Maior fundo da América Latina e oitavo maior do mundo, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) completou recentemente 50 anos de existência. Criado para ser uma reserva de segurança para o trabalhador em caso de demissão sem justa causa, hoje ele suscita muitas críticas, principalmente por causa de seu baixo rendimento. Neste post, vamos explicar o que é o FGTS, como é mantido, as regras gerais de uso para os trabalhadores e quais os motivos para as críticas.
História: Uma garantia para o trabalhador
O FGTS foi criado em 1966, durante o regime militar, com o objetivo de fornecer uma garantia ao trabalhador demitido sem justa causa. A necessidade de criar esse fundo, como explica Leila Santiago da Silva, veio de uma regra da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): a estabilidade decenal. Essa regra assegurava estabilidade a todos os trabalhadores que ficassem por 10 anos no mesmo emprego. Quem atingisse esse tempo de trabalho só poderia ser demitido por justa causa (ou seja, por motivo grave). A estabilidade decenal era criticada por empregadores e, na prática, muitos empregados acabavam sendo demitidos antes de completar os 10 anos de serviço.
Mas existia ainda outro direito na CLT que incomodava os empregadores: a indenização por tempo de serviço. Se o empregador decidisse demitir o empregado durante os 10 primeiros anos de trabalho, ele era obrigado por lei a pagar uma indenização pelo tempo de serviço que ele dedicou à empresa. Para cada ano que o empregado demitido trabalhou, ele era indenizado no valor do salário de um mês (ou seja, 1/12, cerca de 8% de tudo que havia recebido como empregado). Evidentemente, essa regra também não agradava muito aos empregados, porque a indenização, feita de uma vez só, pesava bastante.
Foi pensando nisso que o governo militar criou o FGTS, como uma alternativa para a estabilidade decenal (que continuou a existir até 1988). As contribuições do fundo (8% do salário do trabalhador) podem ser vistas como um parcelamento da indenização por tempo de serviço prevista no regime da estabilidade decenal.
A partir de 1967, quando entrou em vigor o FGTS, o trabalhador CLT podia escolher entre dois regimes: o da estabilidade decenal ou o FGTS. Mesmo para empregados não optantes, o depósito do empregador no fundo era obrigatório. Além disso, em caso de demissão sem justa causa, o empregado passou a ser obrigado a pagar multa de 40% do saldo do FGTS ao trabalhador e outros 10% desse saldo para o governo.
Esse sistema foi bem aceito pelos empregadores, porque dessa forma a indenização pela demissão sem justa causa passou a ser feita a conta-gotas. Melhor do que antes, quando era feita toda de uma vez, no momento em que o empregado era demitido.
Outro objetivo para a criação do fundo era o financiamento de obras na área da habitação. Esse continua a ser um dos principais usos do FGTS até hoje, como vamos ver mais adiante.
Com a Constituição de 1988, veio o fim da estabilidade decenal. Desde então, todos os trabalhadores CLT passaram a ter apenas direito à conta do FGTS.
FGTS: Como funciona hoje
Como já afirmamos no início, o FGTS tomou grandes proporções. O ativo total chegou a R$ 498 bilhões no primeiro semestre de 2016, segundo dados da Caixa Econômica Federal. O fundo continua a ser mantido por depósitos mensais de empregadores, em conta bancária específica no nome do empregado na Caixa Econômica Federal. As contribuições são obrigatórias para todos os celetistas (os que trabalham sob o regime CLT) e correspondem a 8% do salário – como já era em 1967. Também têm direito ao fundo os trabalhadores rurais, temporários, avulsos, empregados domésticos e atletas profissionais.
Cada empregador abre uma nova conta para o empregado. Dessa forma, um trabalhador pode acumular várias contas do FGTS. Em geral, as contas de empregadores antigos ficam inativas e não podem ser mexidas pelo titular, exceto em alguns casos. O operador do FGTS é a própria Caixa Econômica, que conta com um Conselho Curador com 24 membros para administrar o fundo. O conselho é composto por representantes do governo, dos trabalhadores e dos empregadores.
Em quais situações o trabalhador pode sacar o FGTS?
Ainda hoje, o FGTS procura cumprir seu propósito inicial de indenizar o trabalhador pelo tempo de serviço. Isso significa, por outro lado, que na maior parte do tempo, o trabalhador não tem acesso aos recursos guardados no fundo. O saque é permitido apenas em algumas situações específicas. A principal delas é, como já mencionamos, a demissão sem justa causa (quando o empregado é demitido sem um motivo grave). Segundo dados levantados pela EBC, 70% dos saques do FGTS são feitos por esse motivo. O contribuinte também tem direito a resgatar valores do fundo no fim de um contrato por prazo determinado.
Também é permitido sacar o FGTS quando o trabalhador se aposenta, possui 70 anos ou mais e no caso de sua morte. O saque ainda é permitido quando o titular da conta tiver doenças como câncer, AIDS ou estiver em estágio terminal. Os atingidos por calamidade (desastres naturais) também são agraciados com esses recursos.
Finalmente, o FGTS pode ser usado para financiar a compra da casa própria. Para isso, o trabalhador precisa ter trabalhado por pelo menos três anos sob o regime do FGTS.
Resumindo: a retirada de valores do FGTS é destinada principalmente para momentos de extrema dificuldade ou de inatividade econômica (a maior exceção é o financiamento da casa própria). Para ver todos os casos em que é possível fazer o saque, confira esta página da Caixa Econômica.
Saque de contas inativas
Você já deve ter ouvido falar que o presidente Michel Temer anunciou que, entre março e julho de 2017, as contas inativas de todos os que foram demitidos por justa causa ou pediram demissão até 31 de dezembro de 2015 poderão ser sacadas integralmente. Note que essas contas não podiam ser acessadas porque o empregado não cumpria nenhuma das condições de saque (como, por exemplo, a demissão sem justa causa). Agora, mesmo os que se demitiram ou foram embora por falta grave têm direito de retirar os valores. Até quem arranjou outro emprego depois dessa data tem direito ao saque de contas antigas, abertas pelos ex-empregadores.
A medida tem como objetivo estimular a economia brasileira, que já está há mais de dois anos em recessão. Com os saques, o governo federal estima que 30 bilhões de reais serão injetados no mercado, dinheiro que pode ajudar brasileiros a saldar dívidas e aumentar seu consumo, por exemplo.
Quanto rende o valor depositado no FGTS?
A maior polêmica sobre o FGTS é seu baixo rendimento. Hoje, os recursos do fundo são reajustados por uma taxa de 3% ao ano, mais a taxa referencial (que ficou em cerca de 2% em 2016). Ou seja, o FGTS rendeu 5% em 2016 – menos do que a inflação no período, que foi de 6,29%. Portanto, o dinheiro depositado no fundo teve rendimento real negativo e perdeu poder de compra.
Para efeito de comparação, o índice Bovespa (da Bolsa de Valores de São Paulo) rendeu 38,93% em 2016. Alguns títulos do Tesouro Direto, oferecidos pelo Tesouro Nacional, chegaram a ter valorização de mais de 50% no mesmo período. Até mesmo a poupança, que em 2015 também teve ganhos menores que a inflação, rende mais do que o FGTS (8,3% em 2016).
Como os recursos do FGTS são usados?
Uma vez que a maior parte do fundo não pode ser mexida, já que os trabalhadores só podem acessá-lo em situações específicas, o FGTS é aproveitado pelo governo para outros fins. Em 2017, por exemplo, a previsão é que os investimentos do fundo cheguem a R$ 87 bilhões, conforme informações do Portal Brasil. Os principais destinos dos recursos neste ano habitação (R$ 63,5 bi), infraestrutura urbana (R$ 14 bi) e saneamento básico (R$ 9,5 bi).
A habitação é de fato a área que mais recebe atenção do FGTS, desde seu início. Foi com ele que o governo passou a financiar o Sistema Financeiro da Habitação, que continua a existir. O Minha Casa Minha Vida, programa de subsídios para habitação popular que foi um dos carros-chefes do governo Dilma, é executado na maior parte com recursos do fundo. Em 2017, o investimento do FGTS no programa será de R$ 48,5 bilhões, também de acordo com o Portal Brasil.
Existem propostas de mudança para o FGTS?
O baixo retorno do FGTS motiva propostas de mudanças no fundo – e até mesmo de sua extinção. No Congresso Nacional, o principal projeto relacionado ao fundo propõe aumentar seu rendimento para um nível semelhante ao da caderneta de poupança (que é de 6% ao ano mais a taxa referencial). A proposta tramita desde 2015 no Congresso e era rejeitada pelo governo Dilma. O principal argumento era que o aumento do reajuste do fundo implicaria mais gastos para o governo, em um momento de ajuste fiscal. A Caixa Econômica também se coloca contra o ajuste, afirmando que um ganho maior para o FGTS significa aumento de juros no financiamento imobiliário.
Além disso, muitas pessoas propõem que o FGTS seja extinto. Segundo os defensores dessa ideia, principalmente grupos liberais na economia, o FGTS não tem nenhum benefício real para o trabalhador. O fundo seria usado como fonte de dinheiro barato para bancos e para o governo federal, que o empresta a juros muito maiores (para financiamento da casa própria, por exemplo). Os contrários ao FGTS ainda criticam o fato de o fundo ser composto de poupanças compulsórias. Esse dinheiro poderia ser incorporado ao salário do trabalhador, que teria autonomia para decidir seu destino.
Por outro lado, governo, gestores do FGTS e outros defensores veem nele uma segurança para o trabalhador, que pode contar com esse dinheiro nas horas ruins. Quanto à questão da obrigatoriedade dos depósitos, o argumento é que muitas pessoas não poupam recursos por conta própria, o que pode gerar problemas em momentos de crise. Assim, o FGTS, apesar do baixo rendimento, ainda cumpriria uma proteção para o trabalhador.
Quer um resumo de tudo que falamos? Então confira este infográfico: