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Dossiê – Crise sem fim: A República sem rumo

ACUSAÇÃO EXPLOSIVA

Delação dos donos da JBS causa grave crise no governo e faz de Michel Temer o primeiro presidente brasileiro denunciado por crime de corrupção durante o mandato

O DELATOR – Joesley Batista, dono da JBS: gravação comprometedora contra Michel Temer ()

Na quarta-feira, 17 de maio de 2017, uma nova denúncia de corrupção abalou o país. Poderia ser mais um entre tantos vazamentos com os quais os brasileiros se acostumaram desde o início das investigações da Operação Lava Jato, em 2014. Mas aquela notícia tinha um componente explosivo que a diferenciava das denúncias já feitas até então.

No começo daquela noite, o país tomou conhecimento de que o presidente Michel Temer foi gravado em um diálogo comprometedor com o empresário Joesley Batista, um dos donos da J&F, holding que controla o frigorífico JBS. Também foram divulgados trechos da então sigilosa delação premiada prestada por Joesley e seu irmão, Wesley, ao Ministério Público Federal (MPF).

Na conversa ocorrida na noite de 7 de março no Palácio do Jaburu, residência oficial de Temer, o presidente aparenta concordar com a compra do silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha, preso pela Operação Lava Jato em outubro de 2016 – Joesley estaria pagando uma mesada para Cunha ficar calado e não delatar o envolvimento de Temer em esquemas de corrupção. Em outro momento do diálogo, Joesley conta que teria comprado juízes e promotores que ameaçavam os negócios de sua empresa, sem que o presidente tenha tomado qualquer providência.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chefe do MPF, viu na gravação indícios de corrupção por parte de Temer e tentativas de atrapalhar as investigações da Lava Jato. Após obter autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para abrir um inquérito contra o presidente, em junho, Janot apresentou a denúncia. Temer tornou-se o primeiro presidente no exercício do cargo a ser formalmente acusado de crime comum desde a promulgação da Constituição de 1988.

AS ACUSAÇÕES CONTRA TEMER

A denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta que Temer e seu assessor, o ex-deputado  federal Rodrigo Santos da Rocha Loures, cometeram crime de corrupção passiva. Janot sustenta que o presidente recebeu propina para favorecer a JBS em um processo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão federal que analisa questões envolvendo a concorrência entre empresas. Na conversa gravada secretamente por Joesley, Temer designa Loures como seu interlocutor para que o executivo resolva pendências com o governo. Dias após o encontro no Jaburu, o assessor de Temer foi flagrado com uma mala contendo 500 mil reais, entregue a ele por um emissário de Joesley. O episódio foi gravado em vídeo pela Polícia Federal (PF), com autorização da Justiça. Para Janot, Temer era o destinatário final do dinheiro.

A PGR também avalia uma possível denúncia contra o presidente por obstrução de justiça. Relatório preparado pela Polícia Federal aponta que o chefe do executivo agiu para atrapalhar as investigações da Lava Jato na medida em que incentivou a manutenção de pagamentos ilícitos a Cunha e deixou de comunicar às autoridades competentes sobre suposta corrupção de membros do Judiciário e do Ministério Público por parte de Joesley.

Janot apura ainda se os supostos crimes cometidos por Temer foram executados por uma estrutura organizada e com funções definidas. Caso isso seja comprovado, estaria caracterizada a formação de uma organização criminosa e a atuação do presidente em favor dela – o que poderá render mais uma denúncia contra Temer.

Como a denúncia da PGR refere-se a crimes comuns aqueles previstos no Código Penal), o presidente deve ser julgado pelo plenário do STF. De acordo com o rito, a denúncia da Procuradoria foi enviada à Câmara dos Deputados, que precisa autorizar a continuidade da ação. Para isso, é necessário o apoio de 342 dos 513 parlamentares (2/3 da Casa). Até o fechamento desta edição, a data da votação ainda não havia sido confirmada.

Se os deputados autorizarem a abertura da ação penal, a denúncia volta ao STF para que o plenário julgue seu recebimento. Se ela for aceita, Temer torna-se réu e é afastado de suas funções por 180 dias. Ao final do julgamento, caso seja condenado, é deposto da Presidência e está sujeito ao cumprimento de pena de prisão. Se a Câmara não acolher a denúncia ou se ela for rejeitada pelo Supremo (tanto na fase de admissibilidade quanto na discussão do mérito), o presidente segue no cargo. Esse rito se repete no caso de a PGR encaminhar novas acusações contra o presidente.

O HOMEM DA MALA – O deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB): papel-chave na crise ()

A DEFESA DO PRESIDENTE

Embora admita a realização do encontro no Jaburu com o dono da JBS, Temer nega ter cometido qualquer irregularidade. O presidente descarta a possibilidade de renúncia e defende-se dizendo que foi mal interpretado em elação à suposta compra de silêncio de Cunha. Segundo Temer, ele apenas ouviu as demandas de Joesley, mas não as atendeu.

Para desqualificar o áudio, considerada uma das principais provas do processo contra ele, Temer pediu uma perícia na gravação, justificando que ela teria sido manipulada para incriminá-lo. O Instituto Nacional de Criminalística, ligado à Polícia Federal (PF), analisou a gravação e o aparelho usado pelo empresário para registrar a conversa e concluiu que não houve fraude.

O presidente também defendeu-se da denúncia formulada pela PGR dizendo que a denúncia de Janot teria sido motivada por fatores políticos, não jurídicos, e constitui “um ataque à sua dignidade”. Questionou, ainda, o acordo e delação premiada fechado entre o MPF e os controladores da JBS, que garantiu aos empresários perdão judicial e autorização para que morem no exterior. A delação premiada é um acordo que oferece benefícios a um réu em troca de informações sobre um esquema criminoso.

OUTROS ACUSADOS

Os irmãos Joesley e Wesley Batista decidiram colaborar com o MPF porque estavam sendo investigados por suspeita de participação em esquemas de corrupção, desvio de dinheiro, pagamento de propina e fraudes. A delação dos donos da JBS atingiu dezenas de políticos, entre eles os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Roussef (PT) e os senadores José Serra (PSDB-SP) e Aécio Neves (PSDB-MG).  Os empresários disseram ter pago suborno para obter vantagens para seu grupo empresarial no Congresso e em vários governos. A JBS liderou o ranking de financiamento eleitoral privado na campanha de 2014.

Aliado do presidente e responsável pelas articulações que levaram os tucanos a participar da gestão Temer, Aécio também foi gravado por Joesley. Na conversa, o mineiro pede ao empresário 2 milhões de reais para custear sua defesa na Lava Jato, onde é investigado por recebimento de propina e por tentar barrar a operação. Andrea Neves e Frederico Pacheco de Medeiros, respectivamente irmã e primo do senador, também foram citados na delação da JBS, acabaram presos e foram posteriormente colocados em prisão domiciliar. A Procuradoria pediu a prisão de Aécio, mas o STF determinou apenas o afastamento do senador tucano de seu mandato, o que foi revogado dias depois pelo próprio Supremo.

AS BATALHAS DE TEMER

O caso JBS fragilizou o governo e provocou uma fissura em sua base de sustentação. Temer perdeu apoio de partidos importantes, como o PSB (Partido Socialista Brasileiro), dono da sexta maior bancada na Câmara dos Deputados, e viu seu maior aliado, o PSDB, rachar. Uma ala da sigla, que ocupa quatro ministérios, passou a defender o desembarque da administração federal. Maior cardeal da agremiação, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pediu a renúncia de Temer e a convocação de eleições diretas antecipadas, mas até o fechamento desta edição os tucanos seguiam de mãos dadas com Temer.

Manter um sólido apoio no Parlamento é fundamental para o presidente continuar no poder e levar adiante sua agenda de governo, cuja prioridade é a aprovação da reforma da Previdência. E, neste delicado momento para Temer, sustentar uma forte base aliada também passa a ser uma questão fundamental para a manutenção de seu mandato. Isso porque, além de enfrentar a denúncia de crime comum no STF, Temer corre o risco de sofrer no Congresso um processo de impeachment por crime de responsabilidade.

Desde que as delações da JBS vieram à tona, duas dezenas de pedidos de impeachment foram protocolados na Câmara. Cabe ao deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa e aliado de Temer, decidir pelo acolhimento dos pleitos. Na hipótese de o processo seguir adiante, o pedido tem que ser apreciado por uma comissão da Câmara, aprovado por dois terços dos deputados (342 votos), aceito por maioria simples no Senado (nesse momento, o presidente seria afastado até a conclusão do processo) e, finalmente, julgado pelos senadores. É preciso 54 votos para a condenação e o afastamento definitivo do presidente.

Apesar de enfrentar essas duas difíceis trincheiras, no STF com a denúncia de Janot e no Congresso com a possibilidade de abertura de processo de impeachment, Temer ao menos conseguiu vencer a primeira batalha para se manter na Presidência. Em junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgou a chapa presidencial Dilma/Temer, acusada de crime de abuso de poder político e econômico, por meio de financiamento ilegal da campanha em 2014. Em caso de condenação, Temer seria afastado do poder. Mas o TSE acabou rejeitando a ação, o que
garantiu uma sobrevida ao presidente.

E SE TEMER CAIR?

Se Temer for cassado pelo STF ou pelo Senado, a Constituição determina que o presidente da Câmara assuma provisoriamente em seu lugar e convoque eleições em até 30 dias. O primeiro na linha de sucessão é Rodrigo Maia, investigado na Operação Lava Jato, assim como o sucessor seguinte, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).

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Os dois são suspeitos de recebimento de propina da construtora Odebrecht (veja mais na pág. 82). Caso sejam enunciados por Rodrigo Janot, estariam impedidos de assumir a Presidência. A próxima da lista é a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia.

A Constituição estabelece que o pleito presidencial é indireto – ou seja, a escolha caberia a deputados e senadores. As regras desta eleição, no entanto, não são claras e precisariam ser definidas pelo Congresso. Há dúvidas, por exemplo, sobre quem poderia se candidatar. A lei eleitoral define que membros do Judiciário devem deixar seus cargos seis meses antes da votação – o que seria inviável, já que a eleição precisaria ocorrer em 30 dias. A Carta Magna também não esclarece o quórum necessário para que se aponte o vencedor, se maioria simples ou absoluta dos votos.

Existe, ainda, um debate no Congresso sobre a convocação de eleições diretas para o preenchimento do cargo.  Tramitam duas propostas: uma estabelece a realização de diretas se o cargo ficar vago após os três primeiros anos do mandato; e outra caso haja vacância do cargo até 6 meses antes do fim do mandato. Para virar lei, é preciso que seja aprovada em dois turnos no plenário do Senado e, depois, no da Câmara. A realização de um pleito direto é um clamor popular. Pesquisa do Instituto Datafolha feita em abril mostrou que 85% dos entrevistados defendiam a realização de diretas.

UM GOVERNO FRACO

Ainda que consiga manter-se no cargo até o fim do mandato, em dezembro de 2018, Temer estará à frente de um governo débil e refém do Congresso. Enfraquecido pelas denúncias de corrupção, restaria a ele tentar fazer avançar a reforma previdenciária, mas pagando um preço elevado no Parlamento.

Além do suporte dado pelo Congresso, Temer também precisa continuar contando com o apoio do empresariado, que vê com bons olhos sua agenda econômica. Mas a crise abalou a confiança do mercado no governo e lançou um ponto de interrogação no reequilíbrio das finanças públicas e na retomada do crescimento da economia.

O apoio entre grandes produtores rurais e industriais contrasta com o baixo prestígio popular do presidente. Uma pesquisa divulgada pelo Datafolha em junho mostrou que a gestão Temer contava com o apoio de apenas 7% da população – o mais baixo índice desde o governo de José Sarney (1985-1990), quando o país sofria com a hiperinflação.

Mesmo assim, a pressão das ruas não foi capaz de colocar Temer contra a parede, pelo menos no primeiro semestre. Os grupos que promoveram grandes manifestações em 2016 pedindo o impeachment de Dilma Roussef não demonstraram a mesma disposição para tirar Temer

do poder este ano. Mesmo com as denúncias de corrupção contra o presidente, o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua permanecem alinhados com o projeto de reformas de Temer. Restou às centrais sindicais, artistas e movimentos ligados à esquerda realizar mobilizações e convocar greves. Um dos protestos de maior repercussão ocorreu em maio na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, quando Temer chegou a convocar as Forças Armadas para conter a manifestação.

A instabilidade deflagrada pelas acusações de Joesley Batista é apenas mais um capítulo desta crise que parece não
ter fim. Nas próximas páginas, você vai conhecer as dificuldades enfrentadas por Temer desde que tomou posse após um turbulento processo de impeachment e os fatores estruturais que explicam a mais intensa crise institucional vivida pelo país nos últimos anos.

SUCESSÃO? – O presidente da República Michel Temer e Rodrigo Maia, presidente da Câmara ()
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