Uma breve História do movimento separatista no Brasil
Cada vez mais, as ideias separatistas do mundo vêm se alinhando à direita. A declaração recente do governador de Minas Gerais não é exceção
Depois que o ex-presidente Jair Bolsonaro perdeu as eleições presidenciais em 2022 e foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral em junho de 2023, seus antigos aliados deram início a uma corrida para tentar herdar seus eleitores e capital político. Em busca de algum destaque nessa posição reacionária, Romeu Zema, o atual governador de Minas Gerais, propôs em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo que o Sudeste e o Sul do país se unissem e protagonizassem uma luta contra a força política representada pelo Nordeste.
Imediatamente, as declarações de Zema estimularam uma onda de publicações separatistas defendendo o fim da unidade territorial, a construção de um muro separando o Norte e Nordeste das demais regiões – como a campanha “Muro Já” -, e entornando o conhecido caldeirão de racismo, xenofobia e preconceitos presentes em parte significativa da população brasileira, especialmente entre sudestinos e sulistas. Entre tantas questões levantadas, é normal se perguntar: desde quando a ideia de separatismo no Brasil está vinculada a esses extremos de conservadorismo? Quando se olha para a História, nota-se que nem sempre foi assim.
Os movimentos separatistas no resto do mundo
Observando a forma como movimentos separatistas se manifestaram pelo mundo desde a segunda metade do século XX, fica claro que, para compreender cada um desses movimentos, é necessário olhar para as especificidades regionais. Isso inclui contextos culturais, étnicos, religiosos e econômicos, assim como o histórico e as motivações dessas mobilizações. Ou seja, é preciso entender quais são as propostas que estão atreladas às tentativas de ruptura com uma unidade maior. Na verdade, qualquer tentativa de enquadrar esses diferentes separatismos em uma regra única e geral – buscando apenas apontar as semelhanças -, tende a resultar em análises profundamente equivocadas.
Afinal, é impossível embrulhar no mesmo pacote o separatismo do movimento pela independência do Quebec do resto do Canadá ou a busca por autonomia da Catalunha perante a Espanha. Além do fato de que querem montar seu próprio Estado nacional autônomo, quase não restam semelhanças significativas entre essas mobilizações. Além disso, elas ainda são diferentes de movimentos como os ocorridos na Irlanda do Norte ou então em Flandres, na Bélgica, onde as regiões separatistas desejam se vincular a um outro Estado.
Ou seja, justamente por conta desse caráter multifacetado, os movimentos separatistas tendem a agrupar as mais variadas forças políticas, e podem se localizar tanto à direita quanto à esquerda.
Nos últimos anos, porém, essa variedade entre os movimentos separatistas vem se mostrando frágil. Cada vez mais, eles vêm sendo impulsionados por organizações políticas conservadoras. Esse é um processo que ocorre desde os anos 1970, momento em que começaram se formar e disseminar mundialmente associações políticas ultraconservadoras e neonazistas, sob os mais diversos nomes, símbolos e peculiaridades.
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Apesar de haver exceções nesse panorama, não chega a ser surpreendente o frequente alinhamento entre separatismo e forças de direita. Basta considerar que movimentos separatistas são abastecidos pela ideia de identidade regional, pelo louvor à cultura local, pelas ações de preservação da língua original daquele território, encarada como um elemento de resistência. Ou seja, é um conjunto de características atraente para ideologias que acreditem em ideais de pureza – seja da raça, ou do sangue, da terra, da religião ou da cultura.
Como o separatismo tem ocorrido no Brasil
Dos turbulentos processos de independência até as primeiras décadas do século XX, nos países da América Latina a unidade territorial somente foi consolidada por meio da derrota militar de quaisquer movimentos que em algum momento tenham se insurgido em oposição ao governo central. O caso do Brasil seguiu essa lógica. Movimentos como a Confederação do Equador, a Cabanagem, a Revolução Praieira e a Farroupilha, ocorridos todos durante o Império, adotaram uma postura separatista, mesmo que apenas por um período determinado.
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Tais movimentos fizeram parte das instabilidades que o Brasil atravessou durante o período imperial até chegar ao Estado nacional hegemônico e com unidade territorial (subordinada, é bom lembrar, principalmente aos interesses políticos e econômicos do Sudeste). Apesar das muitas revoltas ocorridas entre a Proclamação da República, em 1889, e a década de 1940, nenhuma delas tinha como objetivo principal uma proposta separatista (ao menos não no sentido de montar um novo Estado nacional autônomo separado do restante do país).
Mesmo na Guerra Civil que São Paulo mobilizou contra Getúlio Vargas em 1932, apenas uma pequena parcela das lideranças acreditava em ideias separatistas. Na verdade, embora o ideal de separatismo tenha sobrevivido em determinados grupos até o século XXI, nenhum governo republicano no Brasil jamais teve de enfrentar uma real ameaça armada à unidade do território nacional.
Hoje em dia, os movimentos separatistas no Brasil contemporâneo se concentram no Sudeste e no Sul, embora também existam em outras regiões. Nesses territórios, eles não têm força efetiva para transformar suas propostas em realidade. Sua propaganda é maior do que a organização. Trata-se, na verdade, de grupos que permanentemente buscam adquirir visibilidade em contextos de tensão nacional. Fora dessas conjunturas específicas, poucas vezes são sequer lembrados. Mesmo que os ideais separatistas ecoem em algumas parcelas da população, até o momento isso não conseguiu ir além da expressão de opiniões racistas e xenófobas.
Dessa forma, a ideia de uma união do Sudeste e do Sul contra a força política do Nordeste, tal qual defendido pelo atual governador de Minas Gerais, explicita que se trata de uma postura de ódio, racismo e xenofobia. Essa é a única proposta real – talvez justamente por isso alcance alguma divulgação e consiga ressoar na sociedade, pois são características marcantes de parcelas expressivas da população.
Fato é que se trata de um projeto que não se sustenta na lógica econômica do Brasil e tampouco leva em consideração os fluxos e as dinâmicas sociais e culturais do país. Fundamenta-se basicamente em uma ideia de superioridade de sudestinos e sulistas. No final, talvez o maior objetivo seja transformar o ressentimento das recentes derrotas bolsonaristas em mais um novo projeto de ódio para acabar com o país.
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