Para os venezuelanos, já é tempo de panetones, guirlandas e presentes – ou, pelo menos, é o que o decreto de Nicolás Maduro anuncia. Envolto em polêmicas acerca da legitimidade da sua eleição presidencial, o líder chavista adiantou o feriado de Natal para o dia 1º de outubro no país, como uma forma de “homenagem ao povo combativo” da Venezuela. Para especialistas, no entanto, a atitude está longe de ser uma medida celebratória, se aproximando muito mais a uma tática já bastante conhecida do seu governo.
“Em homenagem a vocês, em agradecimento a vocês, vou decretar o adiantamento do Natal para o dia 1º de outubro. Para todos e todas, chegou o Natal!”, decretou o presidente em anúncio.
A mudança na data do feriado veio no mesmo dia que a prisão de Edmundo González foi decretada pelo Ministério Público. O político da oposição foi o candidato concorrente de Maduro nas eleições de julho. Seu partido afirma que González teve a maioria dos votos nas eleições, 67%, e acusa Maduro de fraude eleitoral. Cópias das atas das urnas, que comprovariam a vitória do candidato, chegaram a ser apresentadas.
Entre outros “crimes graves”, González é acusado pelo Ministério Público – alinhado ao chavismo – de incitação à desobediência e conspiração e sabotagem de sistemas.
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Natal fora de época
Não é a primeira vez que Maduro adianta o Natal na Venezuela. No poder desde 2013, instituiu a medida logo em seu primeiro ano de mandato. Na época, buscava acalmar as turbulências no país após a morte de Hugo Chávez (1954-2013), em março. Desde então, o Natal mais cedo virou tradição de seu governo. O líder chavista vem repetindo a medida consecutivamente desde que assumiu o poder em 2013. Isto é, os argumentos e as datas variam, mas o Natal precoce já não é novidade na Venezuela há anos.
Na leitura de especialistas em política internacional, as motivações de Maduro podem até ter se diversificado ao longo da década, mas as intenções por trás se mantiveram a mesma: tirar o foco das crises no país. Na Venezuela, a época de Natal representa não somente o feriado cristão, mas também a chegada dos bônus salariais de fim de ano, assim como o incremento das cestas de auxílio de mantimentos – que passam a incluir itens mais caros, como pernil e presunto.
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A chegada do feriado seria, assim, um “presente” para a população, que sofre com a econômica enfraquecida e a alta de preços no mercado.
Veja as datas do Natal venezuelano ao longo do governo de Maduro:
- 2013: 1º de novembro;
- 2014: 1º de novembro;
- 2015: 30 de outubro;
- 2016: 28 de outubro;
- 2017: 31 de outubro;
- 2018: 29 de outubro;
- 2019: 31 de outubro;
- 2020: 29 de outubro;
- 2021: 27 de outubro;
- 2022: 30 de novembro;
- 2023: 1º de setembro.
Anualmente, a medida é criticada pela Igreja Católica. Em nota publicada esta semana, a Conferência Episcopal Venezuela (CEV) repudiou a adiantamento do feriado por motivações políticas. “O Natal é uma celebração universal. A maneira e a época de sua celebração é uma questão de autoridade eclesiástica. Não deve ser usado para propaganda ou para fins políticos específicos.”
Cortina de fumaça
A tática usada pelo governo de Maduro não é exclusiva do venezuelano – e muito menos nova. Ela tem nome: cortina de fumaça. O termo descreve a estratégia de desviar a atenção de pautas centrais e de maior impacto a partir de medidas que agradem, choquem ou distraiam a população. Para o pesquisador de Harvard e professor de relações internacionais Vitelio Brustolin, em entrevista ao G1, o adiantamento do Natal é nitidamente uma cortina de fumaça para a fraude eleitoral – especialmente no momento em que a prisão do líder opositor é decretada.
“É uma distração, enquanto [Maduro] continua a prender opositores”, afirma o pesquisador. “Os caras não estão nem aí para o planejamento do comércio, 1º de outubro é em menos de um mês”, se referindo à ausência de um plano logístico e prático como prova do oportunismo da decisão do governo.
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Ao longo da História, a tática da cortina de fumaça foi usada inúmeras vezes por governantes – autoritários ou não – que buscaram desviar o foco de crises ou escândalos políticos. Um exemplo seria, quando na década de 1970, o escândalo de Watergate revelou práticas ilegais e abusos de poder do presidente norte-americano Richard Nixon – que sofria a pressão dos movimentos pelos direitos civis e da oposição política democrata.
Na busca por ofuscar a investigação, intensificou a campanha estatal da “Guerra contra as drogas”, concentrando o foco do governo em programas de conscientização e na criminalização de substâncias. O presidente fez das drogas o “inimigo número um” da América, um vilão que estaria corroendo o país de dentro para fora. A narrativa endossava a coordenação de todos os esforços do governo para combater o problema, devendo ser prioridade principal de toda a nação. Funcionou por um tempo, mas a queda do presidente foi inevitável.
Vale lembrar que, hoje, especialistas debatem como deveria ser a reação perante essas cortinas de fumaça – e por que muitas vezes não basta apenas ignorá-las. Eles alertam que medidas ultraconservadoras envolvendo os direitos das mulheres ou de outras minorias são colocadas em discussão como forma de desviar a atenção de outros temas, como escândalos de corrupção. Nestes casos, deixar de dar atenção às “distrações” sob o argumento da cortina de fumaça pode resultar no avanço dessas medidas que colocam os direitos da população em risco.
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