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O que é racismo ambiental e como ele ocorre no Brasil e no mundo

Será que todas as pessoas sentem da mesma forma as ondas de calor? E as enchentes e deslizamentos, afetam mais quais grupos?

Por Julia Di Spagna
26 set 2023, 15h07
pessoas separam lixo
Catadores separam o lixo e encontram recicláveis como meio de sobrevivência no Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho em Duque de Caxias. (Brazil Photos/Getty Images)
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Temperaturas extremas, enchentes, rompimento de barragens, deslizamentos de terra e secas por longos períodos são apenas alguns exemplos dos efeitos de mudanças climáticas desencadeadas por ações humanas, que causam uma série de problemas para a população. Mas já parou para pensar que nem todas as parcelas da população sentem estes efeitos da mesma forma?

No geral, comunidades mais vulneráveis, que vivem em áreas marginalizadas e já enfrentam dificuldades econômicas e sociais – como pessoas negras, indígenas, quilombolas e ribeirinhas, por exemplo –, sofrem mais com as consequências da crise climática. Com um acesso precário a serviços básicos, como moradia,  infraestrutura, tratamento de água e esgoto, esses locais frequentemente são palco de grandes tragédias. 

Para se ter uma ideia, moradores de favelas e periferias são vítimas de tragédias ambientais 15 vezes mais do que aqueles que residem em áreas seguras, segundo um relatório divulgado em 2022 pelo IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (ONU). 

Além disso, as regiões onde vivem essas populações também são alvo de crimes ambientais. Os territórios sofrem com a exploração desenfreada, seja em prol da instalação de empreendimentos ou pela exposição a resíduos tóxicos, sem preocupação com a saúde das pessoas que serão afetadas. 

Todo esse impacto sofrido principalmente por grupos marginalizados que compartilham uma mesma identidade racial ou étnica é chamado de racismo ambiental. 

Com o agravamento da crise climática no Brasil e no mundo, o debate sobre essa questão se torna ainda mais necessário. Para te ajudar a se aprofundar no tema, o GUIA DO ESTUDANTE preparou um resumo explicando melhor o conceito, como ele surgiu, alguns casos que exemplificam seus efeitos na prática e sugestões de como combatê-lo. 

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Afinal, o que é racismo ambiental?

O racismo ambiental se expressa de diferentes formas. Uma delas, como já explicamos, ocorre quando populações mais pobres e marginalizadas são afetadas de forma sistemática e desproporcional por questões ambientais negativas, como poluição do ar, queimadas e contaminação da água.

Um exemplo são favelas e outras habitações construídas em encostas ou margens de rios, consideradas zonas de risco. Todos os anos, repetem-se nos noticiários histórias de deslizamentos de terra e enchentes nestes locais em épocas de fortes chuvas. Para piorar, a falta de acesso a serviços básicos, como água potável e saneamento, agrava ainda mais os impactos negativos do racismo ambiental nessas áreas, afetando a saúde e bem-estar da população.

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Uma outra expressão do racismo ambiental ocorre em comunidades tradicionais, como territórios indígenas e quilombolas. Essas populações vivem em áreas de grande valor ecológico, como florestas e reservas naturais e, embora conheçam bem as peculiaridades da natureza local, têm pouca – ou nenhuma – influência sobre as decisões políticas que afetam seus territórios. Enquanto isso, industrias e latifúndios avançam sobre essas regiões, desmatando, poluindo rios, contaminando o solo e expondo a população local a substâncias nocivas. 

Assim, também é considerada uma prática de racismo ambiental quando projetos de desenvolvimento e até mesmo políticas públicas são implementadas sem levar em consideração a saúde e a qualidade de vida de populações mais vulneráveis. Isso ocorre, por exemplo, quando uma usina hidrelétrica ou um aterro sanitário são construídos perto destas comunidades. Em nenhum momento, essas pessoas consentem ou são consultadas sobre as obras que afetarão diretamente a área, poluindo e desencadeando problemas de saúde. 

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Afinal, você já parou para pensar onde ficam os aterros sanitários? Qual é o perfil social e étnico da população que mora nos arredores do local? Quantas notícias você lê sobre a contaminação de um rio que alimenta uma comunidade inteira? Quando você viu uma manifestação porque um lixão está impactando um bairro periférico?

É como se a degradação do meio ambiente nessas áreas fosse “liberada” devido ao perfil dos moradores ao redor. “Quando você dá um menor valor para uma população, você diz que ela pode viver daquela forma. Quando se fala de aterramento de lixo sanitário, se entende que é possível aterrar em lugares como Caxias, mas não se pensa em fazer isso em Ipanema e Copacabana”, disse a ativista Dani Monteiro em entrevista ao UOL., citando o exemplo da cidade de Duque de Caxias, região metropolitana do Rio de Janeiro.

“Não é somente uma questão de espaço, mas porque se tem a ideia de que aquela população de Caxias, que é majoritariamente negra e de baixa renda, pode conviver próxima ao lixo. Por isso a gente define como racismo ambiental, porque se usa a inferiorização do outro para se negar direitos básicos. É inadmissível um lixão na zona sul. E por quê?”, completa a ativista.

Por fim, vale destacar que outra forma de racismo ambiental é a privação de benefícios ambientais, como acesso a parques, espaços verdes e recursos naturais. 

Origem do termo 

Embora o racismo ambiental seja uma prática antiga, o termo foi cunhado apenas em 1981, nos Estados Unidos, pelo ativista afro-americano Benjamin Franklin Chavis Jr., que lutava pelos direitos civis dos negros e chegou a atuar como assessor de Martin Luther King

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Ou seja, o conceito foi criado em meio às manifestações do movimento negro que aconteciam na época. Elas já incluíam reivindicações sobre a questão ambiental e denunciavam a forma como as populações mais vulneráveis ficavam expostas aos fenômenos ambientais, além de estarem distantes da tomada de decisões sobre o tema.

Nesse contexto, Chavis definiu racismo ambiental como “a discriminação racial na elaboração de políticas ambientais, na aplicação de regulamentos e leis, e no direcionamento deliberado de comunidades negras para instalações de lixo tóxico, com risco de vida em nossas comunidades e a exclusão de negros da liderança dos movimentos ecológicos.”

Na mesma época, o sociólogo Robert Bullard, considerado o “pai da justiça ambiental”, ampliou o conceito da seguinte forma: “racismo ambiental refere-se a qualquer política, prática ou diretiva que afete ou prejudique de maneira diferenciada (intencional ou não) indivíduos, grupos ou comunidades com base em raça ou cor.”

No final da década de 1970, ele fez uma pesquisa que mostrou que pelo menos 14 dos 17 depósitos de resíduos industriais em Houston, no Texas, estavam situados em bairros de população negra, embora apenas 25% da população da cidade fosse negra. Cerca de 15 anos depois, um relatório federal confirmou o que Bullard havia constatado em seu estudo: comunidades negras ao sul sofriam com o depósito frequente e desproporcional de aterros sanitários.

Por conta das pesquisas realizadas por Chavis, Bullard e uma série de especialistas no tema, o termo se popularizou e, em 1992, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) oficializou o conceito de “justiça ambiental” e criou um escritório dedicado ao assunto. Com o tempo, essa ideia se espalhou pelo mundo, o termo ganhou traduções e cada país adaptou sua definição para o contexto local.

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Exemplos de racismo ambiental no Brasil

Para ilustrar melhor como o racismo ambiental se manifesta, separamos alguns casos que aconteceram no Brasil – embora esta seja uma prática cotidiana e muito recorrente.

Um dos mais emblemáticos ocorreu em 2015: o rompimento da barragem da mineradora Samarco em Mariana (Minas Gerais). Rejeitos da mineração formaram uma lama tóxica que poluiu a bacia do Rio Doce por 600 km e matou 19 pessoas – 84,5% das vítimas imediatas eram negras. A poluição também prejudicou a subsistência de comunidades ribeirinhas, como o povo Krenak, que usava a água para pescar e irrigar plantações. Casas de regiões próximas também foram destruídas. 

Apenas quatro anos depois, a mesma história se repetiu. Em 25 de janeiro de 2019, uma barragem da Vale se rompeu em Brumadinho (Minas Gerais). Nesse caso, 259 pessoas foram mortas e 11 desapareceram. Entre as vítimas, 58,8% dos mortos e 70,3% dos desaparecidos não se declaravam como brancos e tinham renda média abaixo de dois salários mínimos.

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Resgate de vítimas em Brumadinho, Minas Gerais, após o rompimento de barragem da Vale. (Bloomberg/Getty Images)

Os exemplos não param por aí: o racismo ambiental prolifera-se de variadas formas por todo o território brasileiro. A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, causou o deslocamento de comunidades indígenas e ribeirinhas, sem contar o impacto na biodiversidade da região. No Nordeste, a água e o solo de diversas populações indígenas e quilombolas são contaminados pelo uso excessivo de agrotóxicos nas plantações próximas. No Mato Grosso, a construção da rodovia BR-163 provocou desmatamento e fez com que comunidades indígenas da região tivessem que se deslocar. Em Paracatu, Minas Gerais, a saúde dos moradores tem sido afetada pela contaminação por metais pesados em comunidades próximas às minas de ouro.

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“Pessoas são expulsas de seus territórios por empreendimentos como hidrelétricas e minerações, ou mesmo quando elas não são expulsas, elas têm de aguentar os impactos sociais e ambientais desses projetos de ‘desenvolvimento’.”, afirma a advogada e quilombola Rafaela Miranda em entrevista ao UOL. “É um desenvolvimento para quem? De que tipo de desenvolvimento a gente está falando? Ele contempla essas perspectivas tão diversas desses povos e comunidades? Ele contempla a diversidade das populações rurais e urbanas?”, questiona. 

Racismo ambiental e o colonialismo

Para além das questões locais, o racismo ambiental também pode ter um impacto macro quando analisamos o contexto internacional. Por conta do colonialismo, do neocolonialismo e da globalização foram estabelecidas relações ambientais desproporcionais entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. 

Durante o colonialismo, as nações mais ricas (metrópoles) exerciam o domínio sobre territórios mais pobres (colônias), por meio da força militar e política, explorando terras e bens, sem se importar com as populações que já estavam ali.  Depois, esse cenário tomou novas formas com o neocolonialismo, quando países africanos e asiáticos foram ocupados por europeus. Ambos processos geraram injustiças sociais, escravidão e o empobrecimento de grupos que tiveram suas terras devastadas e, por não terem melhores condições, se fixaram em ambientes insalubres. 

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Hoje, embora os meios sejam diferentes, a lógica não mudou. Com a globalização, empresas costumam espalhar suas indústrias ao redor do mundo, o que pode causar a expulsão de populações originárias que vivem em regiões mais pobres e a degradação do meio ambiente, perpetuando o racismo ambiental. 

Como combater?

Não há dúvidas de que eventos climáticos extremos e desastres da natureza afetam a população como um todo. Mas como há um recorte da população que sofre as consequências desses acontecimentos de forma sistemática e amplificada, é preciso pensar em soluções nesta mesma chave.

Além disso, para a desigualdade socioambiental ser efetivamente combatida, é necessário um esforço conjunto de diferentes esferas da sociedade, como o poder público, organizações não governamentais, empresas, as populações afetadas e mesmo cada indivíduo. 

Entre as medidas que podem ser tomadas para combater o racismo ambiental estão: 

  • Criação de políticas públicas que promovam a igualdade socioambiental; 
  • Campanhas de conscientização para que a população entenda melhor a gravidade do problema; 
  • Educação ambiental nas escolas, com a promoção de ações educacionais e culturais em prol da igualdade, respeito ao meio ambiente e à diversidade;
  • Garantia de saneamento básico e água potável às populações mais pobres;
  • Acesso equitativo aos recursos ambientais, parques e espaços verdes; 
  • Regras, leis e penalidades mais rigorosas para empresas que causem danos ambientais;
  • Consulta e inclusão das comunidades afetadas na tomada de decisões relativas a políticas, planos de desenvolvimento, programas e projetos de infraestrutura que afetem suas regiões;
  • Esclarecimentos para a população, do governo e de empresas, sobre os riscos ambientais que podem ser causados por novas instalações em suas áreas; 
  • Denúncias, por parte da população, em relação a empresas que causem danos ao meio ambiente ou à população de determinada área.

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