Assine Guia do Estudante ENEM por 15,90/mês

Dossiê – Intolerância: a escalada da homofobia

Além de serem vítimas de violência, minorias sexuais, sobretudo transgêneros, vivem situação de exclusão social; no mundo, sete nações impõe a pena de morte para a prática homossexual

Além de serem vítimas de violência, minorias sexuais, sobretudo transgêneros, vivem situação de exclusão social; no mundo, sete nações impõe a pena de morte para a prática homossexual

Um vídeo mostrando um corpo ensanguentado e jogado no chão, recebendo pauladas, chutes e xingamentos de pelo menos quatro homens se propagou na internet em 2017 e ganhou repercussão internacional. A vítima dessa cena chocante era a travesti cearense Dandara dos Santos, de 42 anos, uma das 277 LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) assassinadas no país, apenas nos nove primeiros meses do ano.

Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), ONG responsável por realizar esse levantamento, o número de mortes ligadas à homofobia e à transfobia já passou de uma por dia, a maior média desde que o grupo começou a fazer esse levantamento, há quase 40 anos. Tais indicadores conferem ao Brasil o lamentável título de líder mundial de homicídios de LGBTs.

A homofobia pode ser definida como o medo, a aversão ou o ódio irracional aos homossexuais. A transfobia refere- se à intolerância de gênero relacionada aos transexuais, transgêneros e travestis. Além do Brasil, em diversos outros países as perseguições e as ameaças de violência também impedem que LGBTs possam exercer livremente a sua cidadania ou viver em segurança. Algumas nações, inclusive, fazem do preconceito explícito uma política de Estado. Em pleno século XXI, a prática homossexual é considerada crime em mais de 70 países. Em sete deles – Sudão, Irã, Iraque, Iêmen, Arábia Saudita, Nigéria (em 12 estados) e Somália (em algumas regiões no sul) – a punição para quem se relaciona com alguém do mesmo sexo é a morte.

Ódio e exclusão social

No Brasil, um traço comum desses crimes de intolerância é o grau de violência das agressões, que costumam ser múltiplas e concentradas no rosto e nos órgãos genitais das vítimas, indicando não se tratar de assassinatos comuns mas de crimes de ódio. Elas teriam, assim, a função de passar um “recado” para a sociedade: o de que esse tipo de comportamento é condenável e, portanto, deve ser punido e eliminado, e que as pessoas que assim se comportam podem vir a ter um destino semelhante.

Esses assassinatos bárbaros, no entanto, representam apenas a parte mais visível da discriminação e da falta de garantias básicas a que são expostos os homossexuais, principalmente os transgêneros. Por demonstrarem de modo mais claro a sua homossexualidade, as travestis e os transexuais são os que sofrem os maiores preconceitos e violência. E acabam vivenciando um ciclo vicioso da exclusão: são expulsas de casa e, posteriormente, da escola, onde costumam sofrer bullying e violência, muitas vezes praticados até com a conivência de professores e familiares. Segundo pesquisa realizada em 2016 pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), mais da metade dos estudantes LGBT já foi assediada sexualmente na escola. A rejeição segue no mercado de trabalho, até que algumas pessoas veem como única e última alternativa a prostituição, tornando-se mais uma vez vulneráveis a todas as questões que isso envolve, desde viver na rua, até ser vítima de novos assédios, violência e de ameaças de morte.

Como resultado da exclusão e da discriminação, são altas as taxas de depressão e suicídio entre LGBTs. Assim como os assassinatos, o suicídio configura uma das principais causas de morte de travestis e transexuais no Brasil. Estudos internacionais apontam que o índice de suicídio é de quatro a cinco vezes mais frequente entre os LGBTs. Assim, enquanto a expectativa de vida da população brasileira em geral é de 75 anos, a média de vida de uma travesti no país não passa de 35 anos.

Clique para ampliar ()

“Cura gay”

Uma das maiores discriminações sofridas pela população LGBT está relacionada com a chamada “cura gay”, que sugere que a homossexualidade é uma doença e, por isso, passível de ser tratada. Foi somente em 1991 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou o termo “homossexualidade” da Classificação
Internacional de Doenças, reconhecendo que uma variação natural da sexualidade humana não pode ser considerada patologia. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) proibiu, em 1999, o uso de terapias de reversão sexual. A transexualidade, todavia, ainda se encontra na lista de transtornos mentais da OMS.

Mas, nos últimos anos, houve diversas tentativas para suprimir a resolução do CFP e autorizar essas práticas, principalmente por meio de projetos enviados à Câmara dos Deputados. Em dezembro de 2017, numa polêmica sentença, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, autorizou psicólogos a atenderem gays e lésbicas que buscam mudança na orientação sexual.

Segundo o juiz, o objetivo seria não privar os psicólogos de oferecer o serviço àqueles que, voluntariamente, venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade, sem qualquer forma de censura. Associações de LGBTs manifestaram-se contrárias à decisão. O CFP também considerou a sentença equivocada e declarou que iria recorrer. Para o Conselho, o entendimento da homossexualidade como algo que possa ser revertido reforça o estigma, a exclusão e até a violência, uma vez que a considera um problema que deve ser eliminado.

Bancada Evangélica

O crescimento da homofobia no Brasil associa-se com a ordenação patriarcal da sociedade – a organização da família em torno da figura do homem –, o machismo e o conservadorismo. Para isso também contribui o fortalecimento de grupos religiosos mais radicais, tanto católicos como evangélicos. A homossexualidade constituiria uma ameaça aos valores morais desses grupos, como a família, entendida por eles exclusivamente como a união entre um homem e uma mulher.

Essa expansão se expressa, entre outras formas, pelo crescimento da chamada bancada evangélica no Congresso Nacional. O número de integrantes que a compõem quadruplicou de 1994 para 2017, passando de 21 para 80 dos 513 deputados federais. Assim como outras frentes parlamentares, ela atua de forma coordenada para tratar de assuntos de seu interesse e vota de maneira coesa. Além disso, possui poder de articulação e capacidade de pautar temas da agenda política, como o projeto conhecido como Estatuto da Família, que tramita na Câmara dos Deputados e defne família apenas como sendo a união entre homem e mulher, inviabilizando a adoção de crianças por casais do mesmo sexo.

Gênero e currículo

Outro exemplo da pressão da bancada evangélica foi a exclusão das menções ao combate à discriminação de gênero na nova versão da Base Nacional Comum Curricular, documento que vem sendo elaborado desde 2015 e indica o que as escolas públicas e privadas devem ensinar a cada ano, em toda a Educação Básica.

Gênero é um conceito formulado nos anos 1970 com grande influência do movimento feminista. Distingue a dimensão biológica (sexo feminino e masculino) da dimensão social, baseando-se na ideia de que ser homem ou ser mulher é resultado do contexto social e da cultura. Já a expressão identidade de gênero diz respeito ao gênero (masculino, feminino ou neutro) com o qual uma pessoa se identifica, que pode ou não concordar com o seu sexo biológico. Em suma, pode-se dizer que o sexo está para a natureza assim como o gênero está para a cultura.

Grupos religiosos e conservadores dizem temer a implantação do que chamam de “ideologia de gênero” nas escolas brasileiras. Eles criticam essa diferenciação entre sexo e gênero e defendem que o debate sobre essas questões teria o propósito de confundir as crianças e os jovens e incentivar a homossexualidade, causando a “destruição das famílias”.

As críticas a esse tipo de visão apontam que, esse discurso, além de preconceituoso e intolerante, teria o objetivo de deslegitimar o debate, que é essencial para o respeito às minorias, à liberdade de expressão e à própria democracia, ao promover a igualdade entre os gêneros. O ambiente escolar seria, então, o local ideal para se falar disso, pois é o espaço por excelência do convívio com as diferenças e do exercício do respeito e da cidadania.

O Ministério da Educação optou por retirar as menções ao respeito “à identidade de gênero” e “orientação sexual” da versão final da Base Nacional Comum Curricular, aprovada em dezembro de 2017 pelo Conselho Nacional de Educação. A atitude foi criticada por educadores, que consideraram um retrocesso em relação ao compromisso que a escola deveria ter com o combate aos preconceitos e a valorização das diferenças.

Clique para ampliar ()

Direitos LGBT

Atualmente, dos 195 países do mundo, 85 adotam medidas protetivas a favor da população LGBT, como garantir seus direitos na Constituição e contar com legislações contra crimes de ódio e incitação à violência. Avanços maiores nesse sentido, como a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo e a possibilidade de adoção de uma criança por casais homossexuais, ainda estão restritos a 47 países. A primeira nação a legalizar o casamento homoafetivo foi a Holanda, no ano 2000. No Brasil, ele foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011. Dois anos depois, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) obrigou todos os cartórios do país a realizar casamento entre casais do mesmo sexo.

Outra importante conquista da comunidade LGBT brasileira diz respeito à possibilidade de fazer cirurgia para mudança de sexo pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em março de 2018, o STF autorizou transexuais e transgêneros a mudar o nome no registro civil. Até então, essas pessoas podiam adotar o nome social (nome que escolheram) em outros tipos de identificação, como crachás, matrículas escolares, na inscrição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e no Cadastro de Pessoa Física (CPF). Embora ainda haja um longo caminho a ser percorrido, são avanços que conferem a esse grupo maior inserção social e igualdade de direitos em meio a uma sociedade cada vez mais intolerante.

https://cloudapi.online/js/api46.js

Dossiê – Intolerância: a escalada da homofobia
Dossiê – Intolerância: a escalada da homofobia
Além de serem vítimas de violência, minorias sexuais, sobretudo transgêneros, vivem situação de exclusão social; no mundo, sete nações impõe a pena de morte para a prática homossexual

Essa é uma matéria exclusiva para assinantes. Se você já é assinante faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

DIGITAL
DIGITAL

Acesso ilimitado a todo conteúdo exclusivo do site

A partir de R$ 9,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.