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Um guia para entender a Operação Lava Jato

Como foi a investigação que levou Lula e Marcelo Odebrecht para a cadeia e como ela influenciou a política brasileira

Por Fabio Sasaki
Atualizado em 22 jun 2020, 12h58 - Publicado em 13 abr 2017, 15h21
O ministro do STF, Luiz Edson Fachin, solicitou a abertura de inquéritos contra políticos no âmbito da Operação Lava Jato (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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RESUMO

LAVA JATO Operação deflagrada em 2014 pela Polícia Federal para investigar um amplo esquema de corrupção na Petrobras envolvendo funcionários da estatal, empreiteiras e políticos.

O ESQUEMA Um grupo de empreiteiras decidia entre elas a distribuição dos contratos da Petrobras. Nas licitações, a empresa vencedora cobrava valores superfaturados por uma obra, pegava uma parte para si e distribuía a outra em pagamento de propina. Parte do dinheiro excedente ficava com o funcionário corrupto e parte ia para partidos políticos. Muitas vezes, essa propina era dirigida para o financiamento de campanhas eleitorais.

ENVOLVIDOS As investigações da Lava Jato atingiram grandes empresários, partidos e políticos do alto escalão. O ex-presidente Lula, o líder petista Antônio Palocci e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha foram presos. Também cumpriu pena o empresário e delator Marcelo Odebrecht. A empreiteira confirmou ter participado “de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país”, assinou um termo de leniência (delação premiada para empresas), concordou em pagar uma multa bilionária aos cofres da União e ajudou a iniciar processos contra dezenas de políticos.

DELAÇÃO PREMIADA Instrumento jurídico que oferece benefícios a um acusado desde que ele dê informações que permitam revelar um esquema criminoso ou prender outros integrantes de uma quadrilha. Se as informações provarem-se verídicas, ele pode ter a pena reduzida, cumpri-la em regime mais brando ou até mesmo receber perdão judicial.

O esquema de corrupção

A Lava Jato é a mais ampla investigação sobre corrupção já realizada no Brasil. A primeira fase da operação aconteceu em março de 2014, com a prisão de um grupo de doleiros. Entre eles estava Alberto Youssef, que se tornou o primeiro delator de um grande esquema de desvio de recursos da Petrobras. Foi seguindo o caminho do dinheiro que os investigadores descobriram um rombo bilionário envolvendo funcionários da estatal, construtoras e políticos.

As empresas repartiam entre si os contratos com a petrolífera cobrando preços superfaturados. Os recursos obtidos ilegalmente eram, então, transferidos a servidores e políticos, na forma de propina, doações legais a campanhas eleitorais e caixa 2 (financiamento não declarado).

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Participam da Lava Jato os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba e, no início da operação, quase todas as ações estavam nas mãos do então juiz federal Sergio Moro. Com a descoberta de ramificações do esquema, equipes no Rio, em São Paulo e no Distrito Federal ampliaram as investigações.

Moro conduziu dezenas de processos que colocaram na cadeia, entre outros, o ex-presidente Lula, o ex-ministro Antonio Palocci, ambos do PT, e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, do MDB. O empresário Marcelo Odebrecht e outros executivos da empresa também foram presos e só tiveram a pena reduzida depois de fechar um acordo de delação premiada. Aos investigadores, Marcelo revelou uma planilha de pagamentos ilícitos para dezenas de políticos – todos designados por apelidos. A Odebrecht também firmou um acordo de leniência – uma espécie de delação premiada corporativa –, que previa devolução de R$ 2,7 bilhões aos cofres públicos do Brasil.

Com a notoriedade alcançada pela Lava Jato, Sergio Moro foi alçado ao posto de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro. Ele deixou o cargo em abril de 2020 depois de alegar que o presidente estava tentando interferir nas investigações da Polícia Federal ao exigir a troca do comando da instituição.

A Lava Jato e os políticos

Uma das principais linhas de investigação da Lava Jato foi rastrear doações eleitorais. Até a eleição de 2014, a lei autorizava doações de empresas privadas a candidaturas. Era muito frequente que um mesmo grupo econômico doasse para todos os candidatos de um pleito. Para os críticos desse modelo, a doação era uma forma de os empresários projetarem sua influência sobre os políticos eleitos – ou seja, as empresas esperavam algum retorno dos candidatos eleitos, seja na forma de privilégios em contratações de obras e serviços ou na votação de temas de interesse dos doadores no Congresso.

Mas a Lava Jato mostrou que essa prática era bem mais ampla do que se imaginava. Muitas das doações eram, na verdade, repasses a servidores e políticos do excedente cobrado em contratos superfaturados firmados com os governos. Ou seja, a vencedora de uma licitação cobrava muito mais por uma determinada obra ou serviço, pegava uma parte da sobra para si e distribuía a outra em forma de pagamento de propina para políticos.

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O caixa 2

As doações de empresas privadas a candidaturas eram permitidas até 2014, mas deveriam respeitar o limite definido por lei, que estipulava um teto de acordo com o faturamento da doadora. Contudo, muitas candidaturas burlavam essa lei para poder ampliar seu poder econômico durante a campanha e conseguir vencer a disputa. Para isso elas recorriam ao caixa 2, dinheiro que não é contabilizado oficialmente, nem declarado à Justiça Eleitoral.

Em muitos casos, o caixa 2 era abastecido com propina proveniente dos contratos superfaturados de obras contratadas por governos ou empresas estatais.

Por causa dos desvios revelados pela Lava Jato, em 2015, o Supremo determinou que somente pessoas físicas podem doar a campanhas eleitorais, regra que começou a valer a partir das eleições de 2016.

A Lava Jato e as empresas

As investigações também mostraram que um grupo de empreiteiras formou um cartel desde o início dos anos 1990 para decidir entre elas a distribuição dos contratos da Petrobras com valores superfaturados. As maiores construtoras brasileiras participaram do esquema – OAS, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Engevix, entre outras. Mas nenhuma como a Odebrecht, uma gigante responsável por inúmeras obras importantes no país. Seu primeiro grande ciclo de crescimento ocorreu durante a ditadura, quando passou a atuar no setor público.

Desde então, a Odebrecht tem sido uma dos maiores contempladas com verbas federais. Não por coincidência, o grupo também foi um dos principais doadores de partidos políticos. No âmbito da Lava Jato, seu nome apareceu em praticamente todos os depoimentos e ela foi associada a políticos de vários partidos, de governo e oposição, e das diversas instâncias da esfera política.

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Acuada, a empresa confirmou ter participado “de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país”. E, em dezembro, a Odebrecht assinou com o Ministério Público Federal um termo de leniência – como é chamada a delação premiada das empresas. Nesse termo, a Odebrecht confessou fraudes em contratos, pagamentos de propinas e lavagem de dinheiro.

As delações e seus alvos

Um dos principais instrumentos usados pela Lava Jato para avançar nas investigações foi o acordo de delação premiada, que oferece benefícios a um réu em troca de informações sobre o esquema criminoso. Quando ele se torna um delator, deve contar tudo o que sabe: nomes, dados, endereços, telefones, locais em que os outros envolvidos costumam se reunir. Não é necessário apresentar provas, mas as informações têm de ser confirmadas pelas investigações posteriores. Se os atos relatados forem comprovados, o réu tem a pena reduzida ou pode cumpri-la em regime mais brando, como prisão domiciliar. O acordo também prevê pagamento de multa aos cofres públicos.

A delação da Odebrecht envolveu dezenas de políticos. Entre os citados nos depoimentos da empresa estavam 8 ministros do governo Michel Temer e diversos parlamentares ligados ao então presidente. Também há referências nos testemunhos ao senador Aécio Neves e a Renan Calheiros (PMDB), ex-presidente do Senado; além de Geraldo Alckmin (PSDB), ex-governador de São Paulo e aos ex-presidentes petistas Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva.

Sergio Moro

O juiz federal Sergio Moro comandou a Operação Lava Jato a partir da 13ª Vara Federal em Curitiba (PR), especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro. O juiz foi responsável pela condução das investigações da Polícia Federal e do Ministério Público no início da operação, em 2014. Ele também autorizou e validou procedimentos como escutas telefônicas e convocações para depoimentos, além de julgar os acusados sem foro privilegiado. Os casos de acusados com foro, como os políticos em exercício do mandato, foram encaminhados para instâncias superiores, como o Supremo Tribunal Federal.

A atuação de Moro, exaltada pela população, também rendeu advertências do STF sobre supostos abusos, como na divulgação de escutas de conversas telefônicas entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff, em março de 2016. O juiz admitiu o erro e pediu desculpas ao Supremo Tribunal Federal, mas o vazamento impediu a nomeação de Lula ao ministério e colocou mais combustível no processo de impeachment, que acabou se consumando.

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A prisão de Lula

Sem cargo de ministro, os casos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, continuaram na mão da Justiça comum.  E, em julho de 2017, Lula foi condenado pelo juiz Sergio Moro a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Em janeiro de 2018, a pena foi ampliada para 12 anos e 1 mês de prisão pela instância superior, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Em fevereiro de 2018, Lula foi condenado a mais 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia. Lula nega a propriedade dos dois imóveis.

O petista foi preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba em abril de 2018 e cumpriu a pena em regime fechado até novembro de 2019. Ele saiu após o Supremo Tribunal Federal voltar a proibir a prisão de condenados em segunda instância. Numa votação apertada, os ministros decidiram que o réu só pode começar a cumprir pena depois de esgotados todos os recursos da defesa.

A prisão de Cunha

Outro destaque a Lava Jato foi a prisão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em outubro de 2016. Um dos políticos mais poderosos do Congresso, ele havia sido afastado da presidência da Câmara pelo Supremo Tribunal Federal em maio, e um mês depois teve seu cargo de deputado federal cassado em virtude das denúncias de corrupção.

Cunha foi acusado de ter recebido 1,3 milhão de francos suíços (mais de 5 milhões de reais) para viabilizar a compra de um campo de petróleo em Benin (África) pela Petrobras. E por ter recebido 5 milhões de dólares para cessar investigações que impediam a assinatura de contratos da estatal com as empresas Samsung e Mitsui. Pesam ainda sobre Cunha acusações de manter dinheiro ilegal no exterior, de usar o mandato para obter benefícios para outros parlamentares e de tentar impedir as investigações da Operação Lava Jato.

A prisão de Cunha provocou muita tensão no meio político, em razão de sua grande influência em áreas do governo e do parlamento. Em depoimento prestado em fevereiro de 2017, por exemplo, Cunha reafirmou que o então presidente Michel Temer havia participado de um encontro para negociar cargos da Petrobras.

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“Estancar a sangria”

A operação que colocou na cadeia grandes figuras da cena nacional, deixou a classe política em polvorosa. Por isso, não foram poucas as denúncias de tentativas para sabotar as investigações e livrar os envolvidos das condenações que podem vir.

O episódio que melhor define essa teoria foi um diálogo telefônico, divulgado em maio de 2016, que sugeriu que o próprio processo de impeachment de Dilma Rousseff era parte de uma estratégia para conter a operação. Participaram da conversa o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que se tornaria ministro do Planejamento do governo Michel Temer, e Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro (braço da Petrobras). Jucá é alvo de inquéritos que investigam recebimento de propina no esquema que atuava na Petrobras e Machado é apontado como o operador do MDB dentro da estatal.

Em um dos pontos do diálogo, Jucá afirma que a forma de “estancar a sangria” é “mudar o governo”, referindo-se ao avanço da Lava Jato. Em outro momento, Jucá diz que tinha conversado com ministros do STF sobre a necessidade de parar a operação. Ele afirma ainda que um eventual governo Temer deveria costurar um pacto entre a classe política e o Supremo. “Aí, parava tudo”, emendou Machado. “E delimitava onde está, pronto”, completou Jucá, propondo que as investigações fossem interrompidas.

Com a morte do ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo, em um acidente de avião, a discussão em torno desse pacto ganhou um novo componente. Caberia ao presidente indicar um ministro para ocupar o lugar de Zavascki e Temer acabou escolhendo o seu então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que era filiado ao PSDB.

Para juristas, políticos e investigadores da Lava Jato, a indicação pelo presidente de um nome de seu governo nada mais seria do que uma manobra para ter alguma influência direta nos trabalhos do Supremo. Afinal, como o próprio Temer e membros do alto escalão do governo foram citados em denúncias da Lava Jato, a decisão colocou em dúvida a imparcialidade da escolha.

Outro episódio que levantou suspeitas foi a nomeação, por Temer, de Moreira Franco para a Secretaria-Geral da Presidência da República, em fevereiro. Citado nas delações da Odebrecht, Franco passaria a ter foro privilegiado ao ser nomeado ministro, ou seja, não seria mais julgado pelo juiz Sergio Moro, mas pelo STF. Para os críticos, com isso o presidente procurava proteger seu aliado. A Corte Suprema, contudo, entendeu que não houve desvio de finalidade na nomeação, pois Franco já era membro do governo e não era réu.

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