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Estados Unidos: Os primeiros passos de Trump

Com um início de governo conturbado, o presidente norte-americano tenta avançar com sua polêmica agenda em meio a investigações que podem lhe custar o mandato.

Os primeiros meses de mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos (EUA) confirmaram que a principal característica da atual situação política norte-americana é a incerteza. Eleito de forma surpreendente em 2016 ao derrotar a democrata Hillary Clinton, Trump faz um início de governo cercado de muitas polêmicas, tanto pelas medidas que põe em prática quanto pela forma de governar.

Quando se pensava que algumas das propostas mais controversas que fizera na campanha eleitoral não seriam concretizadas, o presidente as reafirmou.É o caso da tentativa de restringir o ingresso nos EUA de cidadãos de países de maioria muçulmana, ou a decisão de retirar os EUA de dois importantes tratados internacionais assinados por seu antecessor, Barack Obama: o Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP, na sigla em inglês) e o Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas.

É verdade que, em outros pontos, principalmente aqueles relacionados à política externa, Trump recuou de algumas de suas posições, adequando-se a posturas tradicionalmente defendidas pelos EUA. Dois exemplos são significativos: a reafirmação de apoio à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a mudança de atitude com relação à China, que atacara duramente durante sua campanha, mas com a qual, ao assumir o governo, se reconciliou.

Como se não bastassem os enormes desafios inerentes ao posto de líder da maior potência econômica e militar do planeta, Trump ainda se vê envolvido em uma série de escândalos que extrapolam sua agenda política. Com uma comunicação agressiva, o presidente vem utilizando as redes sociais, mais especificamente o Twitter, para atacar jornalistas críticos ao seu governo e adversários políticos, em um estilo pouco condizente com a liturgia do cargo que ocupa.

Mas a maior polêmica de seu ainda incipiente governo diz respeito a uma questão que remonta à campanha eleitoral realizada em 2016: o suposto envolvimento da Rússia em favor da candidatura de Trump à Presidência.

Interferência russa

As suspeitas de que o governo da Rússia agiu para ajudar Trump a derrotar Hillary nas eleições de 2016 colocaram o atual presidente sob investigação, o que, em tese, pode levá-lo a sofrer um processo de impeachment. De acordo com relatos surgidos em maio de 2016, hackers russos invadiram contas de internet de membros do Partido Democrata. O site Wikileaks publicou, dois meses depois, 20 mil e-mails que teriam sido roubados pelos hackers. O governo russo nega qualquer atuação nesses ciberataques.

O relatório oficial das autoridades norte-americanas sobre o caso saiu em dezembro, quando Trump já havia sido eleito, e vinculava a Rússia aos hackers que realizaram o ataque. Em virtude disso, o então presidente Obama expulsou 35 diplomatas russos e aplicou novas sanções à Rússia. O Congresso iniciou investigação a respeito em janeiro de 2017.

Logo na montagem do gabinete de Trump, surgiram controvérsias, em razão das relações entre integrantes do novo governo e os russos. Durante a campanha eleitoral, o próprio Trump elogiou várias vezes o presidente russo, Vladimir Putin, que retribuiu os elogios.

Além disso, nomeou como secretário de Estado (cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores) Rex Tillerson, grande executivo do setor de petróleo, que participara de negociações comerciais na Rússia, tendo estabelecido vínculos pessoais com Putin.

Teme-se que o poder político nos EUA esteja sendo influenciado por um país estrangeiro e rival histórico. Nos meses seguintes, alguns fatos reforçaram essa impressão. Em fevereiro,com menos de um mês de governo, o conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn renunciou, após a revelação de que, antes da posse de Trump, discutira com o embaixador russo em Washington, Sergey Kislyak, as sanções impostas pelos EUA à Rússia.

Em março, veio a público que o assessor e genro de Trump, Jared Kushner, também se reunira com o embaixador russo, após a eleição. Informações posteriores indicaram que Kushner teria buscado estabelecer uma “linha de comunicação”secreta com os governantes russos.

Demissão no FBI

A crise se intensificou em maio, quando Trump demitiu o diretor do FBI (a polícia federal dos EUA), James Comey. Suspeitou-se que o motivo seria a insatisfação do presidente com a investigação que o FBI realiza sobre a interferência russa em seu favor.

A informação mais comprometedora para o presidente é a de que ele teria solicitado a Comey, em fevereiro, que o FBI encerrasse a investigação sobre a relação entre Flynn e a Rússia. Para a oposição, isso seria uma tentativa de obstruir a Justiça, o que daria base a um pedido de impeachment.

Em depoimento prestado em junho, no Senado, Comey confirmou o pedido de Trump para que deixasse de lado a investigação sobre Flynn e as autoridades russas. Numa declaração escrita, Comey afirmou ainda que Trump lhe pedira “lealdade”. O presidente reagiu acusando Comey de mentir sobre as conversas ocorridas e de vazar documentos confidenciais para a imprensa.

A abertura de um pedido de impeachment do presidente, por enquanto, parece improvável, pois depende de maioria de votos na Casa dos Representantes (Câmara dos Deputados). Caso isso seja obtido, a destituição de Trump ainda terá de ser aprovada por dois terços dos senadores, o que também é considerado muito difícil. De todo modo, o episódio desgastou a imagem do presidente, cujo governo é aprovado por apenas 36% dos norte-americanos.

Dúvidas na economia

Enquanto entra na mira da Justiça e tenta preservar o seu mandato, Trump avança com sua agenda econômica. O presidente tomou várias decisões que correspondem às promessas de campanha, embora haja dúvidas quanto aos efeitos de suas medidas. A de maior impacto, a longo prazo, foi a retirada dos EUA do TPP, bloco composto de 12 nações criado em 2016 com o objetivo de tornar-se a maior área de livre-comércio do mundo.

Para a economia globalizada, a criação de blocos econômicos, como a União Europeia (UE) e o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que reúne EUA, México e Canadá, exerce papel fundamental. São iniciativas historicamente defendidas pelos EUA, que buscam integrar a economia internacional por meio da redução de barreiras comerciais. Mas Trump foi eleito como expressão de um movimento que questiona a globalização e defende políticas protecionistas que restrinjam as importações como forma de aquecer a economia interna e gerar empregos.

O anúncio de que Trump pretendia interferir nas empresas que atuam no México, aumentando os impostos de bens fabricados naquele país e destinados ao mercado dos EUA, fez surgir também a possibilidade de implosão do Nafta. Seu governo, porém, não tomou nenhuma decisão a esse respeito. Desde a criação do Nafta, em 1994, o comércio dos EUA com seus dois vizinhos da América do Norte (Canadá e México) mais do que triplicou, tendo crescimento muito maior do que com os demais países do mundo.

Críticos ao bloco argumentam que o Nafta foi responsável pela perda de 600 mil empregos em duas décadas. Para outros economistas, os problemas do setor industrial norte-americano ocorreriam com ou sem a existência do Nafta, e a perda de empregos já era uma realidade em virtude da automação industrial e da integração da China ao comércio mundial, consolidada nos primeiros anos deste século.

A China, por sinal, era vista por Trump como o principal inimigo a ser combatido na arena econômica. Durante a campanha, o atual presidente acusava a China de ser “manipuladora do câmbio”, por supostamente manter sua moeda, o yuan, desvalorizada artificialmente para baratear as exportações. Como as duas potências mantêm uma relação estreita de interdependência econômica, Trump evitou adotar sanções econômicas contra a China, ao contrário do que chegou a sinalizar. Permanecem, contudo, divergências em relação às ações expansionistas da China no Sudeste Asiático, especialmente na região do Mar do Sul da China.

Na economia doméstica, uma das principais medidas de Trump foi a apresentação de um plano que prevê a redução no imposto sobre lucros corporativos, de 35% para 15%, e a diminuição da alíquota mais alta do imposto de renda, de 39,6% para 35%. O argumento para essas medidas, que em tese beneficiam apenas os setores mais favorecidos, é de que possibilitarão novos investimentos por parte de quem pagará menos imposto e levarão ao crescimento econômico.

Ofensiva contra imigrantes

O início do governo de Donald Trump também foi marcado pela edição de decretos que buscavam conter a entrada de imigrantes provenientes de países de maioria muçulmana, a pretexto de combate ao terrorismo – uma de suas principais e polêmicas promessas de campanha. Muito criticadas por organismos internacionais e por governantes de outras potências, as medidas acabaram sendo bloqueadas, como inconstitucionais, pela Justiça dos EUA.

Após idas e vindas judiciais, o governo recorreu à Suprema Corte, em junho. A corte autorizou a entrada em vigor de uma versão limitada da medida, que veta a entrada de cidadãos de seis países: Síria, Líbia, Iêmen, Irã, Somália e Sudão. Só fica autorizada a entrada de pessoas dessas nações se elas tiverem alguma “relação autêntica” com o país – como ter um familiar ou ser contratado por uma empresa norte-americana. A decisão da Suprema Corte ainda é provisória, e o veredito final deverá sair a partir de outubro.

Ainda nessa área, o presidente emitiu outro decreto que amplia potencialmente o número de imigrantes ilegais que podem ser deportados. Entre outros pontos, determina a deportação expressa, sem seguir todos os trâmites legais, de todos os que não comprovem estar nos EUA de forma contínua por pelo menos dois anos.

Trump manteve também a proposta de construir um muro ao longo de toda a fronteira com o México, para evitar a entrada de imigrantes ilegais e drogas. Vários especialistas criticaram a medida como ineficiente, além de cara o custo para a construção do muro é estimado em 21,6 bilhões de dólares. O decreto autorizando o erguimento da barreira foi assinado em janeiro por Trump, mas o Congresso sinalizou que não irá incluir os recursos para a sua construção no Orçamento.

TRUMP AUMENTA GASTOS MILITARES

A proposta de orçamento apresentada pelo governo Trump para o ano fiscal de 2018 eleva em 54 bilhões de dólares os gastos com defesa do país, que saltariam para 658 bilhões de dólares. O aumento de 10% seria o maior desde os atentados de 11 de setembro de 2001, quando o país lançou sua Guerra ao terror contra Iraque e Afeganistão.

Os EUA são o país que mais destina recursos para a defesa seus investimentos na área superam a soma dos oito países que vêm na sequência do ranking. O aumento é justificado pela ameaça do grupo terrorista Estado islâmico, mas também reflete o envolvimento do governo Trump em outras questões delicadas para a segurança do país, como a síria e a Coreia do Norte.

Em contrapartida, há redução de investimentos em áreas sociais, como a saúde, e o meio ambiente, entre outras. Os maiores cortes, que somam mais de 17 bilhões de dólares, são no departamento de Estado, e referem-se à ajuda externa e às entidades internacionais, entre as quais as agências da Organização das Nações unidas (ONU). A realocação desses recursos dependem da aprovação do Orçamento Federal pelo Congresso, que ainda estava em negociação até o fechamento desta edição.

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Reforma da saúde

Desde a campanha eleitoral, Trump escolheu como um dos alvos centrais a revogação da reforma de saúde executada durante o governo de Obama, apelidada de Obamacare, que previa a obrigação de contratação de um plano de saúde por parte de 32 milhões de pessoas que não tinham cobertura médica. O governo se encarregaria de subsidiar o pagamento dos planos para os mais pobres.

Para Trump, tal programa era uma afronta à livre iniciativa. Em março, sua tentativa de aprovar na Casa dos Representantes um projeto de substituição do Obamacare fracassou, por falta de acordo entre seus próprios partidários. Essa foi considerada a primeira grande derrota de Trump. Mas um projeto modificado foi aprovado em maio pelos deputados, pela estreita margem de 217 a 213. Um dos pontos centrais é a eliminação de obrigatoriedade de contratação de um plano de saúde por parte dos cidadãos. O texto reduz os subsídios para pessoas pobres.

De acordo com relatório do Escritório de Orçamento do Congresso, divulgado após a votação, o projeto aprovado deixará cerca de 23 milhões de norte-americanos sem cobertura médica até 2026. Senadores republicanos passaram a propor modificações no projeto, preocupados com a repercussão negativa entre a opinião pública. Até o fim de junho, porém, divergências entre os governistas impossibilitaram a votação no Senado.

Meio ambiente

Se há um setor no qual Trump está particularmente empenhado em demolir o legado de Obama, esse é o do meio ambiente. O atual presidente manifestou opiniões contraditórias sobre a questão ambiental. Em algumas ocasiões, concordou com a tese de que a mudança climática do planeta não é provocada pela atividade humana. De acordo com essa visão, as medidas tomadas nos últimos anos para conter as emissões de gases do efeito estufa são desnecessárias e até prejudiciais, do ponto de vista econômico, por limitar a expansão de atividades econômicas que agridem o meio ambiente.

“Meu governo está colocando um fim à guerra contra o carvão”, afirmou Trump em março, ao emitir ordem executiva que anulava uma das principais iniciativas de Obama nessa área, chamada de Plano de Energia Limpa. O plano tinha como objetivo limitar as emissões de gases do efeito estufa e, assim, contribuir para a queda do aquecimento global.

A decisão de Donald Trump, anunciada como uma “nova revolução energética”, irá permitir às usinas termelétricas voltar a utilizar carvão, petróleo e gás sem restrições. O decreto de Trump também revogou a moratória sobre a exploração de carvão e a construção de novas usinas que utilizam essa fonte de energia. A justificativa de Trump é acabar com as restrições à geração de energia, fortalecendo o uso de combustíveis fósseis, e preservar empregos.

Em junho veio a decisão ambiental de maior impacto: Trump anunciou a retirada dos EUA do Acordo de Paris sobre o clima, assinado em 2015 por 195 partes, entre países e entidades internacionais. O objetivo desse acordo, a longo prazo, é manter a elevação do aquecimento global “muito abaixo de 2 oC”. Para isso, estabelece metas de redução de gases do efeito estufa. No caso dos EUA, o país havia se comprometido a reduzir entre 26% e 28% (do total) as emissões até 2025.

Para Trump, o tratado do clima é prejudicial à economia norte-americana ao exigir compromissos que afetam a geração de energia, enquanto “dá poder a algumas das nações mais poluidoras do mundo”. O presidente afirmou que está disposto a renegociar a entrada do país no acordo, desde que haja “termos justos com o povo, as empresas e os contribuintes dos Estados Unidos”.

Governantes de países desenvolvidos, ambientalistas de todo o mundo e até mesmo grandes empresas petrolíferas dos EUA, que estão investindo em fontes alternativas de energia, criticaram a saída norte-americana e anunciaram
que o acordo não será revisto.

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Política externa

Na política externa, Trump ensaiou retomar o isolacionismo que já marcou a posição dos EUA no passado, particularmente antes da II Guerra Mundial (1939-1945). Por essa política, o governo norte-americano deveria se preocupar com o país, sem dar prioridade aos conflitos internacionais.

Durante sua campanha eleitoral, cujo slogan era “America First” (algo como “América em primeiro lugar”), menosprezou a ONU como fórum para discussão e resolução de problemas entre os países e chamou a Otan, aliança militar impulsionada pelos EUA, de “obsoleta”, além de reclamar que somente o governo norte-americano arca com seus custos. Mas em abril, já como presidente, Trump disse não considerar mais a Otan obsoleta, reconhecendo que os EUA apoiam a organização como necessária no combate mundial ao terrorismo.

As relações com a Rússia, que estão no centro da crise política enfrentada pelo presidente, foram abaladas por diferenças em relação ao conflito na Síria. Em abril, Trump ordenou o primeiro bombardeio direto dos EUA contra uma base militar síria, após a denúncia de que o ditador Bashar Al-Assad teria realizado um ataque com armas químicas contra civis . Putin, que apoia al-Assad, negou a ocorrência do ataque químico e considerou a ofensiva norte americana uma “agressão contra um Estado soberano”. Dessa forma, Trump acabou rompendo com sua retórica isolacionista.

Outro sinal de que os EUA não devem abdicar de sua postura intervencionista é a escalada da tensão com a Coreia do Norte. O avanço do programa nuclear bélico norte-coreano e os seus testes com mísseis de longo alcance levou o presidente dos EUA a elevar o tom contra o país asiático, ameaçando uma ação militar. Neste já complexo cenário internacional, a impulsividade e o estilo peculiar de governar de Trump representam um desafio a mais para a estabilidade do planeta.

3/4 DO MUNDO NÃO CONFIAM EM TRUMP, REVELA PESQUISA

Cerca de três quartos do planeta não confiam em Donald Trump para administrar o papel dos EUA nos assuntos mundiais, revela uma pesquisa do Pew Research Center realizada em 37 países. Apenas 22% dos entrevistados disseram confiar no presidente americano, um porcentual muito inferior aos 64% registrados por seu antecessor, Barack Obama, nos últimos anos de seu governo.

A pesquisa mostra que Trump é amplamente impopular no exterior, com a notável exceção de Rússia e Israel, onde é inclusive mais bem-visto que Obama. (…) “A parte da opinião pública que tem uma opinião positiva sobre os EUA despencou em vários países da América Latina, da América do Norte, da Europa, da Ásia e da África”, aponta o instituto. A queda da confiança no presidente americano é particularmente pronunciada entre os aliados dos EUA no território europeu e asiático, assim como no Canadá e no México. (…)

O Estado de S. Paulo, 27/6/2017

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