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Brasil – Operação Lava Jato: xadrez eleitoral

Condenação do ex-presidente Lula pelo TRF-4 suscita debate sobre a prisão em segunda instância e pode alterar os rumos da acirrada eleição presidencial

Condenação do ex-presidente Lula pelo TRF-4 suscita debate sobre a prisão em segunda instância e pode alterar os rumos da acirrada eleição presidencial

No dia 24 de janeiro, o Brasil parou para assistir ao julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Depois de oito horas de sessão, Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no âmbito da Operação Lava Jato, promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal (PF) sobre crimes dentro da Petrobras. O petista foi considerado culpado na acusação de ter recebido um apartamento triplex na cidade de Guarujá, no litoral paulista, como propina por beneficiar a empreiteira OAS em contratos de seu interesse. A sentença manda prender o ex-presidente assim que forem esgotados os recursos que ainda podem ser apresentados por sua defesa.

Os desembargadores confirmaram sentença anterior do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara da Justiça Federal
de Curitiba (PR), mas ampliaram a pena original, que era de nove anos e seis meses. O TRF-4, que fica em Porto Alegre, responde pela Justiça Federal no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná e atua como segunda instância para processos julgados por juízes desses três estados. O tribunal analisou o caso atendendo a recursos da defesa de Lula, que pedia sua absolvição, e do Ministério Público Federal (MPF), que queria o aumento da pena.

A história do triplex começou em 2005, quando Lula e sua mulher, Marisa Letícia, compraram a cota de um apartamento no condomínio Solaris, no Guarujá, da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop). Durante a construção, o casal desistiu da compra, mas, de acordo com as investigações da PF, o apartamento foi assumido pela empreiteira OAS, que iniciou uma série de reformas no imóvel a pedido de Marisa. Isso configuraria o pagamento de propina, pois a construtora estaria reformando o local para entregar ao casal Lula da Silva, supostamente em troca de algum benefício.

Em sua sentença, de 12 de julho de 2017, o juiz Sergio Moro afirma que, apesar de Lula dizer que nunca foi proprietário do triplex, ele foi comprado e reformado pela OAS a pedido do ex- presidente. Para o juiz, o ex-presidente recebeu vantagem ilegal em razão de ocupar a Presidência da República e o crime é apenas parte de um grande esquema de corrupção na Petrobras.

A defesa de Lula afirmou que o julgamento foi político e sustentou durante todo o processo que não há nenhuma prova de recebimento de benefícios pelo ex-presidente. Alegou ainda que o apartamento é da OAS e nunca foi do petista. De acordo com os advogados, Moro baseou sua sentença numa suposição. Isso, diz a defesa, seria uma inversão de um conceito básico da Justiça, o de que a responsabilidade de provar a autoria de um crime cabe ao acusador, o chamado “ônus da prova”. Ou seja, em vez de demonstrar o crime que Lula teria praticado, o processo teria levantado uma acusação e exigido que o petista provasse que é inocente.

A rapidez com que o recurso de Lula foi julgado pelo TRF-4 também reacendeu as queixas quanto a uma possível diferença da Justiça no tratamento de petistas e processados de outros partidos. Entre a sentença inicial de Sergio Moro e o veredicto de Porto Alegre transcorreram seis meses. Para a defesa de Lula, foi um tempo mais curto que o usual. Já o presidente do Tribunal, Carlos Eduardo Thompson Flores, afirmou que o prazo esteve próximo à média da corte.

Outra queixa da defesa diz que a Lava Jato trata de forma diferente processos de políticos de outros partidos que não o PT. Haveria maior rigor nas investigações e interrogatórios quando o assunto é contra um petista. A defesa de Lula apresentou reclamações de parcialidade contra Moro no TRF-4, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), mas todas foram rejeitadas.

Além do caso do triplex, Lula responde a outros seis processos. Dois deles, pela Lava Jato. Em um, o MP afirma que a construtora Odebrecht pagou aluguéis de um apartamento vizinho ao dele em São Bernardo do Campo em troca de benefícios em oito contratos com a Petrobras. No outro, ele seria beneficiário da reforma de um sítio na cidade de Atibaia, em São Paulo, avaliada em R$ 1 milhão, cujo proprietário é um amigo seu, Fernando Bittar.

Prisão e eleição

A sentença do TRF-4 manda prender Lula tão logo sejam esgotados os recursos contra a decisão do tribunal. Esse ponto levanta uma aparente contradição do ordenamento jurídico. Segundo a Constituição Federal, um condenado só pode ser preso após esgotadas todas as possibilidades de defesa. No caso de Lula, ele poderia recorrer a instâncias superiores, como o STF, a mais alta Corte do país, para questionar aspectos constitucionais de sua condenação, como o cerceamento do direito de defesa. No entanto, o próprio STF permitiu, em 2016, a prisão em segunda instância – nessa situação, a detenção de Lula poderia ser autorizada após o fim dos recursos contra a sentença do TRF-4. Mas essa decisão ainda era preliminar e, agora, o STF é pressionado a julgar novamente o tema para emitir um parecer definitivo.

Outro ponto controverso é de direito eleitoral. Em 2010 foi promulgada uma lei de iniciativa popular que ficou conhecida como Lei da Ficha Limpa. Ela determina que uma pessoa fique inelegível, isto é, impedida de disputar eleições, se for condenada por um órgão colegiado. A decisão contra o ex-presidente foi tomada pelos três desembargadores que formam a 8ª turma do TRF-4, Victor Laus, Leandro Paulsen e João Pedro Gebran Neto, portanto, um órgão colegiado. Assim, ele estaria impedido de disputar a eleição presidencial de outubro deste ano. Apesar de ainda estar à espera de uma análise do STF, a lei está em vigor e já atingiu inúmeros políticos.

No entanto, caso sua eventual candidatura seja impugnada em primeira instância, Lula recorrerá pelo direito de concorrer aos tribunais eleitorais Regional (TRE) e Superior (STE), e também ao STJ e ao STF, e o tempo que essa tramitação vai durar é imprevisível. Até lá, ele poderá fazer normalmente a campanha, mesmo preso. Caso Lula seja eleito e considerado inelegível após a eleição, seria criada a situação de ele ser impedido de tomar posse ou, se já estiver no cargo, ter de deixar a Presidência. Esse cenário prolongaria ainda mais a crise político-econômica que o país enfrenta.

A condenação do ex-presidente criou um impasse eleitoral. Desde meados de 2017, Lula lidera as pesquisas de intenção de votos para a eleição presidencial deste ano. Mas a pergunta é: Lula vai disputar? E se estiver preso? Seria legítimo destituir um presidente recém-eleito? Nos meios político e jurídico as opiniões se dividem. O Partido dos Trabalhadores (PT) insiste que impedir Lula de disputar seria uma afronta à vontade popular. Em contraponto, seus adversários reafirmam que a lei deve ser obedecida independentemente de quem seja o alvo da Justiça.

A Lava Jato

A histórica decisão que condenou pela primeira vez um ex-presidente por um crime no Brasil foi uma das ações de maior impacto realizada pela Operação Lava Jato, a mais profunda investigação sobre corrupção já realizada no país. Iniciada pela PF em março de 2014, a Lava Jato desnudou um amplo esquema de desvio de recursos públicos envolvendo funcionários da Petrobras, grandes construtoras e políticos de diferentes partidos. Ela é comandada pelo juiz federal Sergio Moro, de Curitiba, com participação do MPF e da PF.

Segundo as conclusões da PF, um grupo de grandes empreiteiras formou um cartel que decidia a distribuição entre elas dos contratos da Petrobras. Nas licitações, os valores eram superfaturados. Parte do dinheiro excedente serviu para enriquecer as empreiteiras – entre as mais atuantes no esquema estavam a Odebrecht e a OAS. Outra porção substancial dos recursos desviados ficava com diretores da Petrobras e ia para políticos e seus partidos como forma de perpetuar o esquema de corrupção e alimentar o financiamento de campanhas eleitorais, violando os limites definidos pela lei – o chamado caixa 2.

O protagonismo de Janot

Além do núcleo de Curitiba, o procurador-geral da República de 2013 a 2017, Rodrigo Janot, exerceu papel central na Lava Jato. O procurador-geral é o chefe do MPF e tem entre suas funções conduzir os casos que atinjam políticos com direito a foro privilegiado – prerrogativa de algumas autoridades de serem julgadas nas instâncias mais altas da Justiça, como o STF. Têm direito a foro privilegiado, no caso de crimes comuns, o presidente da República e o vice, membros do Congresso Nacional, ministros de Estado, além do próprio procurador-geral da República.

Janot adotou uma postura agressiva nos casos de corrupção. O procurador foi bem-sucedido nas denúncias ao STF, que acatou o pedido de prisão do senador Delcídio do Amaral (PT), em novembro de 2015, e o afastamento do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), em maio de 2016.

Outro caso emblemático ocorreu em junho de 2017, quando Janot apresentou ao Supremo denúncia contra o senador Aécio Neves por corrupção e obstrução da Justiça baseado em delação de Joesley Batista, da JBS. O delator acusou Aécio de lhe ter solicitado 2 milhões de reais e apresentou gravação da conversa. O procurador pediu que o senador fosse afastado do cargo e preso. Em setembro, a Corte rejeitou a prisão, mas concordou com o afastamento e determinou que o tucano ficasse confinado em sua casa, sem receber visitas nem se comunicar com outros envolvidos no caso. Aécio cumpriu as determinações, mas o próprio Supremo decidiu que o Senado teria que referendar a medida. Em outubro, os senadores derrubaram a decisão do STF, o que deixou Aécio livre para reassumir o mandato.

O procurador também denunciou Michel Temer ao STF duas vezes em 2017, mas o presidente conseguiu barrar o prosseguimento das ações na Câmara. As vitórias de Aécio e Temer contribuíram para o desgaste de Janot ao final de seu mandato. Em setembro, ele foi substituído pela então subprocuradora-geral da República, Raquel Dodge, de quem era adversário.

O ex-procurador geral da República Rodrigo Janot e a atual, Raquel Dodge, que assumiu em setembro de 2017 (clique para ampliar). Foto; Antonio Cruz ()

Abusos da Lava Jato

Assim que assumiu o cargo, Dodge sinalizou algumas mudanças na Operação Lava Jato. A atual chefe do MPF afirmou que será mais dura contra os vazamentos de informações que deveriam ser mantidas em sigilo, mas que chegam até a imprensa e podem influenciar o jogo político. Também disse que será mais rigorosa na aceitação dos acordos de delação premiada – negociação feita entre a Justiça e o acusado de algum crime no qual se oferecem benefícios ao réu em troca de informações sobre um esquema criminoso.

A essas duas polêmicas se somam outros casos em que a prática jurídica da Lava Jato tem sido contestada. Algumas das prisões preventivas decretadas pela operação foram consideradas abusivas, especialmente em situações em que o investigado não estava destruindo provas ou atrapalhando as investigações. Além disso, na visão de muitos juristas, houve excessos na adoção de conduções coercitivas. Essa medida impositiva é geralmente acionada quando o investigado se recusa a depor, o que não ocorreu em muitos casos.

A questão envolvendo eventuais excessos da Lava Jato é delicada, pois é muito tênue a relação entre o abuso do poder e a impunidade. De um lado, vivemos em um Estado Democrático de Direito, que garante a todo acusado o amplo direito de defesa, que não pode ser violado em virtude da sede da sociedade por justiça. Por outro, há um claro movimento da classe política para tentar minar o alcance da Lava Jato e evitar punições mais rigorosas.

É nesse contexto que tramita no Congresso o projeto que altera a Lei de Abuso de Autoridade. O texto é encarado como uma ameaça às investigações, pois aumenta a chance de punição a juízes, promotores, procuradores e delegados que cometerem excessos. Entre as práticas classificadas como abuso de autoridade estão obter provas por meios ilícitos e decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem intimação prévia.

Troca na Polícia Federal

Outra decisão que pode prejudicar a Lava Jato foi a troca do diretor-geral da Polícia Federal, por decisão de Temer. Saiu Leandro Daiello e entrou Fernando Segovia. No cargo desde 2011, Daiello já havia manifestado desconforto com pressões e deu sinais de querer deixar a função. Ele estava à frente das operações da Lava Jato desde o início das investigações, em 2014, e era apontado como defensor dos trabalhos da operação.

Segovia foi superintendente regional da PF no Maranhão, base política do ex-presidente José Sarney, que atuou por sua nomeação e tratou do assunto diretamente com Temer. Para muitos, era o sinal de que o governo estava interferindo na Lava Jato.

Um episódio ocorrido três meses após a posse do novo diretor alimentou as suspeitas de seus opositores. Temer é investigado por um suposto esquema de cobrança de propina de empresas que atuam no porto de Santos, mas Segovia afirmou à imprensa, em fevereiro, que não existiam provas contra o presidente da República e que, por isso, a tendência seria arquivar as investigações. A afirmação deu início a uma onda de pedidos pelo seu afastamento, o que acabou se confirmando em fevereiro, quando Segovia foi substituído por Rogério Galloro. Após quatro anos de investigações, a Lava Jato enfrenta desafios que se intensificam à medida que o cerco se fecha contra figuras mais centrais do cenário político nacional.

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RESUMO

Operação Lava Jato

LAVA JATO

É uma grande operação iniciada pela Polícia Federal (PF), em março de 2014, para investigar corrupção na Petrobras. Pelo esquema, um grupo de empreiteiras decidia entre elas a distribuição dos contratos da estatal. O dinheiro excedente era destinado às empreiteiras, aos diretores da Petrobras e a políticos e seus partidos como forma de perpetuar o esquema de corrupção.

LULA CONDENADO

O ex-presidente Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão pelo TRF-4, em segunda instância, por corrupção e lavagem de dinheiro. Segundo a sentença, Lula pediu para a construtora OAS reformar um apartamento triplex em Guarujá (SP), que a empreiteira lhe daria em troca de decisões favoráveis em contrato entre a empresa e o governo.
PRISÃO O tribunal decidiu que Lula deve ser preso assim que se esgotarem os recursos que ele pode apresentar. A Constituição define que alguém só pode começar a cumprir pena de prisão após cumpridos todos os níveis de recursos, mas o STF decidiu recentemente que a partir da condenação em segunda instância, caso de Lula, o condenado já pode ser preso.

ELEIÇÃO

Mesmo condenado, e eventualmente preso, Lula pode se candidatar a presidente na eleição deste ano. Essa situação também envolve um impasse: de acordo com a Lei da Ficha Limpa, um condenado em segunda instância não pode disputar eleições, mas Lula pode recorrer tanto na Justiça Eleitoral quanto ao STF e arrastar o processo até depois das eleições.

ABUSOS

Tramita no Congresso o projeto que altera a Lei de Abuso de Autoridade, que prevê punição a juízes, promotores, procuradores e delegados que cometerem excessos. Entre as práticas tidas como abuso de autoridade estão obter provas por meios ilícitos e decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem intimação prévia. A questão envolvendo eventuais excessos da Lava Jato é delicada, pois é muito tênue a relação entre o abuso do poder e a impunidade.

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Brasil – Operação Lava Jato: xadrez eleitoral
Brasil – Operação Lava Jato: xadrez eleitoral
Condenação do ex-presidente Lula pelo TRF-4 suscita debate sobre a prisão em segunda instância e pode alterar os rumos da acirrada eleição presidencial

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