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Os segredos da Singapura, país com os estudantes mais criativos do mundo

A Singapura é reconhecida internacionalmente pela sua excelência educacional – mas há impasses por trás desse sistema

Por Luccas Diaz
22 jun 2024, 15h00
Aula de informática em escola na Singapura
A atenção às exigências do mercado é apenas uma das bases do ensino singapurense  (Wikimedia Commons/Reprodução)
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Se, neste exato momento, te perguntassem qual você acha ser o país com os estudantes mais criativos do mundo, que nome você responderia? Alguns poderiam chutar uma nação nórdica, um país asiático como Japão e China, ou até mesmo o Brasil. Mas saiba que, de acordo com os dados do PISA (Programa de Avaliação Internacional de Alunos) 2022, a principal avaliação educacional do mundo, todas as respostas anteriores estariam incorretas. No último Teste de Pensamento Criativo aplicado pela organização – que teve seus resultados divulgados na terça-feira (18) –, é a Singapura quem sustenta esse título.

O país saiu na frente no ranking mundial com a maior pontuação média no exame: 41 pontos. Em seguida, está a Coreia do Sul (38 pontos); Canadá (38 pontos); Austrália (37 pontos), e Nova Zelândia (36 pontos). A nota média estabelecida pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a organização por trás do teste, é de 33 pontos – o que faz dos alunos singapurenses 8 pontos acima da média. O Brasil ocupa a 44ª posição, com 23 pontos.

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Esse Teste de Pensamento Criativo faz parte das avaliações trienais que o PISA aplica globalmente para entender como anda o desenvolvimento educacional dos jovens estudantes. A prova é aplicada a candidatos de 15 anos, alunos da rede pública, dos 56 países-membros – o Brasil incluso. Além do teste de criatividade, há perguntas que avaliam habilidades de matemática, ciências e leitura.

Algumas das questões do teste de criatividade foram divulgadas pela OCDE. Por se tratar de algo tão subjetivo como criatividade, as perguntas não possuíam respostas certas ou erradas. Os estudantes foram avaliados a partir da sua originalidade. Em uma questão, por exemplo, lhes pediram para criar um diálogo entre o Sol e a Terra em uma história em quadrinho. Os candidatos precisavam preencher os seis balões de fala disponíveis.

A banca avaliou com a pontuação máxima os estudantes que fugiram dos temas convencionalmente associados a esses dois astros, como calor, temperatura, clima ou estações do ano (com exceção a citações a mudanças climáticas e o aquecimento global). Já respostas tidas como originais incluíram a capacidade da Terra de manter a vida no planeta, os aspectos físicos dos dois corpos (cor, tamanho etc.), reflexões sobre amor e amizade, e conversas sobre outros corpos celestiais.

Mas a partir de tudo isso, o que faz dos alunos de Singapura os mais criativos do mundo? A resposta pode estar no reconhecido sistema educacional do país.

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Correndo atrás do prejuízo

Composta por uma ilha principal e outras 60 menores, a Singapura é um caso intrigante de desenvolvimento tardio. A cidade-Estado conquistou sua independência somente em 1965, quando se desvinculou oficialmente da vizinha Malásia – antes ainda, era uma colônia britânica. De lá para cá, no entanto, aumentou rapidamente os seus índices de economia, desenvolvimento humano e educação. Hoje, ostenta o título de 5º maior PIB per capita do mundo, sendo uma das nações mais ricas do planeta.

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Essa jornada começou já no período de transição da independência, quando a ilha passava por maus bocados: altas taxas de desemprego, infraestrutura limitada e ausência de recursos naturais. Sob a liderança do primeiro-ministro Lee Kuan Yew, a solução foi adotar estratégias ousadas, focadas principalmente na industrialização, desenvolvimento de infraestrutura e atração de investidores estrangeiros.

Para isso, o país iniciou um processo de diversificação de sua economia, concentrando-se em eletrônicos, produtos químicos e serviços financeiros. Assim, não demorou para que se tornasse um dos principais portos do mundo, com um centro financeiro  atrativo para multinacionais e investimentos estrangeiros. A força-motriz por trás de tudo isso, no entanto, tem nome: investimentos na qualificação e educação dos singapurenses.

Lee Kuan Yew, falecido em 2015, costumava dizer: o que um país com poucos aliados e poucos recursos faz? Ele investe em seu maior recurso natural disponível, a população.

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Reformas educacionais

Para que as estratégias de crescimento econômicas fossem eficazes, o governo precisaria olhar para aquilo que tinha de mais abundante: pessoas. Se seu objetivo fosse se tornar um polo econômico, a ilha precisaria, simultaneamente, iniciar um processo intensivo de capacitação e instrumentalização da sua mão de obra interna. Um dos triunfos do desenvolvimento da nação foi olhar para esse cenário como um todo, e não como partes individuais. Para a economia crescer, portanto, era necessário também investir na educação.

Assim, logo após a independência, teve início um longo processo de reparação, com foco na alfabetização e na educação básica. O objetivo era garantir que toda a população tivesse acesso à educação e, assim, diminuir os índices de analfabetismo. Para isso, foram construídas novas escolas e implementados programas de incentivo. Depois, os esforços passaram a se concentrar na capacitação técnica da população, uma vez que a economia local se solidificava como industrializada.

Escolas técnicas e centros de formação profissional sanavam as demandas mais urgentes da economia. Disciplinas alinhadas às áreas da ciência, matemática e tecnologia foram recebendo destaque, ao mesmo tempo que a criatividade era igualmente incentivada nas salas de aula. Com investimentos bilionários, as escolas passaram a oferecer infraestruturas de ponta, incentivando os alunos a conquistarem não somente habilidades acadêmicas, mas também talentos extracurriculares desde cedo.

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O inglês foi integrado oficialmente nas escolas, que se tornaram todas multilíngues. A ilha tem quatro línguas oficiais: inglês, malaio, chinês e tâmil. Até antes da independência, o inglês era usado somente como a língua comercial, para transações internacionais. Ao adicionar o inglês no currículo nacional, o país passou a incentivar o seu uso como a língua comum, preparando os jovens desde cedo para lidar com o mercado global.

Centros de formação profissionais para professores foram abertos – como o Instituto Nacional de Educação de Singapura –, incentivando a formação acadêmica contínua e geração de pesquisas. Uma vez que se tornou reconhecido internacionalmente pelo seu sistema educacional ímpar, o governo passou a fazer parcerias com instituições de ensino de renome, realizando intercâmbios de conhecimento.

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Cultura de alto desempenho

Mais de 50 anos depois do início das reformas educacionais, é possível ver os resultados – não somente na economia, mas também na saúde mental de sua população. Uma forte cultura de desempenho se instalou na ilha: desde cedo, os jovens são incentivados a alcançar a excelência, não apenas nas notas altas, mas também por meio de atividades extracurriculares, como tocar instrumentos e criar pinturas.

Aulas particulares são uma realidade para a maioria dos jovens singapurenses – um mercado que movimenta 1,1 bilhão de dólares anualmente no país. Chega a ser natural os professores em sala de aula irem “além” do currículo escolar, partindo para conceitos mais avançados, uma vez que esperam que os alunos estejam tendo aulas particulares quando estão fora da escola. Além disso, diversos exames nacionais, como o Primary School Leaving Examination (PSLE), classificam as habilidades individuais e influenciam a carreira dos jovens.

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O estresse, a ansiedade e o constante sentido de competição a que os alunos são expostos resultaram em uma epidemia de burnout e depressão que açoita o país há anos. Desde a década de 2010, novas reformas no sistema educacional têm focado no lado holístico dos estudantes, com programas de apoio psicológico, currículos mais equilibrados e diminuição no número de exames.

Ainda assim, é difícil mudar uma cultura tão enraizada na população. A excelência educacional e o altíssimo desempenho dos estudantes em exames como o PISA já se tornaram parte da imagem que a ilha projeta para o mundo. Mas a própria eficácia de avaliações educacionais como essa é motivo de questionamento para alguns especialistas da área.

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Que educação é essa?

“O que é um pensamento original? Como ele se manifesta? De que modo é possível mensurar a originalidade? Mais ainda, uma ideia original e inovadora não seria aquela que apresenta possibilidades para problemas não pensados?”, questiona Filipe Brancalião Alves de Moraes, pesquisador da área de Pedagogia das Artes Cênicas e membro do Comitê São Paulo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

O GUIA DO ESTUDANTE conversou com Brancalião a respeito do teste de criatividade aplicado pela OCDE. Para ele, o formato proposto pelas questões do exame não avalia criatividade e originalidade propriamente, mas sim o que a banca corretora considera como valores criativos. Trata-se, em última instância, dos valores propagados pela própria OCDE.

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“É uma avaliação que estabelece uma valoração acerca do que seja a criatividade, pautando-se em necessidades ligadas ao mercado de trabalho e à construção de soluções ditas ‘criativas’ para problemas cotidianos.” Em outras palavras, ele defende que a avaliação quer avaliar sujeitos empreendedores, com “condições de se destacar em um mercado complexo e competitivo”. Lembra um pouco a história de desenvolvimento de Singapura, certo?

É fato que o país, ao tentar se colocar na economia mundial, investiu na educação da população. Mas essa formação foi pensada nos moldes do mercado de trabalho – e países que não oferecem um ensino nesse padrão, certamente tendem a performar pior em avaliações como o PISA. O especialista destaca ainda que o exame não leva em conta as múltiplas realidades de estudantes ao redor do mundo.

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Apesar dessas contradições, o teste ajuda a revelar as ineficiências no ensino público no Brasil, com a precarização das escolas públicas e da carreira docente.

“Se a legislação brasileira fosse respeitada, os alunos teriam a oportunidade, ao longo de toda a educação básica, de vivenciarem experiências artísticas e pedagógicas que poderiam colaborar com seu desempenho nesse tipo de avaliação, mesmo que profundamente criticável”, avalia, recordando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, que estipula a obrigatoriedade do ensino das das quatro linguagens artísticas (artes visuais, teatro, música e dança).

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