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Brasil – Educação: escola e religião, uma combinação polêmica

Decisão do STF que autoriza o ensino confessional nas salas de aula públicas reacende o debate sobre o caráter do Estado laico no Brasil

Decisão do STF que autoriza o ensino confessional nas salas de aula públicas reacende o debate sobre o caráter do Estado laico no Brasil

Em 2017, o debate em torno do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras extrapolou a esfera da educação e chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). A pedido da Procuradoria Geral da República (PGR), a mais alta Corte jurídica do país foi acionada para decidir se o ensino religioso do tipo confessional é ou não constitucional.

Pelo ensino confessional, as escolas públicas podem oferecer aulas de religião vinculadas a uma crença específica, ministradas por representantes dessas religiões. Já a modalidade não confessional determina que as aulas sejam voltadas para a história e a doutrina das várias religiões, incluindo posições não religiosas, como o ateísmo e o agnosticismo. Segundo a PGR, essa perspectiva estaria em sintonia com o caráter laico do Estado brasileiro, que deve manter a neutralidade em matéria de religião e não adotar nenhuma crença como oficial.

Nas sessões realizadas em agosto e setembro, o STF autorizou o ensino de religião confessional nas instituições públicas de ensino fundamental. A Corte confirmou a obrigatoriedade da oferta das aulas de religião, ressaltando que a presença dos alunos é facultativa. A decisão gerou controvérsia e, para muitos especialistas, ela distancia-se do conceito de uma educação pública laica e tem potencial para ampliar a disputa entre as diversas religiões no campo da educação.

A legislação

A discussão sobre legalidade do ensino religioso no Brasil é controversa, porque há uma série de leis e dispositivos que abordam o tema e se sobrepõem. Por isso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) acionou o STF para definir a questão. Veja como o assunto é tratado em diferentes âmbitos legais:

Constituição (1988) Pela lei máxima do país, o Brasil é laico, ou seja, nossa Constituição prescreve a separação entre o Estado e a Igreja e garante a liberdade de religião como direito fundamental. Além disso, proíbe relações de dependência ou aliança do Estado com qualquer religião ou seus representantes, ressalvando o que for de interesse público. Foi com o objetivo de preservar a laicidade do Estado brasileiro que a PGR pediu ao STF para considerar inconstitucional o ensino religioso vinculado a qualquer religião específica.

Lei de diretrizes e bases (LDB) (1996) A legislação que regulamenta o ensino público e privado no Brasil estabelece a oferta obrigatória do ensino religioso, mas que a matrícula na disciplina seja facultativa, voltada apenas para pais e alunos que tiverem interesse. A LDB atribui às redes de ensino estadual e municipal a definição das normas para a habilitação e admissão dos professores e o conteúdo das aulas, acrescentando que as diferentes denominações religiosas devem ser ouvidas para isso. Apesar de pregar “o respeito à diversidade cultural religiosa
do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”, a LDB não deixa clara a posição sobre os formatos de ensino. Na ação movida pela PGR foi pedida a aplicação da determinação que proíbe o proselitismo em sala de aula, ou seja, o empenho deliberado da instituição e/ou dos professores em converter os alunos a determinada prática religiosa.

Acordo entre Brasil e a Santa Sé (2010) Trata do estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil, que prevê “o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas”. A Procuradoria sustenta que o Acordo entre o Brasil e o Vaticano é inconstitucional por permitir o ensino confessional.

O julgamento no STF

Para desatar esse nó jurídico, o STF foi acionado para julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4439). O relator foi o ministro Luís Roberto Barroso, que defendeu a sua procedência por acreditar que o ensino religioso confessional viola o princípio da laicidade ao identificar o Estado com a Igreja. Barroso também alertou para a dificuldade material de a escola pública respeitar a igualdade das religiões e oferecer aulas que contemplem as diversas crenças religiosas identificadas no Brasil. Para ele, qualquer política pública ou interpretação que beneficie uma religião em detrimento de outra quebra a neutralidade do Estado nessa matéria.

O relator também defendeu a proibição de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas, explicitando que um padre católico, se fizer concurso público, pode ser professor, mas não na qualidade de padre; o mesmo vale para um rabino, um pastor ou um pai de santo, por exemplo. Em seu voto, ainda levantou questões como a necessidade de assegurar que as aulas sejam, de fato, facultativas (portanto, sem matrícula automática, como ocorre hoje) e que haja uma atividade acadêmica alternativa no mesmo horário.

Com um ponto de vista oposto ao do relator, o ministro do STF Alexandre de Moraes postulou que as normas questionadas pela Procuradoria não ofendem a Constituição, que garante a liberdade de expressão. Ele propôs, inclusive, que as aulas sejam ministradas por meio de parcerias com as diversas confissões religiosas, sem a necessidade de realização de concurso público, cabendo ao Estado fornecer apenas o espaço e responsabilizar-se pela organização das aulas. O ministro alega que o Estado, ao elaborar um conteúdo único e oficial para a disciplina “ensino religioso”, abordando aspectos descritivos, históricos, filosóficos e culturais de várias religiões e assumindo a responsabilidade de ministrá-la, desrespeita a liberdade religiosa e a singularidade de cada religião. Para ele, “não se pode, previamente, censurar a propagação de dogmas religiosos para aquele que realmente quer essas ideias”. Nesse sentido, também ressaltou que deve ser voluntária e expressa a vontade do aluno de se matricular na disciplina.

Venceu a posição que autoriza o ensino religioso confessional e permite que o professor seja representante de uma religião específica. É importante ressaltar que a decisão estabelece o caráter optativo dessas aulas e que o ensino não confessional também pode ser adotado pelas escolas. Mas ainda há uma série de incertezas sobre a aplicação da medida, já que não há nenhuma determinação sobre como a disciplina será ministrada, nem qual será o papel do Estado na definição de conteúdos e na contratação de professores ou como se dará o uso de recursos públicos voltados à disciplina.

A indefinição sobre a sua aplicação ganhou um componente adicional em dezembro de 2017, quando o ensino religioso foi incluído na versão final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Básica, um documento elaborado pelo Ministério da Educação (MEC), que define o que o aluno deve aprender na Educação Básica – tanto para as instituições públicas como particulares. A Base mantém a oferta obrigatória do ensino religioso no Ensino Fundamental, com matrícula facultativa para os alunos. Apesar de estabelecer uma natureza pedagógica distinta da confessionalidade, as escolas podem oferecer conteúdos complementares ligados a uma religião específica. O MEC ressalta, ainda, que poderão ser feitas adequações na BNCC que estejam em consonância com a decisão do STF sobre o ensino religioso confessional.

Membros da bancada evangélica realizam culto na Câmara dos Deputados. Foto: Anna Virginia ()

Interesses e perspectivas

Como o Ensino Fundamental público é da competência de estados e municípios, não há uma diretriz para o ensino religioso oferecido no país. Existe uma grande variedade de modelos e propostas pedagógicas, que se baseiam em interpretações da legislação em vigor e, em especial, da LDB. Há uma infinidade de leis e dispositivos estaduais e municipais que procuram definir a natureza do ensino religioso (se confessional ou não confessional), seus conteúdos, carga horária e também a habilitação exigida dos professores.

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De acordo com dados fornecidos por mais de 50 mil diretores de escolas públicas de Ensino Fundamental na
Prova Brasil 2015, compilados pelo portal QEdu, apenas 32% das escolas oferecem aos alunos a modalidade prevista pela LDB, que é o ensino religioso não obrigatório. No entanto, na maioria dessas escolas, não há atividades acadêmicas alternativas para os alunos que optam por não se matricular.

A questão agora é saber de que forma a decisão do STF irá alterar esse panorama. De todo modo, a permissão do ensino confessional tem acirrado a discussão entre os especialistas e explicita a disputa entre as religiões por maior espaço no ambiente educacional. A Igreja Católica, por exemplo, tem atuado fortemente em prol do ensino religioso. Além de ser a crença majoritária no país, com 65,1% de adeptos entre toda a população, o catolicismo detém a maior estrutura para a formação de professores no Brasil.

Por sua vez, importantes representações religiosas evangélicas, como a Universal do Reino de Deus, se posicionaram contrariamente à inclusão da disciplina na escola. Já outras religiões minoritárias, mas de importante tradição no Brasil, como o espiritismo, a umbanda e o candomblé, tendem a perder espaço no ensino público. Essas situações revelam a dificuldade em entender os interesses de uma nação multirreligiosa, ainda que mantenha uma expressiva maioria católica. O grande desafio agora é construir uma sociedade que seja capaz de conciliar o ensino confessional com a tolerância religiosa e a liberdade de crenças.

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RESUMO

Educação

ESTADO LAICO É aquele que mantém neutralidade e não adota nenhuma religião como oficial – é o caso do Brasil. A Constituição prescreve a separação entre o Estado e a Igreja e garante a liberdade de religião como direito fundamental. Além disso, proíbe relações de dependência ou aliança com qualquer religião.

ENSINO RELIGIOSO No ensino religioso confessional as aulas seguem os ensinamentos de uma religião específica, podendo ser ministradas por seus representantes. Já no não confessional, as aulas devem contemplar todas as religiões, numa perspectiva plural.

LEGISLAÇÃO A Procuradoria-Geral da República (PRG) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras. Para a PGR, as aulas de religião não podem ser confessionais, pois atentam contra o princípio da laicidade do Estado brasileiro garantido pela Constituição. Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) prevê o ensino religioso, de matrícula facultativa, alertando que é vedado o proselitismo (intuito de conversão a uma crença).

DECISÃO DO STF Em setembro de 2017, o STF julgou constitucional o ensino confessional nas escolas públicas, autorizando, dessa forma, essa modalidade de ensino. Posteriormente, a Base Nacional Comum Curricular, homologada em dezembro de 2017, incluiu a disciplina de ensino religioso nos nove anos do Ensino Fundamental, como conteúdo de oferta obrigatória pelas escolas e de matrícula facultativa.

CONSEQUÊNCIAS A decisão gerou controvérsia ao distanciar-se do conceito de uma educação pública laica e tem potencial para ampliar a disputa entre as diversas religiões no campo da educação – religiões majoritárias, como o catolicismo, tendem a ser favorecidas. Mas ainda há incertezas sobre a aplicação da medida, já que não se sabe como a disciplina será ministrada nem qual será o papel do Estado na definição de conteúdos.

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Decisão do STF que autoriza o ensino confessional nas salas de aula públicas reacende o debate sobre o caráter do Estado laico no Brasil

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