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De olho na História: O massacre do Carandiru

111 detentos foram mortos no maior massacre penitenciário da história do Brasil. Até hoje, nenhum policial cumpre pena pelo crime

POR JUSTIÇA –  Detentos protestam no presídio do Carandiru, três dias após o massacre que matou 111 presos, em outubro de 1992 ()

Era dia 2 de outubro de 1992. Por volta das 10 horas, na quadra interna do pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru, acontecia uma partida de futebol. Dois presos – Antônio Luís do Nascimento (Barba) e Luís Tavares de Azevedo (Coelho) – começaram a brigar. Em pouco tempo, a confusão se alastrou e os detentos se dividiram em dois grupos rivais para acertar antigas desavenças.

Às 14 horas, uma rebelião estava deflagrada. Os carcereiros abandonaram os postos e transferiram alguns prisioneiros feridos para o pavilhão 4. Enquanto isso, detentos ateavam fogo em colchões e outros objetos. Com a situação incontrolável, o então diretor do Carandiru, José Ismael Pedrosa, acionou a Polícia Militar. Cerca de 300 policiais, 25 cavalos e 13 cães foram enviados à cadeia.

Uma tentativa de negociação foi iniciada. De acordo com a direção do presídio e o comando da Polícia Militar, os encarcerados a ignoraram. Por outro lado, grupos de direitos humanos e ex-presidiários que estiveram presentes no episódio alegaram que houve um sinal de rendição e entrega de armas.

A intervenção da polícia foi autorizada pelo secretário de Segurança Pública de São Paulo à época, Pedro Franco de Campos, que negou ter consultado o governador Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB), sobre a ação. Às 16h30, 86 homens sob o comando do coronel Ubiratan Guimarães romperam as barricadas feitas pelos presos e invadiram o pavilhão 9 munidos de fuzis, pistolas e metralhadoras.

Logo no início, o coronel foi ferido e retirado da operação. Em menos de 30 minutos de invasão, o Carandiru virou palco de uma carnificina, com 111 presos mortos e 130 feridos. Entre os policiais, estavam 23 feridos e nenhum  morto.

Após o massacre, os presos sobreviventes foram obrigados a ficar nus e descer para o pátio da Casa de Detenção. Alguns foram obrigados a transferir os corpos das vítimas até o 10º andar do pavilhão, onde foram empilhados, mudando assim o cenário do episódio e impossibilitando o trabalho da perícia.

A chacina ocorreu às vésperas das eleições municipais. Na ocasião, o vice-governador Aloysio Nunes Ferreira era o candidato à prefeitura de São Paulo, apoiado por Luiz Antônio Fleury Filho. Até o fim do dia, a informação oficial passada era de que a rebelião tinha resultado em apenas oito mortes. Só no dia seguinte, pouco antes do fechamento das urnas, o número definitivo de vítimas foi divulgado e o assunto ganhou as manchetes de jornais. À época, o fato foi tratado como uma manobra do governador em impedir que a divulgação do massacre influenciasse o resultado da eleição, que acabou vencida por Paulo Maluf (PDS).

JULGAMENTO

Mesmo passados 25 anos do massacre, ninguém foi punido ou preso. Em 2001, submetido a júri popular, o coronel Ubiratan Guimarães foi o único condenado a 632 anos de prisão pela morte de 102 detentos. Contudo, conseguiu o direito a recorrer em liberdade. No ano seguinte, elegeu-se deputado estadual com mais de 50 mil votos e o número 111 na cédula. Em 2006, ele teve sua pena anulada pelo Tribunal de Justiça, meses antes de ser assassinado.

Outros cinco julgamentos aconteceram entre 2013 e 2014. Ao todo, 74 policiais foram condenados pelas mortes de 77 vítimas, mas a defesa pediu a anulação, alegando a impossibilidade de individualizar a conduta dos envolvidos. Somadas, as penas chegavam a 20.876 anos de cadeia.

Em 2016, três desembargadores da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de SP decidiram anular os  julgamentos anteriores. Como não houve consenso entre todos os magistrados sobre haver um novo júri ou absolver os policiais, eles se reuniram novamente em abril de 2017. Por quatro votos a um definiram que os militares serão julgados novamente. A data, no entanto, não foi marcada.

SITUAÇÃO CARCERÁRIA

Além de acender o debate sobre os casos de abuso policial e violência do Estado, o massacre evidenciou a superlotação das cadeias brasileiras. No período, a Casa de Detenção de São Paulo era o maior complexo  penitenciário da América Latina. Formado por sete pavilhões, o Carandiru abrigava 7.257 detentos, porém tinha  capacidade apenas para 3.300. Só no pavilhão 9, viviam mais de 2 mil, onde estavam encarcerados os réus  primários, aqueles que cometeram qualquer tipo de crime pela primeira vez. Dos 111 mortos na chacina, 89 ainda aguardavam julgamento pelos crimes de que eram acusados.

Atualmente, a realidade dos presídios não é diferente. O Brasil é um dos países que mais encarceram no mundo. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o número de presos em estabelecimentos penais, divulgado em fevereiro de 2017, já ultrapassa 654 mil pessoas. O déficit de vagas no sistema, por sua vez, é de cerca de 250 mil.

Desde o começo do ano, o país passou por outras crises penitenciárias. Rebeliões em prisões, sobretudo das regiões Norte e Nordeste, terminaram com centenas de mortos. A maior das tragédias foi no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus. O confronto entre facções rivais resultou no assassinato de 56 detentos. Depois, foi a vez de unidades em Roraima, Rio Grande do Norte e Mato Grosso registrarem conflitos.

O massacre e a superlotação carcerária também tiveram outras consequências desastrosas para a segurança pública a partir do surgimento do Primeiro Comando da Capital (PCC), em 31 de agosto de 1993. Considerada a maior facção criminosa do país, o PCC foi fundado por um grupo de prisioneiros na Casa de Custódia de Taubaté, no interior de São Paulo, como uma reação à repressão e precariedade das prisões. Em 2002, dez anos após a chacina, a Casa de Detenção de São Paulo foi desativada e demolida para dar lugar ao Parque da Juventude. Se o presídio do Carandiru não existe mais, o massacre que ali ocorreu há 25 anos deixou sequelas permanentes em nossa sociedade.

De olho na História: O massacre do Carandiru
De olho na História: O massacre do Carandiru
111 detentos foram mortos no maior massacre penitenciário da história do Brasil. Até hoje, nenhum policial cumpre pena pelo crime Era dia 2 de outubro de 1992. Por volta das 10 horas, na quadra interna do pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru, acontecia uma partida de futebol. Dois presos – Antônio Luís do Nascimento (Barba) e […]

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