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Entenda como funciona o Estatuto da Criança e do Adolescente

Antes do ECA, crianças e adolescentes não eram vistas como pessoas, nem culturalmente nem pelo próprio ordenamento jurídico

Por Carla Mereles, do Politize!
23 ago 2017, 18h08
Entenda como funciona o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Politize!/Politize!)

Você sabia que crianças eram consideradas adultos em miniatura? Essa era uma concepção social e cultural no Brasil, que foi mudando aos poucos e, principalmente, por conta do Estatuto da Criança e do Adolescente. O estatuto define uma série de direitos e deveres para as crianças e adolescentes brasileiros. Vamos conhecê-los?

Entenda como funciona o Estatuto da Criança e do Adolescente
Caminhada pelos 27 anos do ECA, em Salvador (Prefeitura de Salvador/Fotos Públicas)

O que é o Estatuto da Criança e do Adolescente?

Em 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, crianças e adolescentes passaram a ser considerados pessoas. Foi preciso esse pequeno livro, com regras, direitos e deveres, para dispor a respeito de princípios básicos às crianças e adolescentes brasileiros. O estatuto nada mais é que uma Constituição que prevê a eles todos os direitos humanos fundamentais, como à educação, ao lazer, à dignidade, à saúde, à convivência familiar e comunitária, aos objetos pessoais.

O estatuto inovou ao trazer num conjunto de leis próprias do país, os princípios aprovados na Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovado e assinado pelo Brasil na ONU em 1989. À época, foi considerado um conjunto de leis progressista, tornando-se referência aos outros países da América Latina ao colocar a infância e adolescência na agenda política nacional, como um assunto urgente a ser tratado e discutido.

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Qual a sua importância para as crianças e adolescentes brasileiros?

Começamos o texto dizendo que crianças e adolescentes não eram vistos como sujeitos – e isso é verdade. O Estatuto da Criança e do Adolescente foi uma verdadeira revolução sobre a maneira que essas pessoas eram enxergadas no país; antes dele, não eram vistas como pessoas, nem culturalmente nem pelo próprio ordenamento jurídico, ou seja, pelas leis. Essa foi a primeira mudança drástica trazida pelo estatuto: as crianças e adolescentes passariam a ser sujeitos de direitos – ou seja, resguardados pelas leis brasileiras – e na condição de pessoas em desenvolvimento.

Portanto, crianças e adolescentes passaram a ter direitos e usufruir propriamente deles, com as ressalvas necessárias ao considerá-las sujeitos em desenvolvimento. Um dos pontos mais polêmicos do estatuto até hoje é a proibição da tortura em qualquer medida, inclusive a famosa “palmada”. O artigo 18 é claro: “a criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto”, seja pelos pais, professores, membros familiares ou qualquer outra pessoa. Essa medida, por mais polêmica que seja, foi meramente conceder à criança e ao adolescente o status de pessoa, já que o Código Penal (de 1940) já vetava qualquer forma de agressão e tortura entre seres humanos.

Havia no Brasil uma segregação clara entre crianças e adolescentes de famílias com boas condições financeiras, de classe média e classe média alta, socialmente inclusos e aqueles à margem da sociedade, socialmente excluídos. Esses eram chamados de menores e estavam inclusos no Código de Menores, uma lei que tratava com força policial os “menores”, adolescentes considerados de “segunda classe”. O que o estatuto fez foi, além de banir o termo “menor” em qualquer circunstância, ser universal ao incluir todas as crianças e adolescentes nas suas normas, independente de sua origem, cor, crença, religião, classe social, situação econômica e familiar.

Código do menor: As crianças e adolescentes abandonados e a tutela do Estado

A lei que falava sobre o tratamento com a criança e o adolescente antes do estatuto era o Código do Menor, que valia aos “adolescentes de segunda classe”, chamados de “menores”. Herança da ditadura militar, o código levava ao tratamento com crianças e adolescentes a sua ideologia de vigilância, com políticas de fiscalização e, muitas vezes, tortura.

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Os chamados “menores abandonados”, que cometiam delitos, faziam uso de drogas ou estavam envolvidos com o tráfico nas comunidades, estavam sujeitos a essas políticas de repressão. Além disso, a qualquer momento poderiam ser retirados de suas famílias por decisões dos juízes de família, que eram a autoridade máxima sobre o assunto.

Nesses casos, as crianças e adolescentes passavam a ficar sob a tutela do Estado e eram enviados a abrigos e orfanatos. Uma vez institucionalizados, não haveria muita perspectiva a eles: sob os cuidados do Estado, seria difícil a reintegração na sua própria família ou mesmo em famílias adotivas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente mudou essa perspectiva ao garantir uma prioridade à vida das crianças e dos adolescentes: a convivência familiar. Entendeu-se que, como seres em desenvolvimento, lhes é essencial uma estrutura familiar saudável e convívio harmonioso, o que deve estar em primeiro plano.

Hoje, é uma prioridade que crianças e adolescentes permaneçam em suas famílias e, quando houver problemas e situações excepcionais, que sejam atendidas por assistentes sociais, visando a resolver os problemas dentro daqueles núcleos familiares. Só então, quando todas as chances forem gastas, que crianças e adolescentes podem ser retiradas de seus lares – pela sua própria segurança e bem-estar. O Estatuto previne decisões arbitrárias e autoritárias dos juízes sobre o destino dessas crianças – no geral, pobres, órfãs, infratoras ou abandonadas.

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Como era a situação da criança e do adolescente antes e depois do Estatuto?

Em quase trinta anos de existência, a situação das crianças e adolescentes brasileiros melhorou muito. Infelizmente, antes da criação do estatuto, não eram feitas pesquisas nem levantamentos sobre essa situação e, por isso, as comparações são difíceis de serem feitas. Culturalmente, a avaliação é de uma mudança drástica: os antes chamados “menores infratores”, mostrados pela mídia com tarjas nos olhos, passariam a ter sua imagem preservada e maior atenção das políticas públicas do Estado, em saúde e educação, principalmente.

Os números de crianças e adolescentes no país vem diminuindo com relação à população em geral, devido ao fenômeno de envelhecimento: aumento da qualidade de vida e diminuição da taxa de natalidade. De qualquer maneira, ainda são 59,7 milhões de pessoas com até 18 anos (censo de 2010), uma parcela significativa da população brasileira. O Fundo das Nações Unidas para a Infância preparou um relatório sobre os 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, balizando as mudanças que ele trouxe à realidade brasileira. Vamos entendê-lo?

Criminalidade

Como se sabe, a Constituição Federal prevê que somente pessoas maiores de 18 anos, adultos, sejam presos por algum crime que cometeram. O modelo apresentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente se chama modelo de responsabilização penal: caso um adolescente entre 12 e 18 anos tenha cometido algum ato infracional, ele será responsabilizado de maneira proporcional ao que cometeu.

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Outro fator importante a ser destacado foi a criação de medidas socioeducativas aplicadas a adolescentes que tenham cometido alguma infração, como: advertência verbal; obrigação de reparar o dano, no caso de dano ao patrimônio – só é aplicada quando o adolescente tem condição financeira de arcar com esse custo; trabalhos comunitários: tem tempo máximo de 6 meses, sendo 8 horas semanais, sem atrapalhar estudos ou trabalhos, ficando seu cumprimento possível para feriados e finais de semana.

Para atos infracionais mais graves, há outras penas possíveis, sendo a última delas internação – aplicada em caso de “brevidade”, sem ter um tempo de sentença decretado (mínimo de 6 meses e máximo de 3 anos) e em caso de excepcionalidade, com infrações como estupro, roubo, homicídio, entre outros. Os adolescentes são levados para um internato de reabilitação social, a atual Fundação CASA.

Mortalidade infantil

O Brasil é um país referência em termos de mortalidade infantil, pois conseguiu reduzi-la abruptamente em um curto espaço de tempo. Entre 1990 e 2012, a taxa caiu 68,4%, chegando a 14,9 mortes para cada 1.000 nascidos vivos, de acordo com o Ministério da Saúde. Esse número é bastante próximo do nível considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 10 mortes por 1.000 nascidos vivos. Isso se deve à implementação de políticas públicas na área da saúde, buscando o atendimento de gestantes, a prevenção de doenças e a universalização do acesso a vacinas, como o exemplo da campanha do Zé Gotinha, uma vacina contra a paralisia infantil (poliomelite).

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Trabalho infantil

As crianças e adolescentes que realizam trabalho infantil no país tem nome e rosto: pobres, negros, pardos, quilombolas e indígenas, normalmente nas regiões urbanas da Região Nordeste. Antes do Estatuto, pessoas com mais de 14 anos podiam trabalhar, mas não havia lei que ditasse as normas, deixando-lhes expostos à exploração de sua mão-de-obra. A taxa de trabalho infantil caiu 75% desde 1992 (Pnad), assim como a taxa brasileira: em 1992 eram 5,4 milhões de crianças e adolescentes nessa situação. O número despencou em 76%, mas ainda são 1,3 milhão de pessoas nessas circunstâncias.

Educação

O direito à educação é uma das prioridades do Estatuto, responsável também pela queda nas taxas de trabalho infantil. Em 1990, ano de implementação do estatuto, quase 20% das crianças estavam fora da escola. Em 2013, essa taxa era de 7%. O ingresso das crianças nas escolas também fez com que a taxa de analfabetismo também diminuísse 88,8%: de 12,5% em 1990 para 1,4% em 2013. Entre os adolescentes negros, a taxa de analfabetismo diminuiu ainda mais: de 17,8% passou para 1,5%.

Os desafios na educação brasileira, principalmente a pública, ainda são muitos: o acesso ainda não é universal, apesar de ter melhorado muito. Mais de 3 milhões de meninos e meninas ainda estão fora da escola, em sua maioria pobres, negros, indígenas e quilombolas.

Podemos afirmar que o Estatuto da Criança e do Adolescente foi um marco para o país. No entanto, mais importante ainda é adaptar as leis e normas à realidade brasileira, ano após ano. A legislação deve acompanhar as condições em que crianças e adolescentes vivem, seja em oportunidade de ingresso e acesso às escolas, ao lazer e à saúde, bem como à reabilitação de adolescentes infratores, concedendo-lhes as oportunidades de ressocialização.

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