Linguagem neutra pode ser considerada uma variante linguística?
Sanção do presidente Lula sobre uso em instituições públicas trouxe o debate à tona
A linguagem neutra ou não-binária ganhou força na última década e meia ao propor uma nova forma de comunicação. A ideia é ser mais inclusivo com pessoas que não se identificam como parte dos dois gêneros tradicionalmente aceitos na Língua Portuguesa (masculino e feminino) – como transexuais, travestis, não-binárias e intersexo, por exemplo. A temática, muito discutida nas redes sociais, voltou ao debate na última terça-feira (18), quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei que proíbe a utilização da linguagem neutra por órgãos públicos de todas as unidades federativas.
Para quem se prepara para os vestibulares, o tema é uma ótima maneira de compreender as transformações na Língua Portuguesa e até discutir um tema muito caro ao Enem, as variantes linguísticas. Será que a linguagem neutra pode ser considerada uma delas?
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O que muda na linguagem neutra?
A linguagem neutra começou a ganhar repercussão no Brasil a partir dos anos 2010, impulsionada por movimentos sociais e pelas plataformas online. Na prática, existem algumas propostas de substituição dos artigos que demarcam gênero.
Uma delas é o uso de “x”, “e” ou “@” no lugar de “a” e “o”, a exemplo das palavras “todos” ou “todas”, que se transformariam em “todxs”, “todes” (mais comum na transmissão falada) ou “tod@s”. Outra vertente também utiliza o “u” em certos termos, como “elu”, o qual evitaria o uso de apenas “ele” ou “ela”.
O que é variante linguística
De acordo com Umberto Neto, doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Língua Portuguesa, a variação linguística é definida como “um uso do idioma diferente de alguns pontos da norma-padrão”, ou seja, não está em conformidade com as regras gramaticais.
Existem diferenciações nessa variedade, que pode ser:
- Regional ou geográfica, como diferentes sotaques e dialetos em diversas regiões. Um exemplo é a palavra “geladinho”, que também pode ser comunicada como “sacolé” ou “dindim”.
- Histórica, que acontece entre diferentes épocas, como termos que caíram em desuso e recebem transformações com o decorrer do tempo. É o caso de “Vossa Mercê”, que deu origem a “Você”.
- Social, vista entre grupos de pessoas distintas, levando em conta fatores etários, sociais, de gênero, etnia e profissão, como acontece com os jargões.
- Situacional, que depende do contexto comunicativo, da situação mais informal à mais formal.
Mas onde fica a gramática normativa nesta história? Engana-se quem pensa que as variantes e a norma-padrão são inconciliáveis. Esta última existe para orientar a utilização da Língua Portuguesa em diferentes arranjos sociais, subsidiada pelas regras gramaticais.
De acordo com ela, o papel de pronome neutro é feito pelo artigo masculino (como em “os professores”, mesmo que o grupo tenha mulheres).
Em vestibulares, vale lembrar, é exigido o uso tradicional, sem a incorporação de gírias ou expressões comuns entre diferentes variantes linguísticas. Mas isso não significa que o uso delas seja errado em outras situações.
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Voltando à pergunta que dá título a este texto, a linguagem neutra pode ser considerada uma variante linguística? Para o especialista, ela está em processo de consolidação e, por conta disso, não se configura como variação para a área da Linguística neste momento.
“As regras ainda estão em discussão. A linguagem pode ser modificada o tempo todo, mas a gente reconhece as mudanças pela presença constante no dia a dia”, explica.
Ele considera que, com o passar do tempo, existe a tendência de que essa forma de comunicação ocupe espaços em conjunto com a norma-padrão, assim como as já reconhecidas variantes linguísticas: “Eu acredito que a língua está em plena transformação, ela é viva e está sujeita a diferentes interferências”.
Umberto entende que “o movimento da linguagem neutra também é um movimento político-social”, e devido à polarização de ideais no país, a legitimação e adesão desse uso no meio social acabam passando pela pauta ideológica. “Um desses lados é muito contra e ele tem relevância nas discussões nacionais. Essa questão polarizante é um desafio para a incorporação da linguagem neutra”, afirma.
Outros idiomas não contam com marcações de gênero. O armênio, o tagalo (língua falada nas Filipinas e que serve de base para o idioma oficial do país) e o iorubá são alguns exemplos.
A Política Nacional de Linguagem Simples sancionada por Lula
Embora a proibição do uso da linguagem neutra por órgãos públicos seja o que ganhou os noticiários, a lei sancionada por Lula esta semana trata de um tema muito mais amplo. Ela cria a Política Nacional de Linguagem Simples, cujo objetivo é favorecer a comunicação entre o governo e a população, de modo a ampliar a participação pública e o entendimento de comunicados e serviços fornecidos pelo Estado.
Os textos devem utilizar principalmente frases curtas, em ordem direta e com voz ativa, tendo as informações mais importantes no início. As palavras usadas, por sua vez, precisam atender ao cotidiano, evitar estrangeirismos e se necessário, explicações de termos técnicos precisarão ser incorporadas.
Recursos visuais, como tabelas, gráficos e listas, serão bem-vindos. Além disso, a norma prevê a garantia de linguagem acessível para pessoas com deficiência e versões nos dialetos usados por comunidades indígenas, além do português.
“Não usar novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas, ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, promulgado pelo Decreto nº 6.583, de 29 de setembro de 2008.”
Inciso XI do artigo 5º da Política Nacional de Linguagem Simples
De acordo com Umberto Neto, como a lei foi criada para simplificar a troca de informações entre lados com bagagens culturais e educacionais distintas, os termos neutros ficam de fora no momento. “A intenção é facilitar a compreensão por parte das pessoas que procuram e precisam desses órgãos públicos. Esse uso específico da linguagem [por estar em processo de consolidação] se torna um complicador”, finaliza.
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