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China: Uma potência em transição

Uma potência em transição

O mundo olha com atenção para a desaceleração no ritmo de crescimento econômico da China, que pode afetar as economias de diversos países – inclusive o Brasil

Por Giovana Moraes Suzin

NAS ALTURAS – Limpador de janelas se equilibra em prédio da capital, Pequim: país passa por processo de intensa urbanização

 

Ao falar em China, geralmente pensamos em sua grandeza: a maior população do mundo, o terceiro maior território em área, uma das maiores construções já realizadas pela humanidade: a Grande Muralha da China. Nas últimas três décadas, a China também se notabilizou pelas imponentes taxas de crescimento, acima dos 10% ao ano, o que alavancou o país ao posto de segunda maior economia do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos (EUA).

Mas o dragão chinês começa a dar sinais de que está perdendo fôlego. Em 2015, o Produto Interno Bruto cresceu 6,9%, o que seria considerado um resultado excepcional em qualquer outro lugar do mundo. O problema é que, desde 2010, a economia chinesa vem crescendo menos que no ano anterior. Uma consequência direta dessa desaceleração é que o resultado é insuficiente para gerar os cerca de 10 milhões de empregos anuais de que o país precisa. Este é o número de pessoas que deixam as áreas rurais em busca de emprego nas cidades a cada ano.

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Além disso, pelo fato de a China ser uma potência global, integrada às cadeias mundiais de produção e comércio, seu desempenho tem impacto em diversas economias do planeta. Atualmente, o país é o segundo maior importador de produtos e serviços do mundo, sendo o terceiro maior mercado para a União Europeia (que reúne 28 países) e o quarto principal destino das vendas dos Estados Unidos e Reino Unido. É também o principal parceiro econômico do Brasil, que pode ter suas exportações prejudicadas com a desaceleração chinesa.

Um reflexo da desconfiança mundial com os rumos da economia da China foi sentido em janeiro de 2016, quando a bolsa de valores de Xangai registrou perdas superiores a 20%. De modo geral, esse movimento sinaliza que os investidores internacionais resolveram retirar seus recursos do mercado acionário chinês por não acreditar que terá o retorno esperado com suas aplicações. Durante o ano, a bolsa continua oscilando significativamente, com quedas pontuais.

EM BAIXA – Queda na Bolsa de Valores de Xangai reflete as incertezas sobre a economia chinesa

 

Mudança de rumo

Mas essa desaceleração da economia chinesa não foi súbita. Ela faz parte de um pouso lento, iniciado a partir da crise econômica internacional, que teve início em 2008. Como União Europeia e EUA tiveram de reduzir suas importações, a atividade industrial e as exportações chinesas foram diretamente afetadas. Por sua vez, com a desaceleração, a China passou a importar menos matéria prima e commodities (produtos como o petróleo, minério de ferro, carnes e grãos que têm preço determinado internacionalmente), impactando diretamente as economias de países emergentes, como o Brasil e a Venezuela.

Esses solavancos sinalizaram para a necessidade de uma correção de rumo, para que o país pudesse se adaptar a uma nova dinâmica econômica. Em 2013, o Partido Comunista Chinês (PCCh) substituiu o então presidente Hu Jintao, no poder havia dez anos, por Xi Jinping. O novo mandatário assumiu uma dura missão: mudar o modelo de desenvolvimento da China.

A nova fórmula aposta na inovação e no fortalecimento do consumo interno como antídoto para diminuir a dependência das exportações, que deixaram o gigante asiático vulnerável às crises mundiais e regionais. Com sua liderança centralizadora e pragmática, Xi Jinping articulou um amplo pacote de reformas, que foram recebidas como as mais profundas mudanças desde a abertura promovida por Deng Xiaoping, em 1978. Seu governo entende que o modelo baseado em maciças exportações, somado aos grandes investimentos em obras de infraestrutura para movimentar a economia interna, está esgotado, e se faz necessário um redirecionamento da economia.

Papel do Estado

O plano desenvolvido implica uma drástica redução do papel do Estado no controle econômico a médio e longo prazo. Embora o governo ainda mantenha controle sobre aspectos centrais da economia, o novo modelo permite um protagonismo cada vez maior das empresas privadas, que ganhariam a permissão para investir nas empresas públicas. O objetivo é atrair o capital estrangeiro, mas a medida tira do governo o controle absoluto sobre as estatais. Somado a isso, para estimular o consumo interno sem a necessidade de grandes obras, o governo está facilitando a obtenção de crédito e de benefícios sociais para os trabalhadores. A mais importante medida tomada nesse sentido é o aumento dos salários, que subiram 7,4% em 2015, e estão elevando o poder de compra dos chineses.

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Outra meta é reduzir os altos níveis de desigualdade social. Apesar de a renda per capita do país estar em crescimento e ter alcançado 7,5 mil dólares, o valor ainda é baixo se comparado à média mundial. Para efeito de comparação, a renda per capita no Brasil é de 15,5 mil dólares, enquanto a dos Estados Unidos chega a 55,9 mil dólares. Segundo dados do governo chinês, desde os anos 1980 mais de 600 milhões de pessoas saíram da pobreza no país, mas ainda há mais de 70 milhões nessa situação. O problema é maior na área rural. De acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas da China, um morador da cidade ganha três vezes mais que um morador do campo. Por isso, em 2014 o PCCh aprovou um pacote de investimentos em saúde, educação e habitação direcionado principalmente para as províncias menos urbanizadas, onde se encontra a população mais pobre.

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Revolução Chinesa

A preocupação mundial com os rumos da economia chinesa revela o status que a nação alcançou no cenário global. Nos últimos 30 anos, a China deixou de ser um país periférico para se tornar protagonista. A história recente do país é marcada pela Revolução Chinesa. Ao final da II Guerra Mundial (1939-1945), a república foi palco de uma guerra civil entre as duas forças dominantes: o Partido Nacionalista (Kuomintang) e o Partido Comunista Chinês (PCCh). Em 1949, os vitoriosos proclamaram a República Popular da China.

Seu principal dirigente, Mao Tsé-tung, tornou-se o governante supremo da China comunista, enquanto Chiang Kai-chek e os demais líderes do Kuomintang fugiram para Taiwan (Ilha Formosa), a China nacionalista – até hoje, os governantes da ilha formam um Estado à parte da China.

A China continental foi reorganizada nos moldes comunistas, com a coletivização das terras, dos bancos e das companhias estrangeiras, além da expropriação das fábricas e do controle estatal da economia. Ao mesmo tempo, estabeleceu-se uma ditadura de partido único, o PCCh, que se mantém até hoje. Em 1958, o governo lançou o Grande Salto para Frente, com o objetivo de acelerar vigorosamente a industrialização. O resultado foi um caos econômico, que causou a fome e a morte de milhões de camponeses. Nesse cenário, o PCCh afastou Mao do comando. Contudo, em 1966, o líder comunista lançou a Grande Revolução Cultural Proletária, que lhe devolveu a liderança do Estado chinês.

Socialismo de mercado

A morte de Mao, em 1976, abriu caminho para a ascensão do reformista Deng Xiaoping, que iniciou o processo de abertura econômica do país ao mercado mundial. A principal decisão foi a criação das Zonas Econômicas Especiais, onde empresas multinacionais poderiam instalar-se e produzir artigos para exportação. Atraídas por incentivos fiscais e pela numerosa e barata mão de obra chinesa, as empresas estrangeiras invadiram o país, valendo-se da vantagem competitiva de produzir por um valor menor. Esse modelo de desenvolvimento é chamado pelos dirigentes chineses de “socialismo de mercado”. O governo passou a preservar o controle estatal das fábricas e da terra, mas autorizou a propriedade privada em situações especiais e abriu determinadas regiões do país ao mercado internacional.

O modelo impulsionou as exportações e inundou o mundo com os produtos “made in China”. Paralelamente, como o país exige uma contrapartida das empresas estrangeiras na forma de transferência de tecnologia, os chineses foram aperfeiçoando sua indústria. Com essa estratégia, associada a grandes investimentos em ciência e tecnologia, a China vem alterando o perfil de suas exportações. Antes conhecida apenas como fabricante de produtos de baixa qualidade, o país passou a vender eletroeletrônicos de maior valor agregado.

Essas transformações impulsionaram as finanças do país e o transformaram na segunda maior economia do mundo, cujo PIB, em 2014, alcançou os 10 trilhões de dólares. A urbanização acelerada também contribuiu para mudar o perfil demográfico do país. Em torno de 270 milhões de pessoas já abandonaram o campo desde os anos 1980, quando o país começou a abrir suas fronteiras econômicas para o mundo. Em 2012, a população urbana da China superou a rural pela primeira vez na história. E essa tendência deve persistir: no fim de 2015, o país apresentou o projeto de união dos três principais centros urbanos do norte – Pequim, Tianjin e a província de Hebei – numa única região, chamada Jing-Jin-Ji, que terá em torno de 130 milhões de habitantes e servirá como novo modelo de urbanização.

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Projeção global

Parte importante da ampliação da influência global exercida pela China passa pelos acordos comerciais que firmou com mercados emergentes, particularmente a América Latina, África e Oriente Médio.

De acordo com o relatório Perspectivas Econômicas da América Latina 2016, as relações comerciais entre China e América Latina cresceram 22 vezes nos últimos 15 anos. A China investe também em obras estratégicas na região, como o canal interoceânico que está construindo na Nicarágua, com previsão de inauguração para 2020. O objetivo do projeto é facilitar o comércio da China com os países latino-americanos e reduzir sua dependência do Canal do Panamá, que funciona sob forte influência dos EUA. A China tornou-se, ainda, um importante aliado financeiro da região. Entre 2010 e 2015, os empréstimos alcançaram a cifra de 94 bilhões de dólares, a maioria deles concedido em troca de petróleo. Os principais beneficiários são Venezuela, Brasil, Argentina e Equador.

O continente africano, com suas vastas reservas minerais, é outro mercado de interesse para a China. Em troca da matéria-prima, empresas chinesas empreendem gigantescas obras de infraestrutura, necessárias para o desenvolvimento dos países da região. De acordo com dados do governo chinês, entre 2002 e 2012 o comércio entre a China e os africanos cresceu 20 vezes, ultrapassando os 200 bilhões de dólares.

As aspirações globais da China estendem- se também para o Oriente Médio. Seu projeto mais ambicioso na região responde pelo insinuante nome de “Nova Rota da Seda” – uma referência à antiga rede comercial que conectou a Ásia ao Ocidente entre os séculos II a.C. e XV d.C. O objetivo é criar um corredor econômico, composto de estradas, ferrovias, oleodutos e cabos de fibra ótica, que irá conectar, por via terrestre e marítima, a China à Europa e à África. O corredor atravessará a Ásia Central, o Oriente Médio e o Oceano Índico. Para desenvolver esse projeto de integração eurasiana, a China criou um fundo de 40 bilhões de dólares, que serão investidos em obras de infraestrutura nos países vizinhos. Ao fortalecer a integração com países da África à América Latina, passando por Ásia Central e Oriente Médio, a China tenta converter sua força econômica em poder político, ampliando sua esfera de influência global. Não à toa, os EUA vêem a ofensiva diplomática e econômica de Pequim como um desafio à sua hegemonia mundial.

Briga de gigantes

China e EUA mantêm uma relação de intensa cooperação econômica. O país asiático é o quarto maior importador de produtos norte-americanos, enquanto os EUA são o principal destino das exportações chinesas. O gigante asiático é um dos mais importantes financiadores da dívida dos EUA e o país que mais detém títulos do Tesouro norte-americano.

Por outro lado, a ascensão econômica chinesa nas últimas três décadas levou os EUA a redirecionar sua política externa para o sudeste asiático e a região do Pacífco, numa tentativa de contrabalancear a influência chinesa. Parte dessa diretriz diz respeito à criação da Parceria Transpacífco (TPP), um pacto comercial que engloba 40% da economia mundial e inclui países como Malásia, Cingapura e Vietnã, mas exclui os chineses. Como resposta, em outubro de 2014, a China aliou-se a 20 nações para lançar o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.

No plano de defesa, a preocupação da China é com as bases militares norte-americanas na Coreia do Sul e no Japão, e a venda de armas dos EUA para Taiwan. Em contrapartida, os EUA afirmam publicamente seu compromisso em defender os aliados da região contra investidas chinesas pela soberania de territórios marítimos. A China reivindica vastas áreas no Mar do Sul da China e disputa com o Japão a posse das ilhas de Senkaku/Diaoyu.

Mares revoltos

As duas maiores economias asiáticas, China e Japão, possuem um longo histórico de hostilidades derivado de guerras e ocupações lançadas pelos japoneses nos séculos XIX e XX. Atualmente, o principal ponto de atrito é a disputa pela soberania de ilhas no Mar da China Oriental. Elas são chamadas pelos chineses de Diaoyu e de Senkaku pelos japoneses.

Já as reivindicações de Pequim no Mar do Sul da China a colocam em rota de colisão com seus vizinhos no Sudeste Asiático – além da China, Vietnã, Filipinas, Brunei, Taiwan e Malásia disputam a soberania nessa região. O Mar do Sul da China é fundamental para a indústria da pesca, rica em reservas de petróleo e estratégica para o transporte marítimo.

Mesmo com a indefinição das fronteiras, a China ampliou a ofensiva para consolidar a ocupação da área em 2014, ao construir ilhas artificiais em Spratly e instalar plataformas para a exploração de petróleo na região. Essa iniciativa chinesa é vista como uma forma de impor sua hegemonia no Sudeste Asiático. Mas em julho deste ano, atendendo a uma reclamação das Filipinas, a Corte Permanente de Arbitragem decidiu que a China não têm “direitos históricos” sobre o Mar do Sul da China. O governo de Pequim disse que não irá acatar a decisão.

PARA IR ALÉM

O filme As Montanhas se Separam (de Jia Zhang-ke, 2015) mostra as transformações econômicas na China e o surgimento de uma nova elite econômica no início deste século.

RESUMO – CHINA

DESACELERAÇÃO

Após quase três décadas crescendo acima dos 10% ao ano, a economia chinesa dá sinais de desaceleração. Afetada pela crise econômica mundial, que fez com que importantes parceiros econômicos diminuíssem as importações dos produtos chineses, a China substituiu o presidente e está mudando seu modelo de desenvolvimento, até então baseado em exportações e grandes obras internas de infraestrutura.

REFORMAS

O novo presidente, Xi Jinping, ascendeu ao poder em 2013 e anunciou profundas reformas. Seu governo aposta na inovação, no fortalecimento do consumo interno e no aumento dos salários para diminuir a dependência das exportações, que deixam a China vulnerável às crises mundiais e regionais. Outra mudança é a ampliação do papel da iniciativa privada, que poderá investir nas empresas estatais.

SOCIALISMO DE MERCADO

Uma revolução liderada pelo Partido Comunista Chinês (PCCh), de Mao Tsé-tung, fez nascer a República Popular da China em 1949. Com a morte de Mao, em 1976, e a ascensão de Deng Xiaoping, o país iniciou reformas que deram início ao “socialismo de mercado”, por meio do qual o governo mantém o controle estatal da economia e, ao mesmo tempo, incentiva a instalação de multinacionais no país. As empresas beneficiaram-se das isenções fiscais e da mão de obra barata da China para fabricar produtos de exportação. O modelo levou a China a tornar-se a segunda maior economia do planeta.

RELAÇÕES EXTERNAS

Parte importante da ampliação da influência global exercida pela China passa pelos acordos comerciais que firmou com mercados emergentes, particularmente a América Latina, África e mais recentemente o Oriente Médio. Apesar da forte relação econômica entre China e EUA, os norte-americanos veem com apreensão a ascensão chinesa. China e Japão disputam a soberania de ilhas no Mar da China Oriental. Já as reivindicações chinesas por vastas áreas no Mar do Sul da China a colocam em rota de colisão com outros vizinhos no Sudeste Asiático – Vietnã, Filipinas, Brunei, Taiwan e Malásia.

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Uma potência em transição O mundo olha com atenção para a desaceleração no ritmo de crescimento econômico da China, que pode afetar as economias de diversos países – inclusive o Brasil Por Giovana Moraes Suzin NAS ALTURAS – Limpador de janelas se equilibra em prédio da capital, Pequim: país passa por processo de intensa urbanização […]

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