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Cuba: Cada vez mais próximos

Cada vez mais próximos

Apesar das divergências, a visita histórica do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a Cuba consolida a retomada das relações diplomáticas entre os dois países

por Fábio Sasaki

TACADA POLÍTICA – Os presidentes dos EUA (Barack Obama, à esq.) e de Cuba (Raúl Castro, à dir.) assistem a jogo de beisebol em Havana ()

Quando Barack Obama desembarcou no aeroporto de Havana, capital de Cuba, em 20 de março de 2016, ele sabia que estava fazendo história. Era a primeira vez que um presidente dos Estados Unidos (EUA) pisava em solo cubano em 88 anos. A visita de Obama durou três dias e teve como ponto alto o encontro com o presidente cubano Raúl Castro. Durante a reunião, os líderes enalteceram os progressos obtidos com a reaproximação, mas não evitaram a discussão de questões delicadas nas relações entre os dois países – em especial, a falta de liberdades civis em Cuba e as sanções econômicas que os EUA impõem à ilha. Apesar das diferenças, Obama e Raúl saíram do encontro com a certeza de terem dado mais um enorme passo para consolidar a reaproximação bilateral.

Os EUA são a principal potência econômica, política e militar do planeta. Cuba, seu pequeno vizinho, é o único país comunista das Américas. O rompimento das relações diplomáticas em 1961, no auge da Guerra Fria, iniciou um longo período de hostilidades entre as duas nações. O gelo só começou a ser quebrado mais de cinco décadas depois, em dezembro de 2014, quando Raúl e Obama anunciaram a retomada das relações diplomáticas.

Desde então, seguiram-se vários gestos de reconciliação. Medidas bilaterais foram tomadas para acabar progressivamente com as restrições a viagens e remessas de dinheiro, além da assinatura de um acordo para restabelecer os voos comerciais diretos entre os dois países. A normalização das relações diplomáticas foi oficializada em 20 de julho de 2015, quando as embaixadas dos EUA em Havana e de Cuba em Washington foram reabertas.

Divergências persistentes

A visita de Obama a Cuba e a reabertura das embaixadas consolidaram uma nova etapa para reconstruir o relacionamento entre as duas nações. No entanto, ainda são necessários muitos progressos para estancar definitivamente as feridas decorrentes de cinco décadas de hostilidades. As atuais divergências entre Cuba e EUA dizem respeito principalmente a dois temas bastante sensíveis.

Para Cuba, os norte-americanos ainda são responsáveis pela medida que mais impacta o seu desenvolvimento: o embargo econômico que os EUA impõem à ilha desde 1962. Basicamente, o bloqueio proíbe empresas norte-americanas de estabelecerem relações comerciais com Cuba – apenas itens de primeira necessidade, como alguns alimentos e remédios podem chegar dos EUA a Cuba, sob certas restrições. Além disso, o embargo também tem mecanismos para restringir as relações entre empresas e instituições financeiras de outros países com Cuba. Condenado formalmente pela ONU, o bloqueio já causou um prejuízo de mais de 100 bilhões de dólares, de acordo com o governo cubano.

Obama já se manifestou publicamente em favor da suspensão do embargo e vem adotando algumas medidas executivas para flexibilizar as sanções. Além disso, diversas empresas, especialmente do setor agrícola, estão ávidas por voltar a fazer negócios com a ilha. No entanto, a revogação do bloqueio depende de aprovação no Congresso dos EUA, onde Obama não tem maioria.

Um dos fatores alegados pelos congressistas norte-americanos para a manutenção do embargo tem a ver com a forma como o regime cubano lida com questões referentes a direitos humanos e liberdades civis. Não há democracia nem imprensa livre em Cuba, e dissidentes são perseguidos – durante a visita de Obama, mais de 100 mulheres, mães e esposas de presos políticos conhecidas como “Damas de Branco”, foram detidas por algumas horas por realizarem protestos.

No encontro com Obama, Raúl reconheceu que Cuba, assim como outros países, cometem falhas na aplicação dos direitos humanos. Mas criticou os EUA por usarem “dois pesos e duas medidas” na abordagem da questão. Implicitamente, Raúl se refere ao fato de os norte-americanos desenvolverem estreita relação comercial com países como China e Arábia Saudita, que também são criticados pela forma como lidam com os direitos humanos.

Revolução Cubana

Durante a histórica visita a Cuba, Obama disse ter vindo a Havana “para enterrar o resto da Guerra Fria nas Américas”. Para compreender melhor o forte simbolismo que a frase do presidente norte-americano carrega, é preciso retroceder algumas décadas.

A ilha de Cuba foi colônia da Espanha por quatro séculos e tem localização estratégica no Caribe, na entrada do Golfo do México. Os EUA eram o principal comprador do açúcar cubano e, aproveitando-se dos interesses econômicos e estratégicos, entraram em guerra com os espanhóis pela independência de Cuba. Derrotada em 1898, a Espanha cedeu aos Estados Unidos o domínio da ilha. Em 1902, os EUA concederam aos cubanos uma independência formal, mas mantiveram o país sob tutela até 1934. Ainda assim, a elite cubana continuou subordinada aos vizinhos do norte.

Na década de 1950, Cuba tinha uma economia baseada na produção de tabaco e açúcar. No entanto, a população era pobre e o país vivia sob uma violenta ditadura militar, comandada pelo ex-sargento Fulgencio Batista, aliado dos EUA. Esse cenário insuflou a oposição e deu origem à formação de um movimento revolucionário, liderado pelo advogado Fidel Castro e pelo médico argentino Ernesto “Che” Guevara. Em 1º de janeiro de 1959, os guerrilheiros entraram em Havana e depuseram Fulgencio Batista – era o início da Revolução Cubana.

Afastamento dos EUA

O novo regime implementado a partir da Revolução Cubana estatizou as empresas estrangeiras, desapropriou as grandes fazendas de monocultura e realizou uma reforma agrária, o que provocou vários conflitos de interesses com os norte-americanos, que eram donos de empresas e de grandes extensões de terra em Cuba.

As relações entre Cuba e EUA só se agravaram a partir daí. Em janeiro de 1961, Cuba e EUA romperam relações diplomáticas e, em abril, Washington decidiu jogar uma cartada decisiva, conhecida como “desembarque na Baía dos Porcos”. Os EUA apoiaram e treinaram exilados cubanos para desembarcar na ilha e tentar derrubar o novo regime. A ação foi um fracasso e mais de mil revoltosos foram presos. Esses episódios aprofundaram o fosso nas relações bilaterais e levaram os EUA a decretar um embargo comercial contra Cuba, em 1962.

Era o auge da Guerra Fria, período no qual o mundo ficou dividido em duas esferas de influência: o mundo capitalista era liderado pelos EUA, enquanto os comunistas estavam sob comando da União Soviética (URSS). Com as relações rompidas com os norte-americanos e sofrendo forte pressão política e econômica, o governo cubano avançou para um alinhamento definitivo com a URSS, adotando seu regime ditatorial de partido único e coletivizando as grandes empresas e fazendas.

Essa relação conturbada entre EUA e Cuba foi responsável por um dos episódios mais dramáticos da Guerra Fria. Uma grave crise internacional ocorreu em 1962 quando os EUA descobriram que os soviéticos estavam colocando mísseis atômicos na ilha, que poderiam alcançar facilmente o território norteamericano. A situação foi superada com o recuo soviético e a retirada dos mísseis norte-americanos da Turquia, vizinha da URSS.

Fim da URSS e crise

Fidel Castro, principal líder do grupo revolucionário, firmou-se como o dirigente absoluto de Cuba por mais de quatro décadas. Neste período, Cuba se destacou por ter elevado o nível de vida da população. No entanto, funcionando em um sistema de partido único, a ditadura proíbe a livre organização política e a manifestação de oposição ou opinião divergente, vetando a existência de outros partidos e suprimindo qualquer imprensa não oficial.

Durante todo o restante da Guerra Fria, Cuba recebeu o apoio soviético e de outros países comunistas do Leste Europeu, com vantagens na venda de açúcar acima do preço de mercado e na compra de petróleo. O colapso da URSS, em 1991, agravou a situação econômica imposta pelo embargo, que provocou desemprego, racionamento de alimentos e itens básicos. A renda dos cidadãos cubanos caiu significativamente nesse período.

A chegada de Hugo Chávez à Presidência da Venezuela, em 1998, foi um alento para Cuba, que passou a contar com as vantagens de participar da Alternativa Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), iniciativa da Venezuela. Pelo acordo, Cuba recebe petróleo venezuelano em condições vantajosas e paga com mercadorias e serviços médicos.

Abertura econômica

ROCK IN HAVANA– Apresentação dos Rolling Stones na capital cubana, em março: o lento processo da abertura cubana chega à cultura

 

Em 2006, com a piora de seu estado de saúde, Fidel Castro cede o poder para seu irmão, Raúl. Desde então, Cuba começa a adotar mudanças gradativas em seu regime fechado, especialmente a partir de 2011, com o agravamento da crise econômica mundial, que se refletiu em queda das exportações e do turismo.

De modo geral, Cuba tem promovido um conjunto de reformas que abre a ilha aos mecanismos capitalistas de mercado e ao capital privado. O governo adotou um plano para cortar mais de 1 milhão de empregos no setor público, reduzindo a participação direta do Estado em áreas como agricultura, pequeno comércio, transporte e construção. Ao mesmo tempo, liberou mais de 200 atividades para a iniciativa privada, autorizada a contratar trabalhadores e, recentemente autorizou a legalização de pequenas e médias empresas privadas. Para atrair capitais estrangeiros, o principal mecanismo é a zona econômica especial de Mariel, inaugurada em 2014, que tem um porto construído pela brasileira Odebrecht e fnanciado pelo BNDES.

Com seu principal parceiro comercial, a Venezuela, em grave crise, Cuba começa a ampliar os laços econômicos com China e Rússia. Além disso, o regime estreita as relações com a União Europeia, que em 2008 afrouxou as sanções a Cuba, abrindo a possibilidade de investimentos europeus – em fevereiro de 2016, o presidente francês François Hollande recebeu Raúl Castro em Paris para assinar um acordo que destinará mais de 230 milhões de dólares em investimentos na ilha.

Mas a situação econômica do país ainda não é das melhores, em parte devido à queda no preço das commodities, que afetou suas exportações e limitou a capacidade de importação. Além disso, a abertura é lenta devido à excessiva burocratização e à resistência de parte das lideranças do regime.

No 7º Congresso do Partido Comunista, realizado em abril de 2016, a cautela deu o tom dos debates. Apesar de as medidas de abertura contarem com o respaldo da cúpula do partido, há sinais claros de que as reformas devem avançar de forma gradual. De todo modo, os próximos anos reservam grandes desafios a Cuba, seja pelo avanço nas relações com os EUA, seja pelas medidas que serão adotadas para dinamizar sua economia.

PARA IR ALÉM

A HQ Castro (de Kleist Reinhard, 2011) apresenta a biografia do ex-presidente cubano Fidel Castro. A obra narra o período que vai da Revolução de 1959 até o afastamento de Fidel do poder.

(sc/iStock)

CUBA

HISTÓRIA

País da América Central, com pouco mais de 11 milhões de habitantes, Cuba foi um dos últimos países latinoamericanos a conquistar independência. Antiga colônia espanhola, livrou-se do domínio europeu em 1898, com ajuda dos Estados Unidos, que a ocuparam até 1902 e mantiveram um protetorado até 1934.

REVOLUÇÃO

A insatisfação com a pobreza e a ditadura de Fulgencio Batista levou à Revolução de 1959. O grupo revolucionário dirigido por Fidel Castro assumiu o poder. Nas últimas décadas, Cuba se destaca por ter elevado o nível de vida de sua população, particularmente nas áreas de educação e saúde, e diminuído as desigualdades sociais.

DITADURA

O antagonismo com os EUA levou a uma aproximação com a URSS. Os líderes cubanos moldaram uma ditadura à semelhança da URSS, com o poder político monopolizado pelo Partido Comunista. No caso cubano, Fidel tornou-se o chefe do regime. Em 2006, seu irmão Raúl Castro assumiu a liderança.

CRISE ECONÔMICA

Desde 1962, Cuba sofre um embargo econômico decretado pelos EUA. Enquanto teve o apoio da URSS, a ilha manteve seu desenvolvimento. Com sua dissolução, em 1991, entrou em forte crise econômica. A aproximação com a Venezuela, com a China e, mais recentemente, com a União Europeia, dá algum fôlego à economia de Cuba.

EUA

Em dezembro de 2014, os governos de EUA e Cuba anunciam a retomada de relações diplomáticas após quase 54 anos. Adotam medidas que iniciam uma aproximação, como a redução de restrições a viagens e envio de dinheiro. A reaproximação foi consolidada com a reabertura das embaixadas, em julho de 2015, e com a visita do presidente norte-americano Barack Obama a Cuba, em março de 2016. Mas ainda há divergências na relação bilateral – em especial, a falta de liberdades civis em Cuba e as sanções econômicas que os EUA impõem à ilha.

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