Dificilmente algum brasileiro não concordaria que a corrupção se tornou um tema de debate recorrente em nossas vidas. Frases como “político é tudo assim mesmo”, “só no Brasil para esse tipo de coisa acontecer” e “sempre foi e sempre vai ser assim” não são inesperadas em almoços em família, mesas de bar e redes sociais. Mas será que isso é um fenômeno exclusivamente brasileiro?
A corrupção é crime no Brasil?
No Brasil, segundo o Código Penal e a Lei nº 12.846/2013, corrupção política consiste em uma série de crimes previstos contra a administração pública, tais como abuso de poder, falsificação de papéis públicos, lavagem de dinheiro, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, suborno e nepotismo.
É muito complicado chegar a um valor preciso de quanto dinheiro é desviado pelo Brasil anualmente, mas diferentes fontes apontam para estimativas de centenas de bilhões de reais, variando entre entre 2% e 10% do PIB brasileiro.
Diversos mecanismos de prevenção e combate à corrupção vem sendo adotados no país nas últimas décadas, tais como a criação da Controladoria Geral da União (CGU), em 2003, e do Portal da Transparência, em 2004. Uma das medidas mais significativas nesse sentido consiste na Lei de Acesso à Informação, a qual entrou em vigor em 2012 e garante o acesso de qualquer cidadão à informação sobre dados, registros e procedimentos públicos.
Esforços internacionais no combate à corrupção
Um olhar mais atento às notícias internacionais nos mostra que o número de investigações criminais envolvendo figuras públicas está longe de ser ignorado. Aliás, acordos de cooperação regional voltados ao combate da corrupção vinham sendo assinados desde 1996 até a promulgação da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, em 2003.
Os artigos mais importantes tratam da prevenção à corrupção, penalização e aplicação da lei – não somente ao setor público, mas também ao setor privado -, recuperação de ativos (bens, valores, créditos, ações e títulos enviados ao exterior de forma ilegal) e cooperação internacional nos esforços anticorrupção. Em 2009, após a conferência dos Estados signatários desta convenção (dos quais não fazem parte apenas 15 membros das Nações Unidas, tais como Mônaco, Somália, Suriname e Coreia do Norte), foi criado um mecanismo de monitoramento da sua implementação para avaliar se os Estados estão cumprindo suas obrigações.
Quais os países mais corruptos do mundo?
Segundo o Índice de Percepção de Corrupção da Transparency International, publicado anualmente desde 1995, a média global de corrupção no mundo em 2018 foi de 43 em uma escala de 0 (altamente corrupto) a 100 (altamente transparente) – sendo que a nota máxima atribuída foi 90 e a mínima, 10. Isso indica a condição endêmica da corrupção nos setores públicos de todas as regiões do mundo.
Os 5 países mais transparentes são:
- Em 1º lugar está a Dinamarca (88)
- Em 2º lugar está a Nova Zelândia (87)
- E em 3º lugar estão empatadas a Finlândia (85), Singapura (85) a Suécia (85) e a Suíça (85).
Nas Américas, quem lidera o ranking é o Canadá (82), seguido dos Estados Unidos (74), do Uruguai (71), das Bahamas (66) e do Chile (66).
Os 5 países mais corruptos são, em ordem decrescente:
- A Coreia do Norte (14);
- O Iêmen (14);
- O Sudão do Sul (13);
- A Síria (13);
- A Somália (10) – o mais corrupto;
Nas Américas, quem ocupa o pior lugar no ranking é a Venezuela (18), seguida do Haiti (20) e da Nicarágua (25).
O Brasil encontra-se em 105º lugar dentre os 176 países analisados, com a pontuação 35, abaixo dos seus 37 pontos em 2017.
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O relatório também deixa clara a relação entre corrupção e desigualdade social. Segundo a Transparency International, em consonância com diversos trabalhos acadêmicos da área, existe um ciclo vicioso em que a corrupção gera uma distribuição desigual de poder na sociedade, o que, por sua vez, leva a uma distribuição desigual de riqueza e oportunidades. Esta dinâmica acabaria prejudicando a confiança dos cidadãos na sua própria democracia, voltando-se para líderes políticos que prometem quebrar o ciclo de corrupção, mas que, no entanto, acabam frequentemente aumentando, e não resolvendo, a tensão produzida pelo descontentamento popular.
Quais os maiores escândalos de corrupção no mundo?
Um dos maiores problemas é que os casos de corrupção impactam negativamente na credibilidade da democracia e estão geralmente relacionados à falta de transparência e ao nível de desigualdade social dos países onde ocorrem, como aponta a Transparency International. Esta ONG, sediada em Berlim, organizou uma lista dos maiores escândalos de corrupção no mundo, baseada em votação popular, bem como no impacto destes casos sobre os direitos humanos.
Lista “Desmascare os Corruptos”, sobre os maiores casos de corrupção no mundo, segundo a Transparency International.
1. A fortuna do ex-presidente ucraniano Viktor Yanukovych (2010-2014)
Responsável pelo desvio de milhões de dólares em apropriação indébita (o valor é incerto devido ao seu caráter ilícito) e contratos irregulares com diversas empresas durante seu mandato. Declarando cerca de 5.000 dólares de renda mensal em 2006, sua propriedade de 137 hectares contava com um zoológico particular, um campo de golfe, um spa e mais de 2 bilhões de dólares em móveis e outros artigos de luxo em 2013, enquanto a renda per capita da Ucrânia neste ano era menor que 4.000 dólares.
Foi deposto em 2014, após a repressão de protestos que vinham desde 2013 e deixaram mais de 70 manifestantes e 20 policiais mortos, além de mais de 500 pessoas feridas. Fugiu para a Rússia logo após sua deposição e chegou a ser incluído na lista da Interpol de mais procurados em 2015, mas conseguiu entrar com uma ação para ser retirado desta em 2016.
2. Petrobras (2014)
Descoberto durante a Operação Lava-Jato, o caso diz respeito a 6,2 bilhões de reais em propinas, subornos, desvio de dinheiro e demissões em massa na estatal petrolífera brasileira entre 2004 e 2012. O escândalo envolveu mais de 50 políticos atuantes e 23 empresas, dentre elas empreiteiras conhecidas por exportar práticas corruptas para outros países.
Executivos de mais de 20 construtoras inflaram o valor dos serviços prestados à Petrobras, canalizando fundos para as contas dos diretores e empresários da petrolífera, além de sua conexão com partidos políticos. As investigações contribuíram para a atual crise econômica em que o país se encontra, além de ser responsável pela destruição de milhares de empregos. A maior parte dos grandes empresários e elite política do país envolvidos segue impune.
3. FIFA (2015)
Envolvendo a acusação de roubo de até 150 milhões de dólares pelos dirigentes do órgão responsável pelo futebol mundial através de 81 casos investigados. A Federação Internacional de Futebol (FIFA) é acusada de redes de cúmplices, lavagem de dinheiro e suborno em todos os continentes. As Copas do Mundo geram receitas que excedem 5 bilhões de dólares e, uma vez que a FIFA é isenta de supervisão legal, há pouca transparência em relação ao emprego desses recursos.
As prisões em 2015 por parte da polícia suíça foram seguidas de uma investigação pelo FBI a vários outros funcionários e executivos. Outra investigação liderada pelo governo suíço que está em andamento é relativa à lavagem de dinheiro envolvida nas candidaturas da Rússia e do Qatar para as Copas de 2018 e 2022, respectivamente.
4. Os desvios do ex-presidente panamenho Ricardo Martinelli (2009-2014)
Através de mais de 200 casos de investigação, o ex-presidente do Panamá e seus aliados foram acusados de roubar mais de 100 milhões de dólares dos cofres públicos. As investigações dizem respeito igualmente à abuso de informação comercial privilegiada, suborno, apropriação indevida de fundos públicos, abuso de poder e escutas ilegais.
Em 2012, mais de 26% da população do Panamá vivia com menos de 4 dólares por dia – se a quantia estipulada for confirmada, isso significa que centenas de milhares de crianças e adultos em situação de vulnerabilidade teriam sido privados de seus direitos básicos. Somente este ano a Interpol conseguiu prender o ex-presidente em sua residência na Flórida por espionagem ilegal, dias após ele anunciar sua candidatura para presidência no Twitter.
5. O inatingível senador dominicano Felix Bautista (2010-atualidade)
Conhecido por ser bem-conectado politicamente, as acusações de abuso de poder, lavagem de dinheiro, prevaricação e enriquecimento ilícito ao atual senador parecem não sair do papel. Durante a década de 1990, o atual senador foi nomeado para diversos cargos públicos, tornando-se Chefe do Gabinete dos Engenheiros Supervisores das Obras Públicas, posição ocupada até 2010.
Ao comparar suas declarações de renda com os valores que, de fato, entravam em sua conta, o Ministério Público dominicano descobriu, em 2014, que Bautista havia criado uma rede de mais de 35 empresas controladas por ele mesmo, as quais ele usava para ter acesso a contratos públicos. Movimentando mais de 100 milhões de dólares através de contas na República Dominicana, o senador adquiriu mais de 150 propriedades, dentre elas apartamentos de luxo e fábricas de asfalto, bem como jatos privados e estações de rádio.
A acusação parecia inabalável, até que, em 2015, o caso foi encerrado por uma juíza do Supremo Tribunal (membro do mesmo partido político de Bautista) por insuficiência de provas. Embora a Procuradoria Geral e a sociedade civil tenham protestado, a juíza manteve sua decisão e Bautista continua em liberdade.
6. O sistema político libanês
O Líbano sofre de corrupção sistêmica em seu governo, instituições e serviços públicos, frequentemente causada pela sua relação com o setor privado. O país conta com um sistema político confessional, segundo o qual todos os grupos religiosos do país teriam sua representação garantida no Parlamento, possibilitando acordos livres de partilha de poder entre as elites. Há uma complexa relação enraizada entre as elites governantes e o restante da população, baseada em redes clientelistas informais, que contribuem para a estagnação das instituições reguladoras do Estado frente ao combate à corrupção.
Apontado como um dos gatilhos para as revoltas de 2015 no país, está o caso da empresa de coleta de lixo Sukleen, a qual recebia cerca de 5 milhões de dólares do governo libanês anualmente em tarifas excessivas, enquanto permitia o grande acúmulo de lixo nas ruas de Beirute.
7. Fundação chechena Akhmad Kadyrov (2007-atualidade)
O atual presidente da Chechênia, Ramzan Kadyrov, governa com imunidade completa. É acusado de faturar mais de 60 milhões de dólares por mês, apesar de declarar renda de apenas 75 mil dólares, enquanto 80% da população chechena vive abaixo da linha da pobreza.
A fundação Ahmad Kadyrov foi criada em 2004 para o desenvolvimento econômico-social da região após a guerra civil, mas sua arrecadação já foi utilizada pelo atual presidente até para comprar jogadores de futebol para a seleção chechena, construir um zoológico particular e promover festas para astros de Hollywood.
8. A superfaturação do ex-presidente tunisiano Zine Al-Abidine Ben Ali (1989-2011)
A estimativa de renda do ex-presidente e seus aliados consistia em algum valor entre 1 e 2,6 bilhões de dólares nos últimos 7 anos de seu mandato, segundo pesquisa do Banco Mundial em 2015. Em controle de aproximadamente 20% dos lucros empresariais tunisianos, o ex-presidente renunciou após os protestos organizados durante a Primavera Árabe.
Apesar de ter negado possuir contas no exterior, fundos ligados ao ex-presidente já foram encontrados no Canadá, na União Europeia, no Reino Unido e na Suíça – as autoridade suíças já iniciaram o processo de devolução de cerca de 40 milhões de dólares que estavam guardados em uma destas contas para o governo tunisiano. Entretanto, o governo da Tunísia vem trabalhando em um acordo de anistia que pode vir a atuar em favor do ex-presidente, o que acabou gerando novos protestos.
9. O estado de Delaware nos Estados Unidos
Devido aos baixos impostos, leis estritas de sigilo e sem a necessidade de informar dados sobre a empresa, o estado tornou-se um tipo de paraíso fiscal para empresários e contrabandistas do país inteiro. Quase metade das corporações públicas nos Estados Unidos estão incorporadas em Delaware – em 2012, o estado já possuía mais corporações (tanto públicas como privadas) do que pessoas. Devido à facilidade do processo de abertura de empresas no estado, o número de empresas fantasma utilizadas para reverter lucros de atividades ilegais é cada vez maior.
Conclusão
Contrariamente ao que se possa pensar, a corrupção política não é um fenômeno estritamente brasileiro. A falta de transparência e o abuso de poder público pode ser identificado em diversos países em todos os continentes, frequentemente acompanhado de índices altos de desigualdade social, baixa credibilidade nos valores democráticos e violação de direitos humanos.
As iniciativas de combate à corrupção no âmbito internacional vem sendo desenhadas há décadas. Entretanto, é imprescindível que os países incorporem à sua própria legislação nacional ferramentas de combate que dialoguem diretamente com as particularidades de sua conjuntura política e socioeconômica.
No caso do Brasil, a década de 2000 foi marcada por diversos avanços no sentido de aumentar a transparência das atividades e processos políticos – este talvez seja, inclusive, um dos motivos pelo qual os brasileiros estejam com uma percepção de que vivemos um momento inédito de corrupção exacerbada, quando, na verdade, o que se pode observar é um momento em que os casos de corrupção estão finalmente sendo discutidos e julgados abertamente.
Fontes:
Convenção das Nações Unidas sobre corrupção; Documento: Convenção das Nações Unidas sobre corrupção; Transparency Internacional; Unmask the Corrupt; Lei brasileira contra a corrupção; Estudo sobre o impacto da corrupção – Brasil; Isto é – Brasil perde 200 bilhões por ano com corrupção, diz MPF; Lei de Acesso à Informação – Governo Federal; Cartilha ONU 2016 – convenção sobre corrupção; Países signatários da convenção da ONU; Corrupção e desigualdade – Transparency.org; Transparency.org – Índice de percepção da corrupção – 2016; Caso corrupção Ucrânia; Operação Lava Jato: Petrobras – El País; Prejuízo Petrobras – El País; O Globo – Diretores presos na Lava Jato; Lava Jato – lista de envolvidos – R7; Petrobras suspende negócio com 23 empresas – El país; The Guardian – protestos Ucrânia; El País – caso Fifa; BBC – caso Fifa; BBC – entenda caso Fifa; G1 – caso Panamá; Tico Times – presidente do Panamá; Felix Batista – Issuu; Documento: acusação Felix Batista; Caso corrupção República Dominicana – Insight Crime.org; Acento – Felix Batista; Dominican Today – Suprema Corte senador Batista; Estadão – A república do lixo (Líbano); The Guardian – Putin’s closest ally and biggest liability; World Bank – Political Connections and Tariff Evasion Evidence from Tunisia; Foreign Policy – Protest in Tunisia; ICTJ – Tunisia’s Reconciliation Bill; NY Times – Delaware as a corporate tax haven; ICIJ – lobby groups see right through states financial transparency attempt.