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Entenda quais são os tipos possíveis de violência na sociedade

Para estudar operações de paz é necessário dominar certos conceitos sobre o tema

Por Erika Rizzo, do Politize!
Atualizado em 31 jul 2018, 11h53 - Publicado em 8 Maio 2018, 13h50
(Politize!/Politize!)

Na seção de notícias internacionais vemos com frequência artigos sobre conflitos e, ao mesmo tempo, operações de paz. Alguma vez você já parou pra pensar o que é paz? Paz é a ausência da guerra ou é um conceito mais amplo? É isso o que vamos explorar hoje: entender os tipos de violência, o que é a paz e quais formas de intervenções existem.

VIOLÊNCIA: PRECISAMOS ENTENDÊ-LA ANTES DE FALAR SOBRE PAZ

Antes de entender o que é paz, é importante compreender que há diferentes tipos de violência. Aqui vamos explorar três principais tipos, ressaltando, porém, que a classificação não se limita apenas a esses.

1) Violência Direta

Esse é o tipo mais visível de violência e, consequentemente, o mais conhecido. A violência direta se caracteriza por todo e qualquer ato que tenha como objetivo causar dano físico a alguém ou alguma coisa. Por conta disso, ela se manifesta através do comportamento humano e sempre há um ator a ser responsabilizado pela ação. Assim, os atos podem ir desde um tapa ou um soco, que são atos individuais de violência direta, até a guerra, que é a expressão máxima da violência direta de maneira coletiva.

2) Violência Estrutural

Esse é um tipo de violência indireta em que não há apenas um ator identificável que cause essa forma de violência. Não há um único responsável concreto que possa ser responsabilizado pelas consequências, mesmo que o resultado final gere mortes ou sofrimento físico e psicológico.

O que acontece é que, nesse caso, a violência se apresenta por meio da constituição e da estrutura do sistema socioeconômico. A disposição desigual desse poder na sociedade gera uma má distribuição no compartilhamento de recursos, perpetua a pobreza, a fome e dificulta o desenvolvimento. A má distribuição de poder também causa grande discrepância nas oportunidades de vida.

O que acontece é que o sistema econômico algumas vezes falha na promoção da inclusão de indivíduos na estrutura social. Muitas pessoas, principalmente aquelas que têm menos de 2 dólares por dia para a sobrevivência, não possuem acesso à educação, saúde e alimentação básica, sistema de transporte e integração com mercados de consumo. A violência promovida contra esses indivíduos é a fome, a miséria e a falta de acesso a recursos. Ela é estática e constante, muito mais sutil e enraizada na sociedade. Isso faz com que, muitas vezes, ela seja vista com normalidade ou como parte natural do sistema.

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3) Violência Cultural

De todas as violências, a cultural é a considerada mais sutil, indireta e duradoura através do tempo. Ela nasce na esfera simbólica, nas crenças e nos costumes dos seres humanos. A violência não está nas crenças e costumes em si, mas na forma como eles são utilizados para justificar ou legitimar formas de violência, sem que pareça ser errado. Essa violência se embasa em diferenças culturais, étnicas e de gênero e pode se manifestar através da arte, religião, ideologia, linguagens e ciência.

Podemos citar como exemplo o preconceito e a violência racial, que se utilizam das diferenças na coloração da pele para justificar discrepâncias salariais, criminalização e até perseguição de grupos. O Ku Klux Klan, organização racista nascida no sul dos EUA no final do século XIX, é uma concretização dessa violência cultural. O grupo intimidava e agredia negros libertados da escravidão, em defesa da cultural “supremacia branca” no país.

TRIÂNGULO DA VIOLÊNCIA DE GALTUNG

A ampliação dos conceitos de violência foi pensada pelo teórico Johan Galtung. Ele aponta que a violência direta é a única visível aos olhos, já que faz uso de ações violentas. Entretanto, ela é como a ponta de um iceberg: se pararmos para analisar o que causa a violência direta, veremos que há muitos fatores por trás dessas ações violentas.

Como exemplo podemos usar as “Guerras Santas”, como as Cruzadas. Elas foram guerras baseadas nas diferenças religiosas. Na Idade Média, a Igreja Católica organizou expedições militares, utilizando-se de violência, com o objetivo de promover a expansão de sua religião e reconquistar o Santo Sepulcro, em Jerusalém, que estava sob o domínio muçulmano. Nesse sentido, a disparidade cultural escalou para um conflito na medida em que foi utilizada para legitimar o uso da violência direta para se impor como superior.

PAZ NEGATIVA X PAZ POSITIVA

A primeira associação mental que fazemos ao falar de paz é: paz é o oposto da guerra. Neste caso, a paz é enxergada por aquilo que ela nega: a violência e a guerra. A ideia de paz negativa parte dessa perspectiva de que a paz é um conceito negativo, por ser entendida como a mera ausência de violência direta.

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O conceito de paz foi expandido em 1969 pelo teórico Johan Galtung. Ele defende a chamada paz positiva. Ok, mas o que é isso? Paz positiva é o entendimento da paz como algo que vai além da mera ausência de violência direta, já que busca também uma paz estrutural. A paz estrutural teria o objetivo de erradicar as desigualdades geradas pela organização do sistema sócio-econômico, extinguir a violência cultural e integrar a sociedade tanto em nível individual quanto internacional.

Entretanto, a paz não é uma tarefa fácil, são necessárias uma série de ações que atuem em conjunto, como políticas públicas que busquem a redução da pobreza e fome, ampliem o acesso ao ensino de qualidade, melhorem as condições de saneamento básico e acesso à saúde.

(Mario Tama/Getty Images)

OPERAÇÕES DE PAZ

Em certos casos de conflito são necessárias mais do que políticas públicas, aí entram as intervenções de paz. Essas são operações internacionais com o objetivo de restabelecer e desenvolver as condições de paz em um determinado local. Para isso, existem três tipos de operações, como veremos a seguir.

1) Peacemaking – ou, em tradução literal para o português, “pacificação”

É uma ação diplomática formal que se dá por meios pacíficos, ou seja, envolve rodadas de negociações envolvendo ambas as partes do conflito; mediação utilizando um terceiro ator de fora e imparcial ao conflito para conciliar e aproximar as duas partes; e a assinatura de acordos e tratados para selar o fim dos embates e suas condições e restabelecer a paz entre as partes em conflito.

Essa ação, em geral, trabalha mais com a perspectiva da paz negativa, pois seu principal objetivo é de que as manifestações de violência direta sejam contidas. Entretanto, as causas reais do conflito, como a redistribuição de poder, nem sempre são trabalhadas. Isso pode limitar a eficácia da ação e fazer com que alguns acordos sejam temporários, uma vez que a violência direta é apenas a ponta do iceberg.

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Um exemplo foi o Tratado de Versalhes (1919): tratado de paz entre as potências europeias que determinou o fim da Primeira Guerra Mundial. O problema foi que a Alemanha não ficou satisfeita com os termos do acordo, considerando-o como uma imposição. Nele, foi estabelecido que o tamanho de suas forças armadas seria limitado, que o país deveria pagar uma indenização pelos danos causados pela guerra, que perderia partes de seu território fronteiriço e todas as suas colônias.

As fortes imposições do tratado fizeram com que a nação se sentisse injustiçada e humilhada, além de prover poucos meios para que o país se reconstruísse da devastação causada pela guerra. Diante da insatisfação com os termos e de um contexto de crise política, social e econômica, o Nazismo foi semeado na Alemanha, em 1920. Assim, em 1933 iniciou-se o III Reich (Terceiro Império) e o Nazismo foi consolidado no poder com a nomeação de Adolf Hitler ao cargo de Chanceler (Primeiro Ministro).

Além de outras ideias, o governante propagava um discurso ultranacionalista e defendia a criação de um “espaço vital” para a Alemanha. Para alcançar o objetivo de criar um Império Alemão, Hitler estabeleceu uma campanha de expansão territorial que culminou na eclosão da Segunda Guerra Mundial. Em última instância, o tratado de paz falhou ao não conciliar de forma adequada o poder entre as partes, deixando um lado extremamente insatisfeito, enfraquecido e com altas penalidades.

2) Peacekeeping – ou, em tradução literal para o português, “manutenção da paz”

Configura-se como uma força de intervenção armada com o objetivo de separar as partes conflitantes e preservar a paz. Essa ação congela o conflito, mas mantém o seu status quo, já que não há diálogo ou interação entre os atores. O viés dessa operação é focado na paz negativa, por impedir a integração entre as partes e apartar o conflito para que a violência direta cesse. Porém, isso novamente não resolve o problema na sua raiz.

A operação de paz da ONU no Chipre (UNFICYP) é um exemplo de peacekeeping. Na ilha há uma disputa étnica envolvendo duas partes conflitantes: os greco-cipriotas ao sul (maioria) e os turco-cipriotas ao norte (minoria).

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Em 1964, após um longo histórico de conflito na ilha e uma cultura de ódio recíproco entre os povos, uma força de paz da ONU, agindo sob mandado, se estabeleceu em uma faixa no meio da na ilha (com largura variável, porém com média equivalente a uma rua), que ficou conhecida como “Linha Verde”. A linha é considerada a fronteira oficial entre os povos em conflito, possui patrulhamento e é uma combinação de sacos de areia, barricadas e arame farpado.

A operação permanece até os dias atuais evitando que as etnias voltem a ter atritos. Nota-se que a intervenção acabou com o conflito direto, porém não teve êxito em promover integração e resolver de fato as controvérsias, uma vez que a sua presença ainda é necessária para a manutenção da paz na região.

3) Peacebuilding – ou, em tradução literal para o português, “construção da paz”

Esse tipo de operação visa a construção ou a consolidação da paz e trabalha com a violência sob uma perspectiva estrutural. A ideia dessa intervenção é prover auxílio e meios para que um determinado país ou região desenvolva suas estruturas econômicas, políticas e sociais e, assim, saia da situação crítica em que se encontra.

A superação das causas estruturais de um conflito leva à superação das manifestações de violência direta, uma vez que essa é apenas a ponta do iceberg e pode estar ligada, por exemplo, a diferenças religiosas e étnicas, escassez de água ou comida, disparidades e má distribuição de poder, entre outras. Sendo assim, o foco desta intervenção está na paz positiva pois busca resolver as questões mais profundas e originárias dos conflitos e não apenas a violência direta, que uma consequência desses fatores.

Contudo, é importante destacar que a condução dessas missões devem ser planejadas de maneira a não gerar dependência, mas sim desenvolvimento para que o país consiga seguir sozinho depois do período de operação. As missões devem ser projetadas levando em conta as características particulares da área e do conflito que ali impera. É preciso também que a população nativa seja ouvida e suas lideranças inseridas no processo decisório. Caso contrário, essas missões de paz não têm eficiência e podem servir como uma justificativa de dominação e um instrumento de poder, no qual um interventor externo se instala no país para imperar e decidir da maneira mais conveniente aos seus interesses.

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Um exemplo de peacebuilding é a MINUSTAH. Instalada no Haiti em 2004 com o objetivo de restaurar a estabilidade política, social e econômica no país após uma insurgência política em que o resultado foi a deposição do então presidente Jean-Bertrand Aristide. O fato é que eleição de Aristide gerou grande insatisfação no país, principalmente da oposição, o que deu início a um processo de instabilidade e violência no país e gerou a necessidade de uma intervenção de paz.

O processo de pacificação do país envolveu várias frentes de atuação: prover alimentos para a população, desarmar os grupos rebeldes, auxiliar no desenvolvimento econômico e institucional do país e realizar eleições. Após 13 anos, a missão chegou ao seu fim em 2017. Segundo dados da ONU, dentre os resultados, está a situação política mais estável, com a realização da eleição presidencial, o maior nível de segurança no país, uma vez que os grupos rebeldes foram contidos, e a reestruturação e treinamento da polícia haitiana.

Contudo, a intervenção falhou em melhorar a economia ou a situação de pobreza que ainda persiste no país. Além disso, para a população haitiana, a longa duração da missão gerou insatisfação, por conta da perda de autonomia quanto a decisões internas sobre o futuro do país. A missão ainda esteve ligada a um surto de cólera no país, por conta de soldados nepaleses contaminados que trouxeram a doença, e a casos de soldados ligados à abusos e exploração sexual.

TEMOS MISSÕES DE PAZ NO BRASIL?

Talvez agora você esteja se perguntando: as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) ou a intervenção federal no Rio de Janeiro são consideradas missões de paz?

A UPP, apesar de carregar o termo “pacificadora” no nome, não é uma intervenção de paz, mas sim uma política pública. Para que fosse considerada uma missão de paz, ela deveria ser uma medida internacional. Sua aprovação se daria em um órgão internacional e a ajuda viria através de forças externas que se instalariam no Rio de Janeiro para combater o crime. O mesmo se aplica à intervenção federal.

Ok, mas se fosse o caso, como classificaríamos essas duas medidas dentro das formas de resolução de conflito apresentadas? Ambas (principalmente a intervenção federal) seriam uma operação de peacekeeping. Vamos analisá-la: o governo do estado do Rio, diante de sua ineficiência em combater o crime pediu ajuda do governo federal, que decretou a intervenção. Então, qual é o objetivo da intervenção? Controlar a violência e combater o crime organizado no estado. Assim, o que vemos no Rio é a entrada das Forças Armadas para promover um “cessar fogo” do crime, ou seja, uma pausa na violência direta e uma sensação momentânea de segurança.

A questão é que a violência no Rio de Janeiro é complexa e fruto de muitos outros problemas como: corrupção, dificuldade de acesso à educação de qualidade, saúde pública, saneamento básico, ocupação urbana desorganizada e a falta da presença da figura do estado nas regiões fragilizadas. Diante disso, caso essas medidas estruturais não sejam realizadas em conjunto, dificilmente a questão do crime e da violência será solucionada.

PAZ: UMA JORNADA A LONGO PRAZO

A paz é um processo complexo que exige mais do que apenas a extinção dos embates violentos diretos. É necessário que se identifiquem as causas raízes dos conflitos, que podem ser de origens diversas: desde questões ideológicas até desigualdades dos mais diversos tipos ou escassez. A partir daí, é importante que se realize uma abordagem multilateral que trabalhe ininterruptamente com o desenvolvimento de diversas áreas da sociedade em conjunto: educação, saúde, segurança, economia, política e, até mesmo, a cooperação internacional.

Contudo, a singularidade de cada conflito faz com que não exista uma “receita de bolo” para a paz, cada solução deve ser projetada levando em conta não só o contexto e as causas, mas também as particularidades das populações afetadas.

Referências:

Nexo – análise operação no Haiti; ONU – entrevista sobre o Haiti (inglês); G1 – sobre a missão no HaitiNY Times – conflito no Cyprus (inglês); ONU – documento sobre estratégias de paz (inglês)Johan Galtung – Cultural Violence (inglês); Estadão – ONU admite surto de cólera; LA Times – escândalo sexual na operação; Aljazeera – imagem Cyprus

Este artigo foi publicado originalmente no Portal Politize

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