A urbanização está acontecendo no mundo em um ritmo e em uma escala sem precedentes. A previsão é que até 2050, 6,5 bilhões de pessoas em todo o mundo vivam nas cidades. Os que vivem nas zonas urbanas têm, em princípio, mais acesso a empregos e serviços, como transporte, educação, saúde e saneamento. No entanto, o rápido crescimento das cidades, principalmente nos países em desenvolvimento, sem o planejamento que seria necessário, leva a um colapso na oferta desses serviços, a uma piora na qualidade de vida da população e a situações de extrema desigualdade social urbana.
Para enfrentar esses desafios, representantes de mais de 160 países se reuniram em Quito, no Equador, em outubro de 2016, durante a Habitat III – Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável. O encontro consolidou o documento Nova Agenda Urbana, que reúne as diretrizes que guiarão as políticas públicas (ações do governo) para as cidades pelos próximos 20 anos.
Entre elas estão a igualdade de oportunidades para todos, o direito à moradia adequada, o aumento da utilização de energias renováveis, a redução das emissões de carbono para conter o aquecimento global, sistemas de transporte mais ecológicos, a gestão sustentável dos recursos naturais e o planejamento de espaços públicos.
Várias dessas disposições relacionam-se aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), série de 17 medidas propostas pela ONU, em 2015, com o objetivo de reduzir a pobreza e a desigualdade. Elas substituem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). A proposta de número 11 da ODS, por exemplo, prevê tornar as cidades e os assentamentos humanos mais inclusivos, seguros e sustentáveis.
Direito à cidade
Um dos temas mais discutidos durante a conferência organizada pela ONU em Quito foi o direito à cidade – a possibilidade de todos os cidadãos de uma determinada área urbana terem acesso a bens e serviços (como saúde, educação, segurança e transporte) de qualidade e ao espaço público (como praças, escolas, centros de lazer e de cultura, postos de saúde), de modo a garantir uma vida minimamente digna.
Quando isso não ocorre, a desigualdade social urbana se manifesta de diferentes formas. Uma das mais visíveis é a segregação socioespacial, ou seja, a concentração de diferentes grupos sociais em determinadas áreas da cidade – os que têm maior poder aquisitivo ocupam as regiões mais centrais e com maior disponibilidade de serviços públicos, enquanto os mais pobres são empurrados para os bairros periféricos, muitas vezes para moradias precárias ou favelas.
É justamente em relação à habitação e ao transporte que essa segregação é mais perceptível, já que a localização determina, em boa parte, o acesso das famílias aos bens e serviços públicos. Quanto mais próximo do centro, maior a oferta e maior a qualidade desses recursos. Quanto mais distante, além da difculdade do acesso a esses serviços, ocorre um dispêndio maior de tempo e de gastos com deslocamentos, comprometendo não só a renda, mas também a qualidade de vida dessas populações.
Déficit habitacional
Cerca de 1 bilhão de pessoas vive em favelas ou moradias impróprias em aproximadamente 100 mil cidades do mundo. A ONU estima que esse número triplicará até 2030. No Brasil, ainda é elevado o chamado défcit habitacional – a necessidade de construir novas moradias. A carência é de 6 milhões de residências, o que corresponde a 9% do total atual do país, segundo dados apurados pela Fundação João Pinheiro, de 2014. No cálculo do défcit habitacional são considerados os componentes a seguir:
- Habitações precárias: domicílios rústicos, sem paredes de alvenaria ou madeira aparelhada; e improvisados, como imóveis comerciais e habitações embaixo de pontes e viadutos;
- Coabitação familiar: famílias que dividem a moradia com outras;
- Gasto excessivo com aluguel: comprometimento de 30% ou mais da renda de famílias que dispõem de até três salários mínimos por mês;
- Excesso de moradores: domicílios alugados com mais de três pessoas por quarto.
Além da situação de déficit habitacional, a Fundação João Pinheiro aponta a existência de outros 11,2 milhões de domicílios considerados inadequados devido à carência de pelo menos um tipo de serviço de infraestrutura essencial, como eletricidade, água tratada ou coleta de esgoto.
Um dos fatores que contribuem para o crescimento do número de moradias inadequadas e a expansão das favelas é a especulação imobiliária. Ela ocorre a partir da valorização de um terreno ou imóvel com investimento privado, cujo objetivo é aumentar seu preço fnal. Essa especulação também surge como efeito secundário de obras públicas de melhoria dos entornos e do crescimento da oferta de serviços urbanos, como comércio 24 horas e shopping centers, por exemplo.
Com o aumento do valor de aluguel e de impostos públicos, muitas famílias com menor poder aquisitivo são forçadas a deixar suas casas e mudar-se para bairros periféricos. Nas áreas que deixaram são construídos grandes empreendimentos, como condomínios residenciais, edifícios comerciais e shoppings centers. Esse fenômeno é conhecido como gentrificação.
Em resumo, a gentrifcação é o processo de valorização imobiliária que leva à expulsão das famílias de renda mais baixa.
Urbanização é o processo de formação ou de ampliação de áreas urbanas, em contraposição às áreas rurais. as regiões urbanas caracterizam-se por terem alta densidade populacional, pela predominância de atividades econômicas relacionadas à indústria, ao comércio e aos serviços, e pela existência em quantidades maiores de equipamentos públicos de uso coletivo, como escolas, hospitais, delegacias e parques. Os conceitos de zona urbana são diferentes no brasil e no mundo. a maioria dos países desenvolvidos considera zona urbana uma aglomeração na qual 85% da população vive em uma área com densidade superior a 150 pessoas por quilômetro quadrado. o brasil considera zona urbana toda sede de município e de distrito, não importando a concentração populacional do lugar. isso faz com que as comparações entre a taxa de urbanização do brasil e a de outros países sejam limitadas.
Transporte precário
Outra consequência da segregação socioespacial é a necessidade das pessoas que vivem nas regiões periféricas de percorrerem grandes distâncias, geralmente em direção às áreas mais centrais, para poder trabalhar ou estudar. Muitas vezes, esses deslocamentos ocorrem não só dentro da mesma cidade, mas de um município para outro, com a pessoa retornando ao seu local de origem ao final do dia – daí a denominação de movimentos pendulares.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografa e Estatística (IBGE), 7,4 milhões de brasileiros vivem essa realidade.
Nas metrópoles brasileiras, o sistema de transporte público está longe de atender à demanda, devido à falta de planejamento e à prioridade que foi dada ao automóvel durante muito tempo. O crescimento das frotas de ônibus não acompanhou o de usuários. Os ônibus realizam percursos demorados e extensos, o que implica superlotação e longa espera dos usuários nos pontos de parada. Não houve investimento em transporte ferroviário, enquanto o metroviário foi iniciado tardiamente.
As linhas de metrô começaram apenas a partir dos anos 1970, na cidade de São Paulo – atualmente, são cerca de 80 quilômetros. Para efeito de comparação, Nova York oferece mais de 410 quilômetros de linhas de metrô. Somente outras sete capitais brasileiras contam com metrô, mas com extensão ainda menor que o metrô paulistano: Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Fortaleza (CE), Rio de Janeiro (RJ), Recife (PE), Salvador (BA) e Teresina (PI).
Como resultado, tivemos uma explosão no uso de automóveis, com o aumento da poluição e do tempo gasto no trânsito – principalmente para aqueles que moram longe das áreas centrais. Os altos custos do transporte também impactam no bolso dos trabalhadores, que despendem parte importante do salário com a locomoção. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em 2013, para os 10% mais pobres da população, esse gasto corresponde a 13,5% da renda familiar, enquanto que para todos os níveis de renda equivale a 3,4%.
Há diferenças nos conceitos relacionados às cidades. Confira os principais:
• Metrópoles: cidades que exercem influência econômica, cultural, científica e social em sua região e até em todo o território nacional. Caracterizam-se pela presença de grandes empresas, órgãos da administração executiva e do Poder Judiciário e pela oferta de serviços de saúde e educação de nível superior.
• Megacidades: cidades com 10 milhões ou mais de habitantes. são Paulo é a única megacidade do país, com mais de 11 milhões de moradores. se considerada a área conurbada (Região Metropolitana), é uma megacidade com 21 milhões de pessoas.
• Megalópoles: formadas a partir da conurbação de várias metrópoles ou regiões metropolitanas. Possuem forte integração econômica e intenso fluxo de pessoas e mercadorias. Localizam-se, sobretudo, em países desenvolvidos. Destacam-se BosWash (corredor unindo metrópoles entre Boston e Washington), nos Estados Unidos, e tokkaido (entre tóquio e Hokkaido), no Japão.
• Metacidades: cidades com mais de 30 milhões de habitantes. Tóquio é a única metacidade do mundo.
• Cidades globais: ao contrário dos conceitos de metacidade e de megacidade, a definição de cidade global não considera o número de habitantes, mas sim sua influência global e a presença de determinadas características, como sediar grandes companhias, serviços urbanos sofisticados, centros de pesquisa de alta tecnologia e diversidade de redes de transportes. São exemplos Londres e Paris.
Histórico da urbanização
A urbanização, tal como a conhecemos hoje, é um fenômeno contemporâneo com origem na Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra a partir do século 18. A expansão da atividade industrial criou empregos na zona urbana, em construção, comércio e serviços, o que levou a população da área rural a migrar cada vez mais para as cidades em busca de melhorias nas condições de vida.
Em 1950, apenas 1/3 da população mundial vivia em áreas urbanas, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU). Hoje, metade da população do planeta mora em cidades e, se mantido o ritmo atual, essa proporção deverá atingir 66% em 2050. O mundo deverá ter, então, 2,5 bilhões de pessoas a mais vivendo em áreas urbanas. Nos países desenvolvidos, esse processo foi mais lento e houve maior planejamento no crescimento das cidades, com projetos de aumento da infraestrutura e de oferta de serviços públicos.
Nos países em desenvolvimento, a industrialização e a urbanização ocorreram mais rapidamente somente depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Por passarem por esse processo tardiamente, as nações da América Latina se urbanizaram de forma muito acelerada, processo que está agora ocorrendo em países da África e da Ásia.
O resultado é um colapso dos serviços urbanos, que não podem ser ampliados na velocidade necessária, e piora nas condições de vida dessas populações. Um em cada três moradores de cidades nos países em desenvolvimento mora em bairros pobres ou miseráveis, segundo a ONU.
Atualmente, as regiões mais urbanizadas do mundo estão na América do Norte, América Latina e Europa. África e Ásia ainda se mantêm predominantemente rurais. Porém, os dois continentes têm apresentado as maiores taxas de crescimento de urbanização e quase 90% dos 2,5 bilhões de novos habitantes das cidades que o mundo ganhará até 2050 estarão lá, sobretudo na Índia, China e Nigéria.
Tipos de cidades
Quase a metade dos habitantes do planeta mora em cidades relativamente pequenas, com menos de 500 mil habitantes. Em contrapartida, apenas 12% das pessoas vivem em megacidades – cidades com 10 milhões ou mais de habitantes que formam aglomerações urbanas com outras. Em 1990, havia dez dessas aglomerações. Hoje, esse número subiu para 28.
Tóquio, no Japão, é a aglomeração urbana mais populosa do mundo, com 38 milhões de habitantes, seguida por Délhi (Índia), com 25 milhões, e Xangai (China), com 23 milhões. Com cerca de 21 milhões de habitantes estão as aglomerações da Cidade do México, Mumbai (na Índia) e a Região Metropolitana de São Paulo.
Até 2030, deverão surgir 12 novas megacidades. E, ao contrário de décadas atrás, em que elas predominavam nas regiões desenvolvidas, hoje elas estão crescendo nas regiões menos desenvolvidas e em países em desenvolvimento, como Daca, em Bangladesh, e Lagos, na Nigéria.
Histórico no Brasil
A urbanização em nosso país teve como principal propulsor as políticas desenvolvimentistas de Getúlio Vargas, que atraiu trabalhadores para a cidade a partir dos anos 1950. Além disso, a mecanização na agricultura, que reduziu o uso de mão de obra, e a falta de políticas destinadas a fxar o lavrador na terra, como a reforma agrária, provocaram o êxodo rural e o inchaço das cidades.
Após esse impulso, o processo de urbanização deu um enorme salto. Dados de 2015 do IBGE indicavam que cerca de 85% dos brasileiros moravam em cidades. Essa proporção era de apenas 45% em 1960. O aumento da urbanização e a ampliação da área das cidades levaram ao surgimento de importantes fenômenos:
- Conurbação: é o processo pelo qual as áreas de municípios diferentes se encontram, formando uma única mancha urbana. Os limites entre municípios vizinhos – ou entre municípios e seus subúrbios – se estreitam e desaparecem. Esse fenômeno surgiu no Brasil nos anos 1970 e deu origem às atuais regiões metropolitanas.
- Região metropolitana: é a decretação administrativa de cidades conurbadas e que passaram a compartilhar problemas comuns, como transporte ou poluição. Desde a Constituição de 1988, a criação dessas regiões cabe aos governos dos estados, não existindo um critério comum válido para todo o país. Em 2016, o país contava com 70 regiões metropolitanas. As 26 com população superior a 1 milhão de habitantes reuniam quase a metade dos brasileiros.
- Arranjos populacionais: são agrupamentos de dois ou mais municípios onde há grande integração populacional devido à conurbação e aos movimentos pendulares da população. Segundo estudo divulgado em 2015 pelo IBGE, o país conta com 294 arranjos, formados por 938 municípios. São Paulo desponta como a maior concentração urbana do país, reunindo 39 municípios e 21 milhões de habitantes.
Tendência
Uma mudança recente é a diminuição no ritmo de crescimento das maiores concentrações urbanas. Entre 1970 e 2010, quase todas as grandes cidades e capitais estaduais do país registraram decréscimo em seu ritmo de crescimento da população. Em contrapartida, há um aumento mais signifcativo nas populações das cidades de tamanho médio, com população entre 100 mil e 500 mil habitantes. Esses municípios, muitas vezes, reproduzem o processo de aglomeração no seu entorno, agregando as cidades vizinhas.
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