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Cuba: A ilha comunista perde Fidel Castro

A ILHA COMUNISTA PERDE FIDEL CASTRO

A morte do líder revolucionário, o rumo das reformas estruturais e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos lançam incertezas sobre o destino político e econômico em Cuba

FIM DE UMA ERA. Milhares de cubanos em Santiago de Cuba despedem-se de Fidel Castro, morto em novembro de 2016 ()

Para muitos, ele foi um ícone da esquerda mundial, símbolo da soberania latino-americana e da justiça social. Para outros, será lembrado como um ditador, que silenciou a oposição e restringiu as liberdades individuais. Fidel Castro, o líder da revolução que implementou o regime comunista em Cuba, morreu em 25 de novembro de 2016, aos 90 anos, abrindo um amplo debate sobre o valor de seu legado político, econômico e social.

Mas é no futuro que reside a maior incógnita a respeito da ilha caribenha. Desde 2006, quando Fidel cedeu o poder a seu irmão, Raúl Castro, na condução de Cuba, o regime passou a adotar algumas reformas de perfil liberalizante, flexibilizando o comunismo que há mais de cinco décadas vigora no país. Será que agora, sem a sombra de Fidel, o governo irá aprofundar essas medidas?

Além disso, a posse de Donald Trump como novo presidente dos Estados Unidos (EUA) em 2017 pode representar um retrocesso em relação aos recentes esforços de normalização das relações entre cubanos e norte-americanos. Trump não esconde sua antipatia em relação à aproximação com Cuba, o que lança muitas incertezas sobre o futuro desse reatamento bilateral.

A Cuba antes de Fidel

Para discutir o destino da era pós-Fidel, é preciso compreender como se deu a formação da Cuba comunista e a influência que o líder revolucionário exerceu durante os anos em que esteve à frente do país.

Localizada no Caribe, na entrada do Golfo do México, Cuba foi uma colônia espanhola durante quatro séculos. Devido ao seu potencial estratégico, a ilha chamou a atenção dos EUA, que entraram em guerra com os espanhóis pela sua posse. Derrotada em 1898, a Espanha cedeu aos EUA o domínio de Cuba. Em 1902, os norte-americanos concederam aos cubanos a independência formal. No entanto, por meio da Emenda Platt, os EUA conservaram o direito de intervir nos assuntos internos da ilha

Os norte-americanos mantiveram Cuba sob tutela até 1934. No entanto, a promissora economia, em especial o setor açucareiro e de tabaco, continuou subordinada aos vizinhos do norte. A pobreza e a desigualdade social eram enormes, e o país vivia sob uma violenta ditadura militar, comandada por Fulgencio Batista, aliado dos EUA. Esse cenário insuflou a oposição e deu origem ao movimento revolucionário, liderado por Fidel Castro e pelo médico argentino Ernesto “Che” Guevara. Em 1º de janeiro de 1959, os guerrilheiros conseguiram tomar a capital Havana e depor Batista. A Revolução Cubana estava em curso.

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A Revolução e o comunismo

O novo regime implementado a partir da Revolução Cubana estatizou as empresas estrangeiras, desapropriou as grandes fazendas de monocultura e realizou uma reforma agrária. Essas medidas contrariavam os interesses norte-americanos, que eram donos de empresas e de grandes extensões de terra em Cuba. As divergências pareciam irreconciliáveis, levando os dois países a romperem relações diplomá- ticas em janeiro de 1961.

Incomodado com a presença de um regime hostil aos seus interesses a poucos quilômetros de sua costa, os EUA decidiram apostar na derrubada de Fidel. Mais de mil exilados cubanos treinados pelos norte-americanos invadiram Cuba em abril de 1961 para tentar tomar o poder. A ação, conhecida como “Desembarque na Baía dos Porcos”, fracassou. As consequências desse episódio determinaram o rumo das relações entre Cuba e EUA nas cinco décadas seguintes. Os norte-americanos impuseram a Cuba um bloqueio econômico que afetou as relações comerciais da ilha. Por sua vez, Fidel declarou Cuba um Estado comunista, alinhando-se definitivamente com a União Soviética (URSS). Era o auge da Guerra Fria, período no qual o mundo ficou dividido em duas esferas de influência: o mundo capitalista era liderado pelos EUA, enquanto os comunistas estavam sob o comando da URSS. Um dos episódios mais dramáticos da Guerra Fria, por sinal, teve como um de seus protagonistas o regime cubano. Em 1962, os EUA descobriram que os soviéticos estavam colocando mísseis atômicos em Cuba, que poderiam alcançar facilmente o território norte-americano. A chamada “Crise dos Mísseis” foi superada com o recuo soviético e a retirada dos mísseis norte-americanos da Turquia, vizinha da URSS. Foi o mais perto que o mundo chegou de uma guerra nuclear.


O PESO DO EMBARGO

Para os cubanos, a medida que mais impacta o seu desenvolvimento é o embargo econômico que os EUA impõem à ilha desde 1962. Condenado formalmente pela ONU, o bloqueio proíbe empresas norte-americanas de estabelecerem relações comerciais com Cuba – apenas itens de primeira necessidade, como alimentos e remédios, podem chegar dos EUA a Cuba, sob algumas restrições. além disso, o embargo tem mecanismos para restringir as relações entre empresas e instituições financeiras de outros países com Cuba, sob pena de retaliações econômicas.


Avanços sociais e repressão

Nos primeiros anos da revolução, Fidel comandou profundas transformações sociais na ilha, elevando o nível de vida da população. O acesso universal aos serviços de saúde, garantindo atendimento gratuito a qualquer tipo de doença, aumentou a expectativa de vida da população e reduziu os índices de mortalidade infantil. Além disso, nenhuma criança ficava fora da escola, o que ajudou a erradicar o analfabetismo da ilha e a elevar o nível educacional dos cubanos. Ao mesmo tempo, uma ampla rede de assistência social evitava que houvesse miséria ou fome.

No contexto polarizado da Guerra Fria, Fidel consolidou-se como um ícone da esquerda ao resgatar a soberania de Cuba frente ao poder imperialista dos EUA. Exportou os ideais da revolução ao ajudar os movimentos de independência das colônias africanas, financiando guerrilhas marxistas em Angola e Moçambique, e ao combater o regime racista do apartheid na África do Sul.

No entanto, ao mesmo tempo que apoiou a luta libertária anticolonial, Fidel exerceu uma liderança autocrática em seu país. Firmou-se como o dirigente absoluto de Cuba por mais de quatro décadas, sob um regime ditatorial de partido único. A ditadura ainda em vigor proíbe a livre organização política, a liberdade de expressão e a existência de qualquer imprensa não oficial. Muitos foram presos ou executados por manifestar-se contra o regime.


As reformas até agora foram graduais devido ao receio do regime em romper com os ideais da Revolução


A crise com o fim da URSS

Durante a Guerra Fria, o alinhamento com a URSS e com outros países comunistas do Leste Europeu garantiu a sobrevivência econômica do regime. Cuba exportava a essas nações açúcar acima do valor de mercado e conseguia importar petróleo a preços subsidiados. Mas o colapso da URSS, em 1991, rompeu essa parceria econômica, deixando Cuba em uma situação crítica. Sem a ajuda financeira soviética, os efeitos do embargo econômico imposto pelos EUA se intensificaram.

A chegada de Hugo Chávez à presidência da Venezuela, em 1999, foi um alento para Cuba, que reeditou a antiga parceria com os soviéticos: a ilha recebia petróleo venezuelano em condições vantajosas e pagava com mercadorias e serviços médicos. O crescimento acelerado da China também garantiu uma receita significativa com as exportações de açúcar. Mas esse modelo não era sustentável. A crise mundial de 2008, os cortes no auxílio da Venezuela e a oscilação no preço das commodities expõem a vulnerabilidade da economia cubana.

Diplomacia. O então presidente dos EUA, Barack Obama, e o líder cubano, Raúl Castro, em 2016 ()

A era das reformas

O agravamento do estado de saúde de Fidel levou o líder a abdicar do poder em favor de seu irmão, Raúl, em 2006. Esse período sob o comando de um novo dirigente coincide com o início das reformas em Cuba. Devido ao agravamento do quadro econômico, as lideranças do regime adotaram uma série de medidas que introduzem mecanismos capitalistas na ilha. O governo adotou um plano para cortar mais de 1 milhão de empregos do setor público, reduzindo a participação direta do Estado em áreas como agricultura, pequeno comércio, transporte e construção. Ao mesmo tempo, liberou mais de 200 atividades para a iniciativa privada, autorizada a contratar trabalhadores, e também legalizou a atuação de pequenas e médias empresas privadas.

Essas medidas de abertura vêm sendo adotadas de forma gradual, em um ritmo que ainda não é capaz de alterar significativamente o panorama econômico da ilha. Apesar de a reforma contar com o respaldo da cúpula do partido, o tom predominante é de cautela, especialmente por parte da ala mais conservadora do regime, receosa de romper com os ideais revolucionários.

A morte de Fidel lança um novo olhar sobre este debate. Apesar de afastado do poder, ele sempre foi visto como um pilar simbólico para o regime. Sem a presença de Fidel para nortear as decisões, muitos acreditam que as reformas irão sofrer menos resistência, principalmente diante do quadro recessivo da economia cubana, cujo PIB retraiu 0,6% em 2016. Por outro lado, muitos analistas apontam uma falta de rumo na condução econômica, que pode se agravar com a ausência de Fidel.

A aposentadoria de Raúl, anunciada para 2018, quando termina o seu segundo mandato, é um fator a mais de incertezas. Seu provável sucessor, o atual vice-presidente Miguel Díaz-Canel, de 56 anos, é de uma geração que nasceu após a Revolução, o que pode indicar um regime mais pragmático e menos apegado ideologicamente.

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O fator Trump

O futuro de Cuba também passa pelo avanço nas relações com os EUA. O reatamento diplomático entre os dois países, anunciado em 2014, colocou um fim a mais de cinco décadas de hostilidades. A normalização das relações foi oficializada em 20 de junho de 2015, com a reabertura das embaixadas dos EUA em Havana e de Cuba em Washington. Para coroar essa nova fase, o então presidente dos EUA, Barack Obama, foi recebido em Havana para um encontro com Raúl Castro, em março de 2016.

Apesar do clima amistoso entre os antigos rivais, ainda são necessários muitos progressos para estancar as feridas abertas durante a Guerra Fria. As atuais divergências entre Cuba e EUA dizem respeito principalmente à permanência do embargo econômico. Durante sua gestão, Obama se manifestou publicamente em favor da suspensão do embargo. No entanto, a revogação do bloqueio depende de aprovação no Congresso dos EUA, que permanece sendo controlado pelo Partido Republicano, abertamente contrário à suspensão do embargo – a justificativa é que a medida é necessária para forçar Cuba a respeitar os direitos humanos e ampliar as liberdades civis.

A eleição do republicano Donald Trump à presidência dos EUA pode tornar ainda mais complicada a resolução do impasse em relação ao embargo. Trump não esconde sua antipatia em relação ao regime cubano. Poucas semanas antes de assumir a presidência, ainda durante o cortejo fúnebre de Fidel, ele avisou por meio de sua conta no Twitter que iria “liquidar o acordo” se Cuba não oferecer melhores condições aos cubanos e aos norte-americanos.

Resta saber até que ponto Trump considera, de fato, a reaproximação com Cuba um equívoco da política externa norte-americana. Isso porque a suspensão do embargo também beneficiaria diversas empresas nos EUA, especialmente do setor agrícola, que estão ávidas por fazer negócios com os cubanos. Todas essas incógnitas, da política de Trump para Cuba até o ritmo que as reformas econômicas devem tomar daqui para a frente, colocam a ilha em uma encruzilhada que definirá o destino do país nesta era pós-Fidel.


Para ir além. A HQ Castro (de Reinhard Kleist, 2011) apresenta a biografia de Fidel Castro, da Revolução de 1959 até o seu afastamento do poder, em 2006.


Cuba

HISTÓRIA Antiga colônia espanhola, Cuba livrou-se do domínio europeu em 1898, com a ajuda dos EUA, que a ocuparam até 1902 e mantiveram um protetorado até 1934. Insatisfeito com a pobreza e a ditadura de Fulgencio Batista, Fidel Castro liderou um movimento revolucionário que assumiu o poder em 1959.

GUERRA FRIA A reforma agrária e a estatização de empresas promovidas por Fidel contrariavam os interesses dos EUA, que romperam relações com Cuba em 1961. Uma tentativa fracassada de derrubar Fidel, no episódio conhecido como “Desembarque da Baía dos Porcos”, levou Cuba a aderir oficialmente ao comunismo e alinhar-se à URSS.

FIDEL  CASTRO Morto em novembro de 2016, Fidel deixa um legado ambíguo. Suas políticas sociais são enaltecidas por ter elevado o nível de vida de sua população, particularmente nas áreas de educação e saúde, e diminuído as desigualdades. Contudo, governou Cuba ditatorialmente, perseguindo a oposição e restringindo as liberdades individuais.

REFORMAS Cuba ainda sofre os efeitos de um embargo econômico decretado pelos EUA em 1962. Ao substituir Fidel, que deixou o poder por motivos de saúde, seu irmão Raúl iniciou reformas de perfil liberalizante, abrindo a economia para uma participação maior da iniciativa privada. A morte de Fidel aumenta as perspectivas de aceleração das reformas, embora ainda haja resistência de setores mais conservadores do regime cubano.

EUA Em 2014, EUA e Cuba anunciaram a retomada de relações diplomáticas. A reaproximação foi consolidada com a reabertura das embaixadas, em 2015, e com a visita do então presidente norte-americano, Barack Obama, a Cuba, em 2016. Mas a manutenção do embargo ainda impede maiores avanços na relação bilateral. O novo presidente dos EUA, Donald Trump, ameaça romper com a reaproximação, embora o setor empresarial norte-americano tenha interesse em retomar os negócios com Cuba.

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