Análise da redação para a proposta do vestibular 2014 da UPE – protestos no Brasil

(Foto: Victor Moriyama/Getty Images)
Com base na proposta de redação extraída do vestibular 2014 da UPE, o estudante deveria escrever um texto dissertativo/argumentativo sobre as manifestações sociais no Brasil em 2013.
Leia a íntegra do texto escolhido:
Incrivelmente o mundo está tomando um rumo positivo e inesperado com a globalização, a socialização que algumas nações começaram a adotar, inclusive o Estados Unidos da América elegendo uma liderança com vínculos populares com objetivos sociais tanto quanto capitalistas, tomando até o Brasil como exemplo de direcionamento com seus trabalhos sociais; afinal não é possível alcançar objetivos capitalistas sem olhar para a população e suas necessidades…
A primavera árabe também não está longe disso, é um rumo social, inteligente e evolutivo da sociedade moderna.
Aqui no Brasil apesar dos “esforços” do governo de avançar nas suas políticas sociais, acabou esbarrando contra seu grande entrave do progresso, a corrupção! O governo atropelou as necessidades básicas do país investindo capital pesado em um evento internacional que sabemos, retornará pouco para o que se espera em um investimentos desse porte.
O país mergulhado em dificuldades sociais e o governo esbanjando gastos milionários em construções de estádios majestosos. Os protestos e a “deixa” óbvia da FIFA com a vitória da seleção na copa das confederações… Algo até vergonhoso para nossa imagem no exterior, ou será que os estrangeiros não sabem da situação de nosso povo?
A indignação é o sentimento chave que levou a população às ruas… A indignação não se cessa sem a justiça realizada, ela se acumula, se silencia e as vezes desaba sobre os responsáveis como uma represa esgotada pelo peso das águas.
Assim como em todo o mundo, baixas em manifestações dessa magnitude já é algo esperado, a considerar que a baixa tão amplamente divulgada não pareceu homicida mas dissuasiva, que infelizmente teve um resultado negativo, e claro, cabível de punição.
As eleições estão por vir e lá poderemos ver o maior de todos os protestos de uma democracia contra seus governantes, o maior número de abstinências já registradas na história de nosso país, que exclamará no resultado das urnas: “Nenhum de vocês representam os interesses de nosso povo”.
Confira abaixo a análise da professora de redação da Oficina do Estudante, Ednir Barboza:
Esta redação comete alguns equívocos que são perigosos num vestibular. Vou apontá-los abaixo, fazendo comentários sobre cada um deles:
1. A proposta pede um título. O aluno não o colocou. Isso, com certeza, diminui a nota da redação. As instruções da proposta devem ser seguidas, na íntegra. Por isso, ela está aí.
2. O primeiro e o segundo parágrafos abordam um contexto internacional, sem nenhuma referência aos fatos ocorridos no Brasil. São palavras bonitas, mas que não têm significado para o objetivo do texto. Há, inclusive, alguns trechos incompletos de significado. Mistura termos como: globalização, socialização, capitalismo, objetivos sociais, populares… não há muita lógica neste agrupamento de palavras. No 2ºparágrafo, aparece referência à primavera árabe, também sem ligação com o tema e solto no meio do texto. Portanto, os 2 primeiros parágrafos não têm finalidade para a resolução desta proposta. Esta última referência- primavera árabe- poderia aparecer como exemplo de manifestações populares, numa analogia com os movimentos de rua no Brasil, mas não foi assim que aconteceu.
3. Somente a partir do 3º parágrafo, o aluno se volta para o Brasil. Entretanto, faz menção a alguns fatos sem esclarecer o que são: dos “esforços” do governo, necessidades básicas do país, evento internacional ( Quais? É preciso nomear, esclarecer, citar primeiro, comentar depois.) Da forma como foram colocados, esses fatos não têm vínculo com o texto, não informam o leitor, não levam à reflexão, que é o objetivo da dissertação.
4. Esse mesmo equívoco aparece no parágrafo seguinte. Há uma série de citações sem contexto, sem prévio esclarecimento.
5. Quando o texto parece que vai abordar o tema, o aluno usa uma metáfora que poderia ser justificada, mas a ideia continua inconclusa. A palavra indignação que aparece no texto poderia ser o início da argumentação sobre as passeatas, se anteriormente, se tivesse relatado o que levou o povo à indignação. Mas ainda não é por aí que o texto segue.
6. No penúltimo parágrafo, quando a argumentação deveria estar caminhando para o final, indicando a conclusão, há outra série de palavras bonitas que não “conversam” entre si. “Exemplo: baixas em manifestações dessa magnitude já é algo esperado,” o que são essas baixas? Mortes? Tumultos? Prejuízos? Não se sabe…Outro trecho confuso: “baixa tão amplamente divulgada não pareceu homicida mas dissuasiva,” pergunta-se: por que homicida e dissuasiva? “resultado negativo, e claro, cabível de punição”; Pergunta-se: qual resultado e qual punição? Tais expressões só têm validade se discutidas, explicadas e analisadas.
7. Finalmente, na conclusão, um alerta aos políticos-candidatos da próxima eleição. Mas onde eles apareceram no restante do texto? Por que chamá-los à briga aqui no final, onde deveria ficar registrada a conclusão de uma discussão argumentativa e explicativa realizada nos parágrafos anteriores. Esse até poderia ser o final, se anteriormente, tivesse havido alguma referência à política brasileira.
Concluindo: Este não é um texto dissertativo; não tem a estrutura da dissertação nem formal nem ideologicamente. Em nenhum momento, infelizmente, o aluno respondeu à pergunta-tema desta proposta. Portanto, fugiu do tema e do tipo de texto. Observe-se que quase não há deslizes do ponto de vista gramatical (grafia, concordância, etc). Mesmo assim receberia uma nota muito baixa e, do meu ponto de vista, zeraria em tema e tipo de texto.
Segue, apenas como sugestão, um modesto projeto de texto para esta proposta que poderia estruturar-se assim:
1º parágrafo– esclarecer o que foram as manifestações de 2013, sua amplitude e características, apontando causas e futuras perspectivas.
2º parágrafo– argumentar sobre as causas dando exemplos e analisando-os;
3º parágrafo– argumentar sobre as possíveis perspectivas que esse movimento pode gerar- dar exemplos e analisá-los ( é sempre bom lembrar que a argumentação, propriamente dita,está na análise que se faz dos fatos e dos dados apresentados);
4º parágrafo– conclusão:- em que se retoma a ideia inicial e a incorpora à síntese da argumentação, fechando a reflexão feita sobre o assunto.
Fique ligado: toda semana tem tema novo de redação no blog!