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Brasil – Governo Temer: sobrevida presidencial

Para escapar de um processo no STF que poderia lhe custar o mandato, o presidente Michel Temer faz concessões aos congressistas, lançando mão de velhas práticas fisiológicas

Para escapar de um processo no STF que poderia lhe custar o mandato, o presidente Michel Temer faz concessões aos congressistas, lançando mão de velhas práticas fisiológicas

Em 2017, Michel Temer passou por uma situação inédita: pela primeira vez na história do Brasil, um presidente era acusado formalmente de um crime durante o exercício do mandato. Por duas vezes, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou Temer ao Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção.

Em junho, Janot acusou o presidente de ter negociado o recebimento de 38 milhões de reais em troca de vantagens indevidas ao grupo empresarial J&F, e de ter enviado seu ex-assessor, Rodrigo Rocha Loures, para recolher 500 mil reais do mesmo grupo. As imagens de Loures saindo de um restaurante em São Paulo com uma mala contendo o dinheiro foram amplamente divulgadas pelas emissoras de TV. Em setembro, Janot voltou a atacar e acusou Temer de obstruir a Justiça e de ter participado de organização criminosa que teria recebido ao menos R$ 587 milhões em propina.

Se fosse condenado, Temer teria de deixar o cargo. Para processar o presidente, no entanto, o STF precisa de autorização da Câmara dos Deputados, e nos dois casos os congressistas vetaram a continuação do processo, salvando o mandato de Temer. Em agosto, a primeira denúncia foi rejeitada por 263 votos a 227 pelos deputados. Em outubro, a Câmara negou a segunda tentativa por 251 a 233. Seriam necessários 308 votos de um total de 513 para liberar o processo no STF.

Presidencialismo de coalizão

Se a acusação contra Temer era inédita, a forma usada para neutralizá-la é bem antiga. Para conseguir barrar as denúncias, o governo usou velhos truques típicos da política nacional. Em um regime político-institucional como o brasileiro, a afinidade entre o Poder Executivo (liderado pelo presidente da República) e o Poder Executivo (Câmara dos Deputados e Senado Federal) é condição indispensável para a governabilidade do presidente. Embora o sistema de governo seja o presidencialista, na prática vigora no país um regime conhecido como presidencialismo de coalizão. Nele, o presidente busca manter uma maioria parlamentar no Congresso Nacional para conseguir aprovar os seus projetos.

A composição entre o partido do governo federal com outras siglas para a manutenção dessa maioria parlamentar é conhecida como base aliada. Na essência, a ideia é que essa base aliada compartilhe um conjunto de compromissos político-ideológicos semelhantes. Mas no Brasil há uma deturpação do sentido original. Para aderir ao governo, parlamentares e partidos exigem favores, como verbas para projetos regionais, cargos estratégicos nos ministérios e nas empresas públicas federais ou apoio político.

Mais claro, impossível: para ter o voto dos congressistas, o governo federal tem de oferecer algo em troca. A prática, chamada de fisiologismo, ou o popular “toma lá, dá cá”, é apontada como um dos graves problemas do sistema político brasileiro. Em primeiro lugar, porque substitui o debate de planos e ideias, que deveria nortear a atuação do Parlamento e suas relações com o Executivo, por uma simples troca de favores que acaba dando plenos poderes ao presidente da República.

O MDB (ex-PMDB), partido de Michel Temer, foi quem mais soube tirar proveito do fisiologismo. Apesar de jamais ter eleito um presidente da República, manteve-se no centro do poder desde o fm da ditadura militar, em 1985, ocupando cargos de primeiro escalão em todos os governos, independentemente da posição ideológica do governante.

Fisiologismo salva Temer

O fisiologismo é utilizado não só para o presidente tentar colocar em prática o seu programa de governo como também para manter-se no cargo em caso de denúncias contra si. Uma das principais razões que levaram os ex- presidentes Fernando Collor (1992) e Dilma Roulssef (2016) a sofrerem processo de impeachment foi justamente a dificuldade em manter um relacionamento mais harmonioso, e fisiológico, com os congressistas.

No processo de convencimento dos deputados para rejeitar a denúncia ou conter ameaças de deserção dos que tinham garantido apoio ao presidente, o governo Temer lançou mão de diversas práticas do fisiologismo. Uma delas foi a liberação de dezenas de cargos que estavam desocupados a deputados de partidos como PP, PR, PTB e PRB. Outra medida, mais onerosa aos cofres públicos, envolveu diversas concessões para agradar aos parlamentares da Câmara. Segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, o presidente Temer empenhou 32,1 bilhões de reais para barrar o prosseguimento das duas denúncias contra si na Câmara.

Boa parte desse montante foi destinada a favorecer a bancada ruralista no Congresso. Formada por deputados e senadores ligados ao agronegócio que defendem o interesse do setor, a frente parlamentar conta com 214 deputados e poderia garantir, sozinha, a salvação do mandato do presidente. A pedido da bancada ruralista, eles foram beneficiados com um pacote de descontos nas alíquotas de contribuição para o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), usado para custear aposentadorias do trabalhador do campo. O governo também não se opôs a um projeto de resolução do Senado que anistiou um passivo de 17 bilhões de reais não pagos ao Funrural. Além disso, o governo decidiu dar descontos de 60% em multas ambientais e transformar os pagamentos em compromissos de gastos com reflorestamento e conservação do ambiente. Essa anistia custou 2,7 bilhões aos cofres públicos.

Para agradar aos deputados comprometidos com o setor empresarial, Temer sancionou a Medida Provisória do Refs, um programa que cria um novo parcelamento das dívidas com a Receita Federal, com descontos nos juros, nas multas e nos encargos. Com essa medida, criticada por técnicos do Ministério da Fazenda por comprometer a meta fiscal, o governo deixará de arrecadar 6,4 bilhões de reais. O governo também abriu mão de outros 6 bilhões de reais ao não privatizar Congonhas a pedido do PR, partido que mantém influência política no controle do aeroporto.

A esses 32,1 bilhões somam-se ainda 4,2 bilhões de reais destinados às emendas parlamentares para os deputados. Por lei, o Orçamento da União prevê verbas para atender a solicitações de parlamentares que pedem recursos para obras e programas em seus redutos eleitorais. A liberação é obrigatória, mas os presidentes da República costumam usar esse dinheiro para negociar a atuação dos deputados, antecipando ou retendo os valores como forma de pressão.

No ato das votações das denúncias, transmitidas nacionalmente pela televisão, muitos deputados agradeceram publicamente. Ao votar pelo arquivamento da acusação contra o presidente, em 2 de agosto, um dia após ter-se encontrado com Temer, Carlos Gaguim, deputado do Podemos e ex-governador de Tocantins, declarou: “Para que o presidente Michel possa, juntamente com a sua equipe, levar recursos para o meu Tocantins, para saúde, educação, segurança pública, Gaguim vota ‘sim’”. Já no dia da votação da segunda denúncia pelo plenário da Câmara, em 25 de outubro, o deputado Darcísio Perondi (MDB-RS), aliado de Temer, foi flagrado conferindo uma lista de valores do Ministério da Agricultura e checando no painel do Plenário quem estava presente.

Membros da oposição protestam contra Temer em votação na Câmara dos Deputados, em outubro de 2017 (clique para ampliar). Foto: Adriano Machado ()

Capital político

Mesmo com todo esse conjunto de concessões, a base de Temer na Câmara dos Deputados diminuiu em 12 votos, quando se comparam a primeira e a segunda votação das denúncias. Esse emagrecimento de aliados mostra que a barganha bilionária para manter-se no cargo pode ter afetado outros projetos considerados essenciais para a gestão federal. No entendimento de muitos analistas, o presidente consumiu quase todo o “capital político” de que dispunha para garantir a sobrevivência de seu mandato, comprometendo a arrecadação e o orçamento de 2018. Com isso, a fonte do fisiologismo parece ter se esgotado para a votação de temas caros ao governo Temer, como a reforma da Previdência.

Para aprovar projetos que alteram as regras da Previdência são necessários 308 votos, porque as propostas de emendas constitucional (PEC) exigem quórum de três quintos dos deputados. Na segunda votação das denúncias, o presidente obteve 251 votos de apoio, ou seja, menos da metade dos 513 deputados.

A interpretação de que o presidente vinha perdendo apoio entre os deputados foi feita pelo próprio presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele reconheceu que a Câmara sofreu um desgaste ao defender Temer quando ele encarna baixa popularidade, e os deputados hesitam em apoiá-lo ou votar a favor de propostas rejeitadas pela sociedade, como a reforma da Previdência, em pleno ano eleitoral.

Manobra política

Apesar de sinais ainda tênues de melhora da situação econômica, como o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a retomada do emprego e a queda da inflação, Temer não tem conseguido reverter sua baixa popularidade. As pesquisas de opinião o colocam como o presidente mais rejeitado desde o fim da ditadura militar, em 1985. Segundo levantamento do Ibope realizado em dezembro, 74% dos brasileiros consideram o governo Temer ruim ou péssimo, enquanto 6% o avaliam como bom ou ótimo. Em comparação com a antecessora, 59% dos entrevistados responderam que o governo Temer é pior do que o de Dilma Roulssef e apenas 10% o consideram melhor.

Para analistas políticos e do mercado financeiro, a alta rejeição deve-se em primeiro lugar às sucessivas denúncias de corrupção contra o presidente e membros de seu governo. Outra razão seria o fato de que a população ainda não sentiu em seu dia a dia as melhoras na economia, tímidas por enquanto. O impacto de campanhas nas redes
sociais contra as reformas trabalhista e da Previdência também mantém o governo sob ataque, ajudando a construir uma imagem negativa.

Diante de um cenário de alta rejeição, a decisão de Temer de assinar um decreto de intervenção federal no Rio de Janeiro, em fevereiro, vai além da tentativa de conter a escalada de violência no estado. Muitos articulistas apontam que a medida faz parte de uma estratégia política para que o governo não fique com o ônus de não conseguir aprovar a reforma da Previdência. Isso porque, com a intervenção em vigor, nenhuma PEC pode ser votada – ou seja, o fracasso da reforma poderia ser atribuído à intervenção e não à falta de articulação política do atual governo.

Além disso, a intervenção federal no Rio gera a sensação de que o governo federal está sendo mais proativo no combate à violência, uma das grandes preocupações não apenas da população do Rio de Janeiro, como de todo o Brasil. É uma medida de grande impacto popular, que pode conter a violência em um primeiro momento e estancar a elevada rejeição de Temer – exatamente nos meses que antecedem a disputa presidencial, em outubro. Com isso, o MDB pode sonhar em ter algum protagonismo na campanha eleitoral. Ainda que Temer não se candidate à reeleição, ele poderia apoiar outro postulante para sucedê-lo, no que promete ser a mais acirrada eleição presidencial das últimas décadas.

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RESUMO

DENÚNCIAS O presidente Michel Temer foi alvo de duas denúncias de corrupção feitas pelo então Procurador-Geral da República Rodrigo Janot ao STF no segundo semestre de 2017. Na primeira denúncia, Temer foi acusado de ter negociado o recebimento de 38 milhões de reais em troca de vantagens indevidas ao grupo empresarial J&F. Na segunda, de obstruir a Justiça e de ter participado de organização criminosa que teria recebido ao menos R$ 587 milhões em propina. As duas denúncias foram barradas em votações na Câmara dos Deputados.

FISIOLOGISMO Para conseguir convencer os deputados a votar a seu favor, Temer valeu-se de artifícios como distribuição de cargos, liberação de verbas para emendas de parlamentares em suas bases eleitorais e benefícios fiscais a empresas. À prática de barganhar vantagens por apoio ao governo é dado o nome de fisiologismo, comum na política brasileira.

CUSTO DA SALVAÇÃO Estima-se que o governo tenha gasto mais de 32 bilhões de reais para barrar as denúncias contra Temer e salvar seu mandato. Boa parte desse montante foi empenhada para atender à pressão de congressistas comprometidos com os interesses do agronegócio e do setor empresarial. Outros 4,2 bilhões foram destinados a emendas parlamentares, beneficiando os deputados alinhados em salvar o mandato de Temer. Com isso, o presidente queimou capital político e perdeu poder de barganha para negociar outros temas da agenda do Executivo, como a reforma da Previdência.

POPULARIDADE Temer enfrenta alta rejeição do eleitorado, com aprovação girando em torno de 6%. Contribuem para isso a percepção da população dos efeitos ainda tímidos da retomada econômica, as denúncias de corrupção e o esforço pela aprovação de medidas impopulares, como as reformas trabalhista e da Previdência. A intervenção federal anunciada para conter a escalada da violência no Rio de Janeiro é vista como uma medida com potencial para aumentar a popularidade de Temer, visando à corrida presidencial de outubro.

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Brasil – Governo Temer: sobrevida presidencial
Brasil – Governo Temer: sobrevida presidencial
Para escapar de um processo no STF que poderia lhe custar o mandato, o presidente Michel Temer faz concessões aos congressistas, lançando mão de velhas práticas fisiológicas

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