O Congresso Nacional discute formas de diminuir o número de partidos políticos no país. São propostas como a cláusula de barreira e o fim das coligações em eleições proporcionais (para deputados e vereadores). Tais ideias partem do pressuposto de que nossa alta fragmentação partidária é parte da crise política que se instalou no país. Afinal, por que temos tantos partidos? E além disso: é mesmo tão ruim assim termos tantos partidos? É o que vamos discutir e esclarecer.
TEMOS MESMO MUITOS PARTIDOS NO BRASIL?
Sob todas as perspectivas, a resposta é sim. Desde 2015, o Brasil possui 35 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E ainda temos outros 55 (isso mesmo, cinquenta e cinco!) aguardando o registro junto à Justiça Eleitoral – esse registro apenas é concedido com o cumprimento de alguns requisitos. Na Câmara de Deputados, temos parlamentares de 27 siglas partidárias diferentes.
É verdade que muitos países possuem mais de 50 partidos políticos. Mas, aqui no Brasil, temos também o maior número efetivo de partidos políticos do mundo! Se você não sabe, esse conceito refere-se às legendas que de fato possuem influência em um sistema político. Eles possuem parlamentares suficientes para barganhar na formação de coalizões, por exemplo.
A partir desse conceito, os cientistas políticos Laakso e Taagepera desenvolveram um software que calcula o número de partidos efetivos das democracias mundo afora. Pois o Brasil possuía 14 partidos políticos efetivos em 2014, segundo estudo do cientista político irlandês Michael Gallagher – muitos mais do que a média mundial, de apenas quatro partidos.
MAS POR QUE TANTOS PARTIDOS? POSSÍVEIS MOTIVOS
Enquanto em outras democracias, o próprio sistema eleitoral se encarrega de barrar partidos pouco expressivos, adotando para isso uma gama de medidas, as regras eleitorais brasileiras acabaram favorecendo a presença de muitos partidos. Vamos ver alguns que são apontados por cientistas políticos:
Votação proporcional em lista aberta
O sistema que elege deputados e vereadores pode ser um dos motivos para isso. A votação proporcional favorece a pluralidade partidária. A ideia do sistema proporcional é representar da melhor forma possível as proporções de votos que cada partido recebeu. Por isso, se um partido recebe 15% dos votos para a Câmara, a tendência é que ocupe proporção semelhante de vagas nessa casa legislativa. A possibilidade de fazer coligação nessas votações amplia as chances dos partidos menores de conseguir cadeiras no legislativo.
Sistemas majoritários, como o voto distrital, teriam potencial de reduzir o número de partidos. Nesse sistema, o país é dividido em distritos e cada um deles tem direito a escolher um ou dois parlamentares. Vencem os mais votados. Isso diminui as chances de partidos minoritários, que podem ter dificuldades em alcançar maiorias em distritos. Diferentes variações do sistema distrital foram rejeitadas na reforma política de 2015 – manteve-se o sistema proporcional.
Ausência de cláusulas de desempenho
Estabelecer critérios mínimos para que partidos tenham vagas no parlamento tende a diminuir o número efetivo de partidos. A cláusula de barreira em discussão no Congresso atualmente dificultaria a vida de todos os partidos que não conquistarem pelo menos 2% dos votos nas eleições para deputado federal (em um universo de 144 milhões de eleitores, isso equivale a quase 3 milhões de votos, ou quase a população inteira do estado do Mato Grosso). Estudos mostram que dos 27 partidos na Câmara, 14 seriam prejudicados pela medida – e poderiam deixar de existir.
FUNDO PARTIDÁRIO E PROPAGANDA GRATUITA
Finalmente, é preciso lembrar que a legislação concede a todas as agremiações, independentemente de números de filiados ou parlamentares eleitos, tempo de propaganda gratuita na televisão – mesmo que muito curto – e acesso a parte do fundo partidário – uma parcela pequena, porém relevante. O fundo partidário viabiliza a manutenção das atividades dos partidos, inclusive os menores, com poucos filiados. Já o tempo de propaganda garante um mínimo de visibilidade ao partido. Em muitos países, os partidos não recebem recursos públicos para subsistir. Para isso, dependem primariamente de doações.
AFINAL, POR QUE É RUIM TER MUITOS PARTIDOS?
Um dos principais problemas que a proliferação de partidos políticos pode causar é de falta de governabilidade. Por governabilidade, entende-se a capacidade do Poder Executivo de colocar em prática as políticas públicas planejadas e de tomar decisões relevantes. Em uma democracia representativa como a nossa, a capacidade de governar depende do aval do Poder Legislativo – que aprova pautas do governo e tem o poder de até mesmo destituir o chefe do Executivo.
Quanto mais partidos representados no Legislativo, mais complicado é para o Executivo negociar e garantir apoio dentro daquele poder. É dessa situação que decorre o famoso “toma lá, dá cá”: a intensa troca de vantagens entre partidos – ministérios e cargos em empresas estatais, por exemplo – para a formação de uma base aliada no Congresso.
O alto número de partidos, alguns poderiam argumentar, pode ser positivo, se indicar que a pluralidade política brasileira está sendo solidificada. Como o Brasil é um país grande e muito diverso, um alto número de partidos seria algo esperado – e até saudável. Entretanto, a realidade é outra. Alguns partidos acabam por viver em função dos ativos que o sistema político garante (tempo de televisão e fundo partidário), sem acrescentar muita substância à vida política nacional. Portanto, a fragmentação no sistema político brasileiro pode ser sinal de que a legislação incentiva a criação de partidos que pouco agregam ao sistema político.
Além disso, a fragmentação partidária pode ser indicativo de outros problemas, ligados à nossa curta trajetória democrática. A falta de identificação do eleitor com partidos e, portanto, com projetos e ideologias políticas é uma delas. Segundo o cientista político Barry Ames, a possibilidade do eleitor votar em candidatos individuais a deputado enfraquece o potencial de identificação desse eleitor com os partidos políticos. Também é preciso considerar que a grande oferta de partidos pode confundir quem vota, justamente pela pouca clareza das diferenças de cada partido.
Pode-se dizer que há uma falta de ligação do eleitor com a democracia representativa, o que leva à descrença nesse sistema. De fato, poucos partidos brasileiros possuem bases sólidas junto a grupos da sociedade civil e por isso torna-se mais difícil consolidar a democracia no país.
Por fim, há um problema de incerteza eleitoral. Como são muitos candidatos concorrendo aos cargos, a competição eleitoral torna-se muito grande. Para vencer a concorrência, candidatos gastam grandes quantias, tornando nossas eleições uma das mais caras do mundo.
DIMINUIR O NÚMERO DE PARTIDOS VAI SERVIR PARA QUÊ?
A questão que fica é se diminuir a quantidade de partidos pode ajudar a superar os problemas do sistema político brasileiro. No que exatamente essa medida pode melhorar o cenário atual? Seria a reforma encomendada em 2016 pelo Congresso vantajosa para o cidadão, e não apenas para os partidos grandes?
A diminuição do número de partidos, em teoria, pode ser benéfica para a democracia brasileira se realmente se traduzir na reversão de aspectos negativos do nosso sistema partidário – algo que, é preciso dizer, não é totalmente certo. Mas, pelo menos em teoria, com menos partidos seria mais fácil formar blocos partidários coesos e com ideologias e programas comuns.
Governos também teriam menos problemas para formar maiorias no Congresso e viabilizar projetos, causando menos instabilidade institucional. Por fim, a maior estabilidade do sistema poderia aumentar a identificação do eleitor com partidos políticos e com o sistema representativo, especialmente se reformadas algumas regras do sistema proporcional.
Em suma, diminuir os partidos pode não ser a solução para todos os problemas da política brasileira. Mas esse movimento tem potencial de ajudar a diminuir alguns problemas ainda presentes em nossa democracia. Resta avaliar as mudanças que podem ser adotadas para restringir os partidos e se elas são compatíveis com os princípios constitucionais. Qual a sua opinião?
Fonte: Helena Vieira Cardoso (Revista Três Pontos) – Maurício Michel Rebello (Revista de Sociologia e Política)