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Dossiê Estado Islâmico: Cobiça internacional acirra conflitos

Intervenções de potências ocidentais no Oriente Médio marcam a história da região e contribuem para o desenvolvimento do fundamentalismo

É impossível entender a situação política atual do Oriente Médio sem levar em conta a histórica intervenção das potências ocidentais. Esta ingerência externa nos países da região se acentuou nos últimos cem anos, estimulando conflitos internos e moldando a forma como a sociedade muçulmana enxerga o Ocidente.

O Império Otomano (1281-1922) foi o último califado – uma forma de governo islâmico comandado por um califa que acumula as funções de um líder político e espiritual. Em seu auge, controlava um vasto território na Europa, na Anatólia (atual Turquia) e nas regiões árabes. Veio um longo período de decadência até que, ao fim da I Guerra Mundial, restava apenas o centro turco, na Anatólia.

A situação social dos países que se desmembraram do domínio turco-otomano, com os povos submetidos a várias privações impostas pelo imperialismo ocidental, gerou ressentimentos que estimularam a proliferação de movimentos de nacionalistas árabes (pan-arabismo) e fundamentalistas islâmicos. As populações desses países viram o predomínio do Ocidente – identificado com o cristianismo – como uma desvalorização de sua religião e de sua identidade. Nesse terreno, desenvolveram-se os grupos islâmicos que rechaçam a modernidade ocidental. Não é casual que a Irmandade Muçulmana, primeira grande organização fundamentalista, tenha surgido no Egito em 1928, logo após a derrocada otomana. A Irmandade é até hoje o grupo islâmico mais influente do mundo.

Nessa mesma época, cresceu a importância econômica do Oriente Médio, que abriga as maiores reservas de petróleo e gás do planeta. As disputas pelo controle dos recursos petrolíferos estiveram na origem de muitas intervenções estrangeiras, principalmente do Reino Unido, da França e dos Estados Unidos (EUA).

Acordos Sykes-Picot

Com o fim do Império Otomano, suas províncias árabes foram postas em geral sob o controle britânico e francês, como parte da nova ordem estabelecida pelos vencedores da I Guerra. O desenho da região foi traçado, antes mesmo do fim da guerra, em acordos secretos entre Reino Unido e França, cujas delegações foram chefiadas, respectivamente, por Mark Sykes e François Georges-Picot. Eles debateram o assunto entre o fim de 1915 e o início de 1916. Suas conclusões, que vieram a ser conhecidas como “acordos Sykes-Picot”, pretendiam definir a partilha do império (veja mapa ao lado).

Pelo entendimento, a França passaria  a controlar diretamente territórios que iam da Anatólia ao litoral mediterrâneo oriental (atuais Síria e Líbano), incluindo o norte do atual Iraque (a cidade de Mosul, por exemplo). Ao Reino Unido caberia o controle da maior parte das restantes terras árabes, entre elas as que correspondem à atual Jordânia e as da maioria do Iraque (o litoral do Golfo Pérsico e a região próxima, que abrange a cidade iraquiana de Basra). A Palestina seria internacionalizada – na prática, passou também ao controle britânico. Essa divisão, embora não tenha sido colocada em prática exatamente como o planejado, definiu os limites da influência das duas potências na região.

Essa nova configuração ainda teve outros desdobramentos importantes no Oriente Médio. Os turcos desenvolveram uma luta de independência, que impediu o controle grego sobre a Anatólia e desembocou na constituição da Turquia contemporânea (veja mais na pág. 58). Na Pérsia (atual Irã), em 1921, um golpe de Estado colocou no poder o general Reza Khan, que coroou-se xá (monarca) em 1926, com o nome de Reza Shah Pahlevi.

Às terras da Península Árabe (onde ficam, entre outros, os atuais Arábia Saudita, Kuweit, Iêmen e Omã), os europeus concederam a possibilidade de manter Estados independentes, do ponto de vista formal, embora também submetidos ao controle das potências.

Dessa forma, os acordos Sykes-Picot definiram a configuração política do Oriente Médio após a guerra. Com base neles, negociações oficiais estabeleceram fronteiras, muitas das quais artificiais, porque dividiram civilizações milenares, que mantinham laços culturais e econômicos comuns. Tudo isso contribuiu para o crescimento de um sentimento antiocidental nos povos da região.

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Criação de Israel

Logo após a II Guerra Mundial (1939- 1945), outro grande acontecimento reconfigurou politicamente a região: a criação do Estado de Israel. O novo país, ao ocupar parte do território histórico da Palestina, expulsou milhares de árabes palestinos que eram a maioria da população local e criou uma situação de disputas com as várias nações árabes vizinhas.

Israel tem sua origem no sionismo, movimento surgido na Europa no século XIX, com objetivo de criar um Estado para os judeus. O apoio internacional à causa aumentou, depois da II Guerra, ao ser revelado o genocídio de cerca de 6 milhões de judeus nos campos de extermínio nazistas, o Holocausto. Em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a divisão da Palestina em dois Estados – um para os judeus, com 53% do território, outro para os árabes, com 47%. Estes últimos rejeitaram o plano.

Em 14 de maio de 1948, foi criado o Estado de Israel, que, desde o início recebeu forte apoio político, militar e financeiro dos EUA. Cinco países árabes enviaram tropas para impedir sua fundação, mas as forças militares de Israel venceram o combate. Após a guerra, em janeiro de 1949, Israel passou a ocupar 75% da região. Mais de 700 mil palestinos foram expulsos, refugiando-se na Cisjordânia, em Gaza ou nos países árabes vizinhos. Em 1967, Israel voltou a derrotar uma aliança de países árabes na Guerra dos Seis Dias, e passou a controlar a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, a Faixa de Gaza e a Península do Sinai (que seria devolvida ao Egito em 1982), além das Colinas de Golã, que pertenciam à Síria.

Essa situação levou Israel a constituir- se como um país altamente militarizado, em que os conflitos são constantes, entremeados por tréguas. Um dos efeitos desse longo conflito foi o desenvolvimento de grupos fundamentalistas islâmicos que combatem Israel de forma radical. O palestino Hamas, inspirado na Irmandade Muçulmana, controla a Faixa de Gaza – o que complica ainda mais a busca pela paz, já que Israel não negocia com o grupo, por considerá-lo terrorista. Há também o libanês Hezbollah, vinculado politicamente ao governo sírio e apoiado pelo Irã, que já enfrentou militarmente Israel no sul do Líbano.

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Revolução islâmica no Irã

Outro momento decisivo nas relações entre o Oriente Médio e o Ocidente ocorreu no Irã com a Revolução Islâmica, de 1979, que derrubou o xá Mohammad Reza Pahlevi (filho do primeiro xá, que abdicara em 1941). Durante anos, os EUA mantiveram uma aliança com o Irã, sustentando um governo corrupto e pouco interessado na situação social do país. Em troca, as empresas norte-americanas mantinham vantajosos contratos, principalmente para explorar os recursos energéticos iranianos.

Em 1978, a crise econômica e a ampla corrupção desencadearam protestos contra o xá. As várias correntes oposicionistas uniram-se sob a liderança do aiatolá Ruhollah Khomeini, exilado na França. O governo não conseguiu controlar a insurreição, e, em janeiro de 1979, Reza Pahlevi fugiu do país e obteve asilo político nos EUA. Após um regresso triunfal ao Irã, Khomeini assumiu o poder. A Revolução Islâmica explicitou a rejeição da sociedade iraniana à submissão ocidental e marcou a instauração de um regime que se contrapõe fortemente aos EUA. Além disso, alterou a correlação de forças na região. Em um país-chave como o Irã foi criada uma república islâmica dirigida por xiitas, um fator a mais de tensão com os outros regimes da região, todos comandados na época por sunitas.

A Guerra do Golfo

A Guerra do Golfo marca a primeira intervenção militar norte-americana no Oriente Médio após a queda do Muro de Berlim e o início da derrocada socialista em 1989 – período em que os EUA consolidaram sua hegemonia mundial. O estopim do conflito foi a anexação do Kuweit pelo Iraque, em 1990.

Mesmo tendo apoiado o Iraque na guerra contra o Irã (1980-1988), os norte-americanos decidiram acionar sua máquina de guerra contra o ditador iraquiano Saddam Hussein. Além de restaurar a soberania do Kuweit, o objetivo era evitar que o fortalecimento de um país-chave no Oriente Médio como o Iraque alterasse o equilíbrio de poder na região. Implicitamente, a intervenção ainda mandava um claro recado sobre a capacidade norte-americana de sustentar sua hegemonia no Oriente Médio.

Em uma operação fulminante, iniciada em 16 de janeiro de 1991, as forças coligadas de cerca de 30 nações, lideradas pelos EUA, derrotaram o Iraque em pouco mais de um mês. Mesmo derrotado, Saddam Hussein conseguiu se sustentar no poder.

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Ocupação do Iraque

Na década seguinte, o Iraque voltaria a ser alvo das forças militares norte-americanas, numa ação cujos efeitos estão no cerne da atual crise no Oriente Médio. Em 2002, EUA e Reino Unido acusaram Saddam Hussein de acumular armas de destruição em massa. O governo do presidente norte-americano George W. Bush começou os preparativos para uma guerra contra o Iraque, que era apresentada também como parte de sua ofensiva contra o terrorismo, na esteira da reação aos atentados cometidos pela Al Qaeda, nos EUA, em 11 de setembro de 2001.

EUA e Reino Unido decidiram atacar o Iraque, em março de 2003, mesmo sem o respaldo da ONU. Derrotaram rapidamente os iraquianos, conquistando a capital, Bagdá, em 9 de abril, e instalando um governo de ocupação. Meses depois, Saddam foi capturado, e ele acabou sendo executado em 2006. Posteriormente, ficou comprovado que o ditador iraquiano não possuía armas de destruição em massa.

As forças de ocupação dos EUA tentaram impor no Iraque uma nova ordem política, favorecendo a maioria xiita em detrimento dos sunitas – nos quais Saddam apoiava-se para governar. Os protestos contra o domínio estrangeiro logo deram origem a uma insurgência contra as forças ocidentais. Atentados e ataques tornaram-se frequentes, Com a posse de Barack Obama na presidência dos EUA, em 2009, os norte-americanos começaram a retirar as tropas do Iraque gradualmente, concluindo a operação em dezembro de 2011. Além de deixar cerca 110 mil civis mortos, essa longa permanência em solo iraquiano desestabilizou completamente o país, com o acirramento das desavenças políticas e sectárias. Aliada a esse fator, a retirada das tropas norte-americanas foi sucedida por um vácuo de poder
que favoreceu a proliferação de diversas milícias. O desenvolvimento do grupo Estado Islâmico está diretamente vinculado a essa situação convulsionando o país.

Todas essas intervenções contribuíram para fomentar uma forte aversão ao Ocidente em grande parte das sociedades muçulmanas do Oriente Médio. Obviamente, o repúdio às ingerências das grandes potências por si só não é suficiente para explicar a atual onda fundamentalista em alguns setores do islamismo – afinal, não se pode ignorar o baixo desenvolvimento econômico na maioria dessas sociedades e as divisões dentro do próprio islã como alguns catalisadores do extremismo. Mas também é inegável que esse histórico e dominação ocidental gerou fortes ressentimentos ainda não superados.

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