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Internacional: Eleições nos EUA

Legenda foto capa: AOS OLHOS DA LEI Manifestante protesta contra o pré-candidato republicano Donald Trump, em dezembro de 2015. TIMOTHY A. CLARY/AFP

 

A poucos meses das eleições que irão definir o próximo presidente dos Estados Unidos (EUA), em novembro, o quadro é de incertezas como poucas vezes se viu no país. Os dois partidos que dominam amplamente a vida política norte-americana, o Democrata – do atual presidente Barack Obama – e o Republicano, apresentam divisões internas que podem ter influência decisiva no resultado eleitoral.

A DEMOCRATA– A pré-candidata Hillary Clinton discursa para a comunidade latina em Nova York, em abril de 2016.

 

As divergências fratricidas nos dois principais partidos dos EUA têm a ver com a acirrada disputa ocorrida no primeiro semestre durante as primárias – eleições prévias nas quais os partidos escolhem os seus candidatos ao pleito presidencial.

Entre os democratas, a ex-senadora e ex-secretária de Estado Hillary Clinton teve de superar uma dura disputa contra o senador Bernie Sanders para conquistar a maioria dos delegados que indicarão o candidato do partido. Essa batalha prévia, além de atrasar o início efetivo de sua campanha, pode lhe trazer mais dificuldades, já que muitos apoiadores de Sanders continuam contestando Hillary.

Do lado republicano, o caráter de imprevisibilidade foi ainda maior, porque o empresário Donald Trump, que nunca havia concorrido a nenhum cargo eletivo, suplantou, na votação interna, os principais nomes do partido que se candidataram, entre os quais os senadores Ted Cruz e Marco Rubio e o ex-governador Jeb Bush, irmão de George W. Bush e filho de George Bush, ambos ex-presidentes. Com isso, derrotou não apenas seus rivais diretos, mas a própria cúpula republicana, que pretendia ter um nome mais vinculado organicamente ao partido. Republicanos influentes já anunciaram que não pretendem votar em Trump.

A rigor, não está assegurado nem mesmo que a disputa seja entre os dois, porque a decisão oficial a respeito sairia somente na segunda quinzena de julho (após o fechamento desta edição), quando ocorrerão as convenções de ambos os partidos. Em tese, Trump poderia ser rejeitado pelos delegados republicanos. Embora essa possibilidade seja remota, não é inteiramente desprezível, num quadro de instabilidade como o atual.

Surpresa na campanha

Democratas e republicanos enfrentam- se de modo duro há muitas décadas, procurando marcar diferenças e estreitar laços com seus respectivos eleitores. Se o Partido Republicano costuma ser associado a posições conservadoras, o Democrata é considerado mais progressista, porque recebe o apoio de parcelas importantes do sindicalismo e de entidades defensoras dos direitos das minorias. Já nas questões decisivas de política externa ou contra o terrorismo, as posições são menos diferenciadas.

Mas, durante as primárias, o democrata Sanders e, principalmente, o republicano Trump trouxeram à cena política dos EUA algumas mudanças nos temas e procedimentos que marcam as campanhas presidenciais. Sanders, que já tem de incomum o fato de se apresentar como socialista no país que é o centro do capitalismo mundial, propôs políticas em defesa dos trabalhadores e da classe média, como o aumento do salário mínimo e a adoção de um sistema de saúde público e universal. Outro de seus temas foi a crítica a ações policiais contra os negros.

Posições semelhantes já foram defendidas nos EUA por candidatos de partidos pequenos, sem força eleitoral, mas não por um democrata que chegou à sua posição. O apoio recebido da ala esquerda do partido e de jovens ativistas independentes foi significativo, a ponto de inquietar Hillary, que esperava inicialmente obter de modo fácil a indicação como candidata do partido.

As atitudes de Trump, de outro lado, contrariam tudo o que se diz sobre como um candidato pode se tornar competitivo. Ele faz comentários ofensivos sobre oponentes (chama a candidata democrata de “Hillary Trapaceira”), ataca imigrantes e adeptos do islamismo, utiliza linguajar racista e homofóbico e critica os políticos de forma geral, entre os quais os do seu partido, enquanto exalta a si próprio como aquele que criará empregos e retomará o poderio dos EUA.

Embora Trump e Sanders estejam situados ideologicamente em campos opostos, eles conseguiram captar parte da insatisfação do homem comum da chamada “América profunda”. Por exemplo, as regiões industriais isoladas, atingidas pela perda de postos de trabalho decorrente da crise econômica, e nas quais os empregos foram apenas parcialmente recuperados nos últimos anos. Isso explicaria o impacto que as pregações de ambos causaram nos últimos meses.

Para Hillary Clinton, que tem como grande qualificativo o fato de ser apresentada como experiente e preparada para o desafio de presidir os EUA, sobra o ônus de representar o continuísmo e os políticos tradicionais, que, para muitos cidadãos comuns, são os responsáveis pela situação difícil em que vivem.

Trump pauta o debate

O REPUBLICANO– Donald Trump discursa sobre segurança nacional, em San Pedro (Califórnia), em setembro de 2015

 

Trump irrompeu na campanha eleitoral como uma avalanche. Prometeu erguer um muro ao longo de toda a fronteira com o México, para impedir a entrada de imigrantes ilegais nos EUA, e enviar a conta de sua construção ao governo mexicano. A proposta veio acompanhada de ofensas, pois disse que entre os que entram no país há “traficantes, assassinos, estupradores”. Essa posição tem levado à realização de várias manifestações de protesto de latinos em seus comícios.

Para barrar o terrorismo, que ele identifica com o islamismo, defendeu a proibição temporária da entrada de muçulmanos nos EUA, sem explicar como se concretizaria tal proposta. Em junho de 2016, quando um atirador cometeu o maior ataque armado da história do país, na boate gay Pulse, em Orlando, matando 49 pessoas antes de ser morto pela polícia, Trump acusou mais uma vez o governo de ser fraco e disse que já havia alertado para o perigo do “terrorismo radical islâmico”. Tudo porque o matador citara um suposto vínculo, não confirmado, com o grupo Estado Islâmico.

Um dos lemas que sua campanha levantou é “América primeiro”, simbolizando a ênfase de seu eventual governo na resolução de problemas internos e na recuperação da grandeza do país. Trump disse que pretende intimar os executivos das empresas norte-americanas a abrir vagas no país, em vez de levar a produção para outras nações – sua oponente Hillary rebateu dizendo que essa é uma prática do próprio Trump como empresário. O republicano prometeu também rever os acordos de livre-comércio firmados pelos EUA, vistos como prejudiciais à criação de empregos internos.

Além disso, ataca de forma contundente o governo Obama, e declarou a intenção de rever a reforma do sistema de saúde, conhecida como Obamacare, que o presidente instituiu (leia mais na pág. 36). Com essas colocações, Trump tem pautado o debate eleitoral, ainda mais em uma situação na qual Hillary teve de se dedicar por mais tempo à disputa interna com Sanders.

Hillary sobe o tom

Já Hillary Clinton encarna as políticas tradicionalmente defendidas pelos democratas, como o aumento de impostos para os mais ricos e maior atenção a políticas sociais, como as destinadas a imigrantes e à população negra. Apresenta- se como a continuidade de Obama e de suas iniciativas, como a reforma da saúde, as tentativas de reformar a lei de imigração e a aproximação com Cuba.

O fato de ser vista como a representante destacada do poder político estabelecido traz vantagens, mas também fragiliza a sua campanha em vários pontos, porque a expõe a críticas pelo que já fez no governo. O uso de sua conta privada de e-mail para envio de milhares de mensagens oficiais, quando era secretária de Estado, ainda reforçou a má imagem junto à população e deu origem a um inquérito – como são informações sobre o Estado, o uso do e-mail pessoal poderia colocar em risco a segurança do país.

Outro problema potencial é o fato de participar ativamente da fundação de Bill Clinton, seu marido e ex-presidente dos EUA, que recebe milhões de dólares de governos estrangeiros e de empresários. Isso pode ser visto como algo eticamente incompatível com a potencial governante máxima do país.

Reagindo ao republicano, Hillary subiu o tom e passou a atacá-lo de forma mais contundente. A candidata diz que Trump, ao contrário do que faz crer seu discurso, mostrou-se um péssimo administrador, pois fez falir vários negócios, e é ignorante a respeito dos temas que um presidente norte-americano precisa dominar. Afirma também que seria um “erro histórico” deixar nas mãos do empresário o controle da economia e das armas nucleares dos EUA.

Trump, além de insultar Hillary, acusa- a de ter falhado como secretária de Estado, citando o episódio no qual três funcionários e o embaixador norteamericano na Líbia morreram após a invasão da missão diplomática de Benghazi por manifestantes, em 2012.

O republicano diz ainda que Hillary não defende de fato os direitos das mulheres, como afirma. Para isso, recorre a escândalos sexuais nos quais se envolveu Bill Clinton, quando era presidente. De acordo com Trump, a democrata acobertou as ações do marido e ajudou a causar sofrimento às mulheres das quais ele teria abusado.

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Disputa acirrada

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A campanha se desenvolve com os dois candidatos, Hillary e Trump, sofrendo rejeição de ampla parcela do eleitorado, segundo as pesquisas. Até o final de junho, a democrata mantinha-se à frente nas pesquisas de intenções de voto, mas enfrentava o descontentamento de parte do eleitorado de seu partido, que apoiava Sanders.

Trump enfrenta oposição muito mais forte entre os republicanos, pelo menos os vinculados ao aparato partidário. Vários dirigentes e personalidades de peso declararam que não farão campanha por ele. Alguns vão mais longe e anunciam o voto em Hillary.

Analistas avaliam, contudo, que ele dá passos para um acordo com o Partido Republicano. Sem isso, corre o risco de ter sua candidatura inviabilizada, até mesmo em termos materiais. Muitos republicanos recusam-se a contribuir para a campanha de Trump. Sua eleição interna foi financiada basicamente com recursos próprios, o que ajudava a dar credibilidade a seu discurso de que não é igual aos demais políticos, mas se torna inviável na campanha eleitoral propriamente dita, muito cara.

Pesquisa realizada por uma instituição ligada à Universidade de Chicago, divulgada em maio, indica que a população tem pouca confiança no sistema político dos EUA. A disputa entre Hillary e Trump leva sete em cada dez norte- -americanos a sentirem-se “frustrados”. Num país em que o voto é indireto e não é obrigatório, especialistas dizem que esse sentimento negativo pode diminuir o interesse pela participação eleitoral, o que torna o resultado do pleito presidencial imprevisível.

PARA IR ALÉM

A série House of Cards, de Beau Willimon, mostra a ascensão de um político norte-americano ao poder. Na quarta temporada, os episódios são focados na disputa presidencial.

5 PERGUNTAS SOBRE A DISPUTA PELA CASA BRANCA

O próximo presidente dos EUA será eleito em 8 de novembro de 2016. O atual titular do cargo, Barack Obama, do Partido Democrata, não pode concorrer, porque está em seu segundo mandato, e a Constituição norte-americana só prevê a possibilidade de uma reeleição.

1 COMO OS CANDIDATOS A PRESIDENTE SÃO ESCOLHIDOS PELOS PARTIDOS?

Os cidadãos com registro nos partidos Democrata e Republicano participam das primárias de seus partidos – votações nos 50 estados e no distrito federal para escolher os candidatos à eleição presidencial. A votação é indireta e funciona assim: ao votar em um dos pré-candidatos, o eleitor, na verdade, está definindo os delegados de seu estado que irão participar da convenção nacional do partido, em julho. São essas reuniões que definem o candidato oficial do partido nas eleições presidenciais.

2 DE QUE FORMA A POPULAÇÃO ELEGE O PRESIDENTE?

Diferentemente do que ocorre no Brasil, nos EUA a eleição presidencial é indireta. Os eleitores não votam nos candidatos, e sim em delegados que se reunirão num Colégio Eleitoral encarregado de definir o presidente. O cidadão, ao votar, está escolhendo delegados comprometidos com o seu candidato presidencial. Cada estado, além de Washington D.C. (capital norte-americana), é representado por certo número de delegados (pelo menos três), proporcional à sua população. Em 2016, o Colégio Eleitoral será composto de 538 delegados. Para ser eleito presidente, o candidato deverá obter os votos de pelo menos 270 deles.

3 POR QUE UM CANDIDATO PODE SER ELEITO MESMO SEM TER A MAIORIA DOS VOTOS POPULARES?

Em quase todos os estados, quem vence no voto popular leva todos os delegados ao Colégio Eleitoral, mesmo que a sua vitória tenha sido por poucos votos de diferença. Apenas no Maine e no Nebraska os delegados são eleitos proporcionalmente, de acordo com a votação dos eleitores. Por causa dessas regras, é possível que um candidato tenha mais votos populares, em nível nacional, mas perca a eleição no Colégio Eleitoral. Isso já ocorreu pelo menos três vezes. A última foi em 2000, quando Al Gore, do Partido Democrata, foi mais votado pelos eleitores do que George W. Bush, do Partido Republicano, mas perdeu no Colégio Eleitoral.

4 COMO SÃO FINANCIADAS AS CAMPANHAS ELEITORAIS?

Os recursos para as campanhas vêm de doadores individuais, grupos cívicos e os chamados comitês de ação política (PAC, da sigla em inglês), além do autofinanciamento dos próprios candidatos. Os PACs, formalmente independentes dos partidos, existem para defender propostas ou candidatos, e podem receber dinheiro de empresas e de sindicatos, diferentemente de candidatos e partidos políticos. A legislação dos EUA estabelece que as doações individuais aos candidatos têm um teto de 2.700 dólares. Os partidos costumam driblar essa limitação utilizando os Super PACs, tipos especiais de comitês autorizados a arrecadar, sem limites, contribuições de pessoas, empresas ou sindicatos. Os Super PACs têm liberdade para fazer propaganda favorável ou contrária a candidatos ou propostas, desde que isso não esteja ligado diretamente às campanhas.

5 ALÉM DE PRESIDENTE, QUE OUTROS CARGOS OS ELEITORES ESCOLHERÃO?

No mesmo dia do pleito presidencial, ocorrerão também eleições para a renovação de todos os 435 membros da Casa dos Representantes, de 34 dos 100 senadores e de 12 dos 50 governadores de estados. As eleições parlamentares costumam receber menos atenção da mídia, mas são decisivas, já que o presidente é obrigado a negociar com o Poder Legislativo seus projetos e iniciativas. O governo Obama, por exemplo, está em minoria tanto na Casa dos Representantes (os democratas têm 188 cadeiras, contra 247 dos republicanos) quanto no Senado (46 a 54), o que dificultou ou impediu a aprovação de várias de suas propostas.

Barack Obama faz história

POPULARIDADE – O presidente dos EUA, Barack Obama, realiza marcha em homenagem à luta pelos direitos civis, em março de 2015

 

Primeiro presidente negro dos Estados Unidos deixa importantes legados, como a reforma da saúde no país e a reaproximação com Irã e Cuba

Ao tomar posse para seu primeiro mandato como presidente dos Estados Unidos (EUA), em janeiro de 2009, Barack Obama sabia que, independentemente do que fizesse daí em diante, seu governo já seria considerado histórico. Primeiro negro a presidir a mais poderosa nação do mundo, Obama chegou ao governo cercado de expectativas. Seu discurso falava da necessidade de amplas mudanças no país.

Membro do Partido Democrata, ele sucedeu George W. Bush, do Partido Republicano, que fez um governo conservador e marcado pelo combate ao terrorismo, durante o qual duas guerras foram iniciadas pelos EUA, no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003). Para piorar a situação, ao final do governo Bush, em outubro de 2008, eclodia no país a mais grave crise econômica desde a grande depressão de 1929.

A eleição de Obama aparecia como um sopro de renovação e de fim dos tempos bélicos promovidos pelo impopular Bush. Essa esperança foi a responsável por uma mobilização sem precedentes durante a campanha eleitoral, em torno do slogan “Yes, we can” (“Sim, nós podemos”). E quando, com menos de um ano de governo, Obama foi anunciado como o ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2009, isso também ecoava o fato de que, mesmo fora dos EUA, havia a expectativa de que seu governo representasse o fortalecimento da diplomacia e da cooperação entre os povos.

Oito anos depois de pisar na Casa Branca, Obama realizou pelo menos uma grande conquista interna, ao aprovar seu programa de saúde (conhecido como Obamacare). Na economia, o resultado é controverso, com a retomada do crescimento e do nível de emprego, mas sem conseguir recuperar a renda. Obama teve realizações externas de peso, como a reaproximação com Cuba e a assinatura do acordo nuclear com o Irã, mas é muito criticado pelos encaminhamentos que deu à luta contra o terrorismo. De todo modo, Obama chega ao fim de seu segundo mandato ostentando um índice de popularidade acima de 50% – o que é considerado um feito e tanto para presidentes em final de mandato.

Crise e desemprego

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O início do governo Obama foi marcado pelos primeiros momentos da mais grave crise econômica em oito décadas. Em 2008, ainda na administração Bush, o país já enfrentava uma situação de grande déficit orçamentário (quando o governo gasta mais do que arrecada), principalmente em decorrência dos pesados gastos militares nas guerras do Afeganistão e do Iraque (veja gráfico na pág. ao lado). A isso se juntou uma forte turbulência na economia norte-americana, que se iniciou em 2007 e eclodiu no ano seguinte com o estouro da chamada “bolha imobiliária” – quando muitos compradores de imóveis não conseguiram manter o pagamento das prestações de suas casas.

A crise teve repercussão mundial e seus efeitos são sentidos ainda hoje nas economias de diversos países. A situação obrigou a iniciativas sem precedentes de injeção de dinheiro público norte-americano nas instituições financeiras, tanto por parte de Bush quanto de Obama. Os gastos, superiores a 5 trilhões de dólares, agravaram o déficit orçamentário, sem conseguir estancar a crise.

Oficialmente, os EUA ficaram em recessão por 18 meses, entre dezembro de 2007 e junho de 2009. Durante o período, o desemprego aumentou e, em seu auge, ficou próximo do índice de 10%. O mérito da política econômica de Obama foi recuperar o crescimento econômico, diminuir o déficit orçamentário e combater a taxa de desemprego, que voltou a ficar abaixo de 5%. No entanto, durante a presidência de Obama, o rendimento médio das famílias norte-americanas sofreu queda – passou a ser 4 mil dólares por ano menor do que o período antes da crise (veja gráficos na pág. ao lado).

Relações com o Congresso

As dificuldades no relacionamento com o Congresso marcaram a gestão de Obama. Nas eleições de 2008, os democratas conquistaram maioria no Senado e na Casa dos Representantes (Câmara dos Deputados). Dois anos depois, porém, numa situação de grande desemprego, os republicanos tornaram-se majoritários entre os deputados, invertendo a situação anterior, e cresceram também no Senado. No interior do Partido Republicano, destacou-se um movimento ultraconservador, chamado Tea Party, que percorreu o país numa ruidosa campanha contra Obama e os democratas.

Nesse quadro, os projetos presidenciais passaram a ter crescentes dificuldades para serem aprovados. A oposição republicana agiu de forma permanente para barrar as iniciativas de Obama. A situação se complicou ainda mais para Obama após as eleições de 2014, já em seu segundo mandato, quando os republicanos obtiveram maioria tanto na Casa dos Representantes quanto no Senado e ampliaram a obstrução às iniciativas do Executivo. A estratégia do presidente passou a ser, então, a de tentar governar por meio de decretos – instrumentos controversos do Executivo que não dependem de aprovação dos parlamentares.

Reforma da saúde

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Apesar dessas dificuldades, Obama obteve realizações importantes. No plano interno, elegeu como iniciativa central a reforma do sistema de saúde, com a proposta do Obamacare.

Os EUA são o único grande país desenvolvido que não mantém um sistema público universal de saúde. Os trabalhadores sindicalizados dispõem de convênios médicos negociados nos contratos coletivos com as empresas. Há também dois serviços médicos públicos, o Medicaid e o Medicare, que atendem respectivamente as famílias de baixa renda e os idosos. Restava, entretanto, uma faixa da população, estimada em 46 milhões de pessoas, que não tinha acesso a qualquer cobertura médica pública.

A proposta do governo para eliminar essa lacuna enfrentou ferrenha oposição dos republicanos e mesmo de muitos democratas. A questão polarizou o país. A intenção inicial do governo era oferecer à população a chamada “opção pública”, um plano de saúde federal, com valores mais baixos que os da iniciativa privada, o que estimularia a competitividade e provocaria uma redução geral dos preços das prestações. As companhias de seguro opuseram-se fortemente à proposta, e setores de extrema direita organizaram manifestações contra a reforma, alegando ingerência excessiva do Estado. Sob pressão, o presidente recuou, retirando da proposta a formação da agência estatal de saúde.

Em março de 2010, o Congresso aprovou a lei que reformou o sistema de saúde, sancionada no mesmo mês por Obama. Estima-se que 32 milhões de pessoas (quase 10% da população) que não tinham cobertura médica passarão a tê-la até 2019. Com a nova lei, todos os cidadãos são obrigados a contratar um plano de saúde, sob pena de serem multados. O governo deve fornecer subsídios para as famílias mais pobres, além de gerenciar um novo mercado de venda de seguros de saúde, no qual os planos poderão ser contratados. Os republicanos tentaram por diversas vezes derrubar a lei no Congresso, mas não tiveram êxito.

DIPLOMACIA– Obama e o papa Francisco na Casa Branca, em setembro de 2015: estreitando laços com as lideranças mundiais

 

Imigrantes ilegais

Na polêmica questão dos imigrantes ilegais nos EUA, Obama viveu um paradoxo. Ao mesmo tempo que tem a sua imagem vinculada à legalização da situação dessas pessoas, terminou o primeiro mandato como o presidente que mais deportou imigrantes desde os anos 1950 – 1,5 milhão de pessoas de 2009 a 2012.

No Congresso, a oposição republicana impediu a aprovação de um projeto mais amplo do governo sobre o assunto. Logo após as eleições de 2014, Obama editou um decreto que favorecia mais de 4 milhões de imigrantes ilegais, dentre os 11 milhões que vivem no país. A decisão presidencial beneficiava principalmente pais de cidadãos norte-americanos, que passariam a ter permissão de trabalho e ficariam livres da deportação.

O decreto gerou fortes protestos entre os republicanos, historicamente contrários à entrada de imigrantes, que questionaram a legalidade da medida unilateral. Em fevereiro de 2015, um juiz federal do Texas concedeu liminar suspendendo a aplicação do decreto, dois dias antes de sua parcial entrada em vigor. O governo recorreu então à Suprema Corte, que manteve o bloqueio, impondo uma grande derrota a Obama.

Direitos civis

A eleição do primeiro presidente negro dos EUA gerou expectativas quanto aos avanços em questões como igualdade racial e combate ao racismo. No entanto, foi justamente durante a gestão de Obama que o país enfrentou os piores confrontos raciais em duas décadas. Em 2014, a violência tomou conta das ruas de Ferguson (no estado do Missouri) depois que a Justiça inocentou o policial branco Darren Wilson, que matara com seis tiros Michael Brown, um homem negro e desarmado. Nova onda de protestos ocorreu em abril de 2015, quando Freddie Gray, um rapaz negro de 25 anos, morreu após ser agredido por policiais. Esses episódios de convulsão racial explicitaram a realidade de intolerância e discriminação nos EUA, na qual os negros ainda são as principais vítimas da violência e vivem em situação de desvantagem econômica em relação aos brancos.

Se os avanços na questão racial foram decepcionantes, ao menos Obama conseguiu ver sua posição prevalecer ao obter uma importante conquista de gênero: a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Em junho de 2015, a Suprema Corte declarou de forma cabal que casais formados por pessoas do mesmo sexo têm o direito garantido pela Constituição de se casar – até então, cada estado tinha autonomia para legislar sobre o tema. A decisão é uma das mais relevantes no campo dos direitos civis da história norte-americana.

Obama também se engajou na controvertida questão da liberdade para a venda de armas nos EUA. Em janeiro de 2013, ele apresentou ao Congresso a proposta de proibir o comércio de armas de assalto e aumentar o rigor na checagem dos antecedentes criminais dos compradores. A indústria de armas, que se opõe às medidas, investiu pesadamente em campanhas contrárias. Os republicanos colocaram-se também contra medidas de controle, por entender que os cidadãos têm o direito de se armar para sua defesa. O projeto presidencial não foi aprovado. A questão voltou ao centro do debate em junho de 2016, quando um atirador matou 49 pessoas em uma boate frequentada pela comunidade LGBT, em Orlando (veja mais na pág. 138).

Guerras e drones

CAÇADA HUMANA – Obama e a equipe de segurança acompanham a operação que matou Osama bin Laden, em maio de 2011

 

No âmbito da política externa, Obama tentou logo reverter algumas medidas adotadas por seu antecessor. Sob impacto dos atentados de 11 de setembro de 2001, Bush instituíra uma diretriz de segurança, que viria a ser conhecida como “doutrina Bush”, segundo a qual os EUA utilizariam a força de modo unilateral (ou seja, sem necessidade de consulta aos organismos multilaterais, como a ONU) e de forma preventiva (antes de um ataque inimigo) contra qualquer país que fosse considerado uma ameaça. Com base em sua política de guerra ao terror, Bush deu início aos combates no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003), com o envio de tropas dos EUA para a linha de frente. No total, foram deslocados para esses países mais de 300 mil soldados norte-americanos.

Já Obama tratou de encerrar a ampla presença de tropas norte-americanas no Afeganistão e no Iraque, ainda que em prazos mais longos do que os que havia proposto quando era candidato. Mas, para um presidente que obteve seu primeiro mandato com um discurso pelo fim da guerra, o governo de Obama esteve em combate por mais tempo que o de Bush, ainda que o engajamento de um e de outro difiram radicalmente.

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A ofensiva contra o terrorismo de Obama dirige-se menos para o campo de batalha e mais para os trabalhos de espionagem, as ações de forças especiais em operações pontuais e o uso de drones (aviões não tripulados). Essa estratégia, embora faça cair o número de baixas norte-americanas, provoca milhares de vítimas civis. Estima-se que o governo Obama autorizou pelo menos 450 ataques com drones, que causaram a morte de 2,8 mil pessoas.

O maior triunfo da administração na luta contra o terrorismo ocorreu em maio de 2011, quando uma operação de forças especiais dos EUA matou, no Paquistão, Osama bin Laden, líder da rede terrorista Al Qaeda e responsável pelos ataques de 11 de setembro. A ação de captura gerou grande repercussão mundial e contribuiu para elevar a popularidade de Obama.

Diretriz geopolítica

De modo geral, a diretriz para a atuação dos EUA no cenário geopolítico vislumbrada por Obama privilegiou em seu governo a diplomacia e a mobilização coletiva dos países aliados e de organismos multilaterais para resolver crises. Ela enfatizou a utilização da força como último recurso – quando existir uma ameaça direta ao país ou quando todos os mecanismos diplomáticos forem esgotados.

Uma aplicação prática dessa diretriz pode ser vista na forma como o país lidou com a ameaça do grupo terrorista Estado Islâmico (EI). Os EUA lideraram uma coalizão de dezenas de países contra o EI, bombardeando áreas sob controle da milícia, mas sem enviar tropas para combates terrestres. Da mesma forma, desde o início da guerra na Síria, em 2011, o governo norte-americano evitou assumir um protagonismo mais bélico diante da escalada dos conflitos. Ainda assim, os EUA se mantêm como a grande potência no terreno militar. Em 2015, o país respondeu, sozinho, por mais de 35% dos gastos com armamentos no mundo.

Talvez seja por essa precaução nas ações militares que Obama considere o maior erro de sua gestão a intervenção na Líbia. Ocorrida em 2011, a ação sob o comando da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar composta pelos EUA e pelas potências europeias, aproveitou a convulsão social no país para bombardear posições do governo líbio e ajudar na destituição do ditador Muammar Kadaf. No entanto, segundo o próprio Obama, faltou um plano para reerguer o Estado líbio. O resultado dessa omissão foi que, na ausência de um governo forte e centralizado, diversas milícias passaram a disputar o poder, abrindo caminho para a instalação do EI na Líbia.

De modo geral, considerando-se a política externa para o Oriente Médio, Obama buscou reduzir a ação direta dos EUA na região. Isso ocorreu até mesmo no conflito entre Israel e os palestinos, em que o governo norte-americano desempenha historicamente papel central no esforço de mediação. Apesar de apoiar a política de dois Estados (um israelense e um palestino), Obama não obteve avanços nessa iniciativa e retirou-se das negociações quando elas mostraram-se infrutíferas (veja mais na pág. 56).

Acordos internacionais

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Por meio da diplomacia, Obama obteve aqueles que são considerados os principais marcos de seu governo na política externa: a reaproximação com Cuba e a retomada do diálogo com o Irã.

A partir da Revolução Islâmica de 1979, o Irã substituiu um regime alinhado com os EUA por uma teocracia hostil aos norte-americanos. Nos últimos anos, os iranianos vinham sendo pressionados pelas potências ocidentais a interromper seu programa nuclear. Suspeitava-se de que o país pretendia desenvolver tecnologia para construir armas atômicas, ainda que o regime iraniano negasse essa intenção. A adoção de sanções internacionais contra o Irã e a possibilidade cada vez mais concreta de o país obter a tecnologia para fabricar a bomba levaram os dois lados a negociar. Em julho de 2015, chegou-se a um acordo, pelo qual o Irã limitou sua atividade nuclear, em troca do fim das penalidades, e retornou à comunidade internacional.

Com Cuba, a ruptura era mais antiga ainda, datando de 1961. Obama, utilizando mais uma vez as prerrogativas de seu cargo, anunciou em dezembro de 2014 a retomada de relações diplomáticas com o país caribenho. O mesmo anúncio foi feito pelo presidente cubano, Raúl Castro. O fim do embargo econômico imposto a Cuba, porém, depende de aprovação no Congresso dos EUA. A reaproximação prossegue com a reabertura das embaixadas em julho de 2015 e a visita de Obama a Cuba, em março de 2016, a primeira de um presidente norte-americano à ilha em quase 90 anos (veja mais na pág. 40).

Contenção à China

Na estratégia de segurança nacional que Obama anunciou em janeiro de 2012, a prioridade da política externa se deslocou para o Oceano Pacífico. Um dos elementos dessa política foi o reposicionamento das forças navais dos EUA no mundo, com um reforço crescente das embarcações estacionadas no Pacífico até 2020.

O objetivo do chamado “pivô asiático” é contrabalançar, em especial no Sudeste Asiático, o crescimento da importância geopolítica da China, que se tornou o maior parceiro comercial dos países da região e reforçou seu poderio militar. O maior foco de tensão diz respeito às tentativas chinesas de ressuscitar antigas questões de limites territoriais nas águas do Pacífico. O governo norte-americano faz alertas contra o que considera uma “militarização” da região por parte da China (veja mais na pág. 48).

A ação mais ambiciosa dos EUA para contrabalancear o poderio da China no Pacífico veio em outubro de 2015. EUA, Japão e outras dez nações aprovaram a Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês), maior acordo comercial regional já constituído. O tratado elimina milhares de barreiras de importação entre seus participantes – e estrategicamente não inclui a China. Mas sua efetivação ainda precisa ser ratificada pelo Congresso dos EUA, onde muitos parlamentares se opõem à iniciativa.

Guantánamo

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A cinco meses do fim de seu governo, uma das promessas mais objetivas de Obama ainda não havia sido cumprida: o fechamento da prisão da base militar norte-americana de Guantánamo – ilha situada em Cuba que está em poder dos EUA desde 1903. O governo Bush transferiu para lá, a partir de 2002, mais de 700 suspeitos de terrorismo. Muitos nem foram acusados formalmente de crimes, e há denúncias de maus-tratos e torturas em Guantánamo.

Uma das primeiras medidas anunciadas por Obama foi o fechamento da prisão no prazo de um ano. Depois, mudou de planos, dando continuidade à política de seu antecessor nessa área. Atualmente, Guantánamo abriga menos de cem presos. A principal dificuldade para concretizar o fechamento é saber para onde irão esses detidos, já que a proposta de transferência para o interior do território norte-americano enfrenta forte resistência, tanto da opinião pública quanto de parlamentares.

Em fevereiro de 2016, Obama enviou ao Congresso um plano que prevê o fim da prisão e indica 13 locais nos EUA para onde os detidos seriam transferidos. A tentativa de cumprir essa promessa pode ser a última cartada de Obama e deve se estender até o final de seu mandato, em 20 de janeiro de 2017.

RESUMO – Estados Unidos

ELEIÇÕES

As eleições para o próximo presidente dos Estados Unidos (EUA), em novembro, estão marcadas por divisões existentes no Partido Democrata, do presidente Barack Obama, e também no Republicano, de oposição. No primeiro, a ex-senadora Hillary Clinton, candidata apoiada pela cúpula partidária, enfrentou inesperada disputa interna com o senador Bernie Sanders. Entre os republicanos, o empresário Donald Trump conquistou a maioria dos delegados à convenção, derrotando a direção do partido e os principais nomes que estavam na disputa, como os senadores Ted Cruz e Marco Rubio e o ex-governador Jeb Bush.

PROPOSTAS

Trump, que faz duras críticas a Obama, desenvolve campanha eleitoral agressiva, defendendo a construção de um muro na fronteira com o México, para impedir a entrada de imigrantes ilegais, e a proibição temporária de ingresso de muçulmanos nos EUA, que identifica como potenciais terroristas. Na economia, diz que retomará a grandeza do país. Hillary apresenta-se como portadora das políticas dos democratas, como o aumento de impostos para os mais ricos e maior atenção a políticas sociais. Pretende dar continuidade ao governo de Obama. Nas pesquisas, a democrata está à frente do republicano, mas ambos têm também altos índices de rejeição.

GOVERNO OBAMA

Primeiro presidente negro da história dos EUA, Obama chega ao fim de dois mandatos com algumas realizações, mas também criticado por não ter correspondido a todas as expectativas que sua eleição criou. Seus principais legados na política interna foram a reforma do sistema de saúde do país e a recuperação do crescimento econômico. No entanto, Obama é criticado por não conseguir retomar o crescimento da renda dos norte-americanos. No campo externo destacam-se a reaproximação com Irã e Cuba e a adoção de uma política que privilegia a diplomacia. A dura oposição exercida pelos republicanos no Congresso inviabilizou vários de seus projetos, como a reforma da legislação sobre imigrantes e o controle de armas.

Internacional: Eleições nos EUA
Internacional: Eleições nos EUA
Legenda foto capa: AOS OLHOS DA LEI Manifestante protesta contra o pré-candidato republicano Donald Trump, em dezembro de 2015. TIMOTHY A. CLARY/AFP   A poucos meses das eleições que irão definir o próximo presidente dos Estados Unidos (EUA), em novembro, o quadro é de incertezas como poucas vezes se viu no país. Os dois partidos […]

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