, erradicação da pobreza e fortalecimento de governos democráticos no século XXI”, diz Luis Felipe Valle, professor de Geografia do Colégio Oficina do Estudante de Campinas (SP).
Segundo Valle, a economia do país, que possuía um IDH maior que o da Índia em 2010, foi destruída: a libra síria desvalorizou mais de 80% e a inflação está fora de controle. “Além disso, empresas nacionais foram à falência e o desemprego agrava a cada dia a situação da população que vive em situação de miséria“, afirma o professor do Oficina. Ele também lembra que importantes dutos de petróleo e gás natural passam pela Síria, conectando gigantescos reservatórios na Ásia aos mercados consumidores na Europa e América.
Dados da ONU (Organização das Nações Unidas) apontam que 90% da população da Síria está vivendo na pobreza. Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria, afirmou em entrevista à ONU News, em março de 2022, que os canhões, as armas e os ataques aéreos na Síria tem falado mais alto do que a diplomacia no país.
“O andamento da negociação política está totalmente parado. O enviado especial (da ONU para a Síria) Geir O. Pedersen faz um grande trabalho em termos do conselho constitucional, mas hoje a negociação política está parada porque a maioria dos atores continua achando que há uma solução militar para a crise. Não há outra saída a não ser uma saída diplomática.”
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