Quem foi Di Cavalcanti, pintor que teve quadro vandalizado em Brasília
O quadro "As mulatas" carrega um forte simbolismo. Conheça a trajetória do pintor que tinha como tema recorrente a mulher brasileira
As Mulatas, quadro de Di Cavalcanti exposto no Palácio do Planalto, foi depredado durante a invasão de vândalos nas sedes dos três poderes em Brasília, no domingo (8). A obra integra uma série realizada pelo pintor modernista que retrata as figuras de mulheres de ascendência africana. As perfurações espalhadas pelo mural, avaliado em R$ 8 milhões, geram mais do que um prejuízo financeiro, mas também carregam um triste simbolismo. Para Cavalcanti, a mulata* era o retrato do Brasil miscigenado.
“Di Cavalcanti permanecerá para sempre como um dos maiores pintores brasileiros, e o que melhor captou um determinado lado do país: o amoroso, o sensual. O largo predomínio da figura humana em sua arte é também uma manifestação de seu humanismo essencial”, escreveu o crítico de Arte Olívio Tavares de Araújo, no livro Pintura brasileira do século XX: trajetórias relevantes.
Apelidado até como “pintor das mulatas”, Di Cavalcanti encontrou uma maneira muito particular de representar a mulher brasileira, sem focar no sofrimento ou na solidão. É possível observar esse olhar em obras como Moças com Violões, Mulheres com Frutas, Mulher e Paisagem, Cinco Moças de Guaratinguetá, Meninas Cariocas, entre outras.
Di Cavalcanti e o Modernismo
Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque Melo nasceu no dia 6 de setembro de 1897 no Rio de Janeiro. Começou sua carreira artística logo cedo, aos 11 anos, quando teve aulas com o pintor Gaspar Puga Garcia. Também foi caricaturista, cronista e escreveu para jornais e revistas da época.
Em 1916, mudou-se para São Paulo para estudar na Faculdade de Direito da USP. Foi na capital paulista que conheceu outros jovens da cena artística como Mário e Oswald de Andrade e idealizou um encontro para recriar uma arte genuinamente brasileira, incluindo ao mesmo tempo novas tendências que já estavam a todo vapor na Europa. O resultado foi a Semana de Arte Moderna, realizada no Theatro Municipal de São Paulo, em fevereiro de 1922.
O evento foi um divisor de águas para a produção cultural brasileira e consagrou o Modernismo como escola oficial no Brasil. O movimento buscava romper barreiras, se desvencilhar do passado e entender qual era a identidade brasileira. Como um de seus principais representantes, Di Cavalcanti usou seus quadros e murais para representar o povo e a cultura nacionais.
Em 1923, o pintor carioca viajou a Paris junto com vários modernistas, entre eles Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Victor Brecheret. Lá ele teve contato com o trabalho de grandes artistas como Picasso e Braque. Mais do que aproveitar as lições vivenciadas no exterior, a experiência intensificou sua visão de um Brasil plural.
Marcelo Bortoloti, autor de uma biografia de Di Cavalcanti a ser publicada pela Companhia das Letras ainda neste ano, diz que o artista fez uma leitura erudita do país ao dialogar com os grandes mestres, seja do passado ou do presente, mas tentando juntar isso com um caldo cultural brasileiro. “Foi um dos que ajudou nessa emancipação da arte brasileira para poder dialogar com o que estava sendo produzido no mundo naquele momento”, afirma Bortoloti.
Suas obras demonstram que, apesar de ter se mudado da cidade natal e até passado um tempo fora, Di Cavalcanti parece nunca ter deixado o Rio de Janeiro. Ao longo da sua carreira, sua produção refletiu cenas do cotidiano carioca, como o carnaval, regado de samba.
Di Cavalcante nos vestibulares
A relevância do Modernismo para a trajetória artística brasileira está na mira dos vestibulares. A reprodução da figura feminina de Di Cavalcanti, por exemplo, foi tema de uma questão do vestibular da UEL (Universidade Estadual de Londrina) em 2017.
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O termo “mulata” passou a ser questionado nos últimos tempos porque carregaria em sua etimologia um sentido racista. De acordo com o Dicionário de expressões (anti) racistas, produzido pela Defensoria Pública do Estado da Bahia, mulato, na língua espanhola, se referia ao filhote macho do cruzamento do cavalo com a jumenta. Durante o período escravagista do Brasil, a palavra passou a ser usada para se referir a filhos de mãe branca e pai negro ou vice-versa – comparando o humano descendente de negros com um animal mestiço. O termo ainda é usado em expressões como “mulata tipo exportação”, que mesmo em tom supostamente elogioso, carrega um sentido que hipersexualiza as mulheres negras desde a época em que as escravas eram objetificadas no período colonial. Na obra “Racismo Recreativo”, o jurista e professor Adilson Moreira defende que as palavras transmitem valores culturais que não deixam de propagar sentidos depreciativos só porque o falante não teve a intenção.
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