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Internacional: Nações Unidas sob pressão

Nações Unidas sob pressão

Em meio às discussões sobre o papel da ONU na mediação de conflitos, crescem as reivindicações pelo fim da missão de paz no Haiti

Por Paulo Montoia

CONTAGEM – Mesários apuram os votos nas eleições do Haiti, em 2015: suspeita de fraude na votação para a Presidência

 

Em 2004, os soldados da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) desembarcavam na capital haitiana de Porto Príncipe em meio ao caos político instalado no país. A renúncia do presidente Jean-Bertrand Aristide, sob pressão dos EUA, havia dado origem a uma série de violentos conflitos que colocaram o Haiti à beira da guerra civil.

Sob a chefia militar do Brasil, os capacetes azuis – como são chamados os soldados das missões de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) – chegaram com o objetivo de garantir a segurança interna, combater a violência nas ruas e encaminhar a estabilização política do Haiti.

Completados 12 anos do início da Minustah, uma de suas principais metas não foi plenamente alcançada: a normalização das atividades políticas. Neste período em que estão no Haiti, as forças de paz desarmaram grupos rebeldes e garantiram a realização de duas eleições presidenciais, em 2006 e 2011. Em 2015, a ONU chegou a anunciar que encerraria a missão no final de 2016.

No entanto, o país passou a viver um novo impasse político após a turbulenta eleição geral de outubro de 2015. Sob acusação de fraude, a votação foi anulada por uma comissão independente, e o país passou a ter um governo interino. A realização do segundo turno está agendada para outubro de 2016.

Em meio a essa indefinição política, o cronograma de retirada está sendo revisto. A ONU não quer anunciar a retirada da Minustah até certificar-se de que as forças locais serão capazes de garantir a segurança do país. Por isso, já se fala abertamente na prorrogação da missão.

Críticas à missão

Localizado no Mar do Caribe, o Haiti ocupa a porção oeste da Ilha de Hispaniola – a parte leste pertence a outra nação independente, a República Dominicana. País mais pobre das Américas, o Haiti é uma ex-colônia francesa que também já foi ocupada pelos Estados Unidos (EUA) entre 1915 e 1934. Diante do histórico de intervenções externas no país e do impasse no cronograma de retirada, intensifca-se a pressão feita por entidades civis haitianas, da América Latina e de outras regiões para que as tropas das Nações Unidas saiam do país. Essas organizações consideram a Minustah uma ocupação militar estrangeira disfarçada de ajuda humanitária e pedem a devolução do país integralmente aos haitianos.

De modo geral, as missões de paz da ONU atuam em países devastados por conflitos, com o objetivo de estabilizar a situação política para criar condições de uma paz mais duradoura. Essas operações são responsáveis por tarefas como ajudar a instituir governos, desmobilizar combatentes e assegurar reformas institucionais. Em 2016, a ONU mantém 16 operações, somando mais de 100 mil soldados e policiais dos países-membros.

Os críticos da presença da Minustah destacam o fato de que o Haiti não está ou não esteve em guerra, razão das principais missões de paz da ONU. Quando da intervenção em 2004, o país vivia um momento convulsionado, mas com um governo civil eleito e em um processo de recuperação democrática iniciado em 1990, após décadas de ditaduras corruptas.

Apesar de oferecer importante ajuda humanitária no país em tragédias, como o terremoto em 2010, que causou enorme destruição e 250 mil mortes, e a passagem do Furacão Sandy, em 2012, que deixou 20 mil desabrigados, a missão da ONU é acusada de impedir o Haiti de exercer plenamente sua soberania. Os recursos externos são utilizados diretamente entre as inúmeras ONGs e entidades que atuam em nome da ONU, sem repassá-los ao governo do Haiti. Embora seja considerada uma forma de evitar o desvio de dinheiro pelos políticos do país, a medida impede o Haiti de se desenvolver de forma independente e tomar suas próprias decisões políticas.

Críticos da missão dizem, ainda, que estabelecer uma paz num país tão conturbado depende mais de desenvolvimento econômico e melhorias em educação e da saúde do que do controle da ordem pública.

Estrutura da ONU

O Brasil está na chefia militar da Minustah desde o início da missão, como parte dos esforços da diplomacia nacional para buscar maior inserção política no cenário internacional, em mediação de conflitos e em órgãos mundiais. Nos últimos anos, a projeção política e econômica do Brasil rendeu ao país a liderança de importantes organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), sob comando do diretor Roberto Azevêdo, e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), que tem à frente o diretor-geral José Graziano da Silva.

Ao comandar a Minustah, o Brasil também tenta fortalecer sua campanha por reformas na estrutura da ONU, com vistas a pleitear um assento permanente no Conselho de Segurança (CS), o principal órgão da instituição.

A ONU foi criada em 1945, logo após o fim da II Guerra Mundial (1939-1945) com a finalidade de manter a paz, solucionar e evitar conflitos e articular uma cooperação internacional para resolver problemas econômicos, sociais e humanitários. A entidade foi arquitetada pelas potências que venceram a II Guerra Mundial – EUA, Reino Unido, França e União Soviética (URSS).

Estes países desenharam a distribuição do poder na ONU e, junto com a China, são os únicos membros permanentes do Conselho de Segurança (CS) – a Rússia substituiu a URSS. Além dos permanentes, o CS tem outros dez membros. Eleitos pelos 193 países-membros da Assembleia Geral da ONU, eles são rotativos e escolhidos a cada dois anos. Geralmente, essas vagas são divididas entre os continentes (veja os membros do CS acima).

Os 15 membros do CS participam das discussões, votam e decidem, mas apenas os cinco membros permanentes têm o poder de veto. Ou seja, se um desses países não concordar com alguma resolução, ele pode barrar a medida, mesmo que a decisão tenha sido aprovada pela Assembleia Geral ou por todos os outros 14 membros do CS.

MISSÕES DE PAZ – O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em visita ao Sudão do Sul, em fevereiro de 2016: último ano de mandato

 

Pressão por reformas

Esta divisão de poder na ONU parece mais anacrônica e distante das transformações pelas quais o mundo passou desde a criação da entidade. O Japão e a Alemanha, derrotados na II Guerra, são duas das economias mais ricas do mundo atualmente e não participam das principais decisões da ONU. Por sua vez, economias emergentes, como o Brasil e a Índia, ganharam peso político no cenário internacional e reivindicam uma vaga permanente no CS, mesmo sem direito a veto.

Em 2004, Alemanha, Japão, Brasil e Índia formaram o grupo diplomático G-4 para discutir e pleitear uma reforma e sua inclusão como membros permanentes do CS. A questão foi retomada a partir de 2008, com a formação do grupo de potências emergentes. Entre as propostas discutidas estaria a de ampliar o número de países-membros do CS e incluir pelo menos um representante da África. A realização de uma reforma desse tipo esbarra na posição dos membros permanentes e também na objeção de países preteridos nas propostas. Argentina e o México, por exemplo, uniram-se contra o Brasil, receosos de que o país assuma um papel privilegiado na América Latina.

Paralisia da ONU

Outro problema do atual modelo de funcionamento das Nações Unidas é que o poder de veto dos membros permanentes do CS provoca longos impasses entre as potências, impedindo o órgão de cumprir sua principal missão: a garantia da paz. O caso da Síria é sintomático nesse sentido. Desde 2011, o país está mergulhado em uma guerra civil que já matou quase meio milhão de pessoas.

O antagonismo entre os EUA e a Rússia nesse caso tem impedido a ONU de ter um papel mais ativo no conflito – os norte- americanos querem derrubar o presidente sírio Bashar al-Assad, enquanto a Rússia defende a sua permanência. Dessa forma, estabelece-se uma paralisia no CS, que é o órgão capaz de impor sanções à Síria e autorizar missões. De acordo com a Anistia Internacional, a ONU encontra-se hoje mais vulnerável do que nunca. “O conflito sírio é um exemplo terrível das consequências catastróficas para a população de uma falha sistêmica da ONU em cumprir seu papel fundamental em defesa dos direitos e da legislação internacional (…)”, afirma a entidade.

É diante desse cenário de forte contestação à efetividade de sua atuação que a ONU deverá trocar de comando até o final do ano, quando a entidade elegerá um novo secretário-geral, em substituição ao sul-coreano Ban Ki-moon. O novo líder das Nações Unidas, que assumirá o cargo em janeiro de 2017, terá o desafio de revitalizar a organização e recuperar o seu protagonismo mundial.

RESUMO ONU

ONU

A Organização das Nações Unidas foi criada em 1945, após a II Guerra Mundial (1939-1945), com a missão de solucionar conflitos, garantir a paz e articular uma cooperação internacional para resolver problemas econômicos, sociais e humanitários. A entidade reúne 193 países-membros, o que lhe confere abrangência e legitimidade. A ONU foi arquitetada pelas potências que venceram a II Guerra Mundial: Estados Unidos, França, Reino Unido e União Soviética (URSS). Esses países desenharam a distribuição do poder na ONU e, junto com a China, são os únicos membros permanentes do Conselho de Segurança (CS) – a Rússia substituiu a URSS.

CONSELHO DE SEGURANÇA

É o principal órgão da ONU, pois delibera sobre a segurança mundial, com poder para impor sanções econômicas e intervenções militares em outros países. Os cinco membros permanentes são os únicos que podem vetar qualquer proposta. O conselho também reúne dez membros rotativos, eleitos a cada dois anos, que participam das discussões e votações, mas sem poder de veto.

PROPOSTAS DE REFORMA

A estrutura de poder do CS tornou-se distante da realidade. Potências como Japão e Alemanha não participam do CS, assim como países emergentes que ganharam peso político, como Brasil e Índia. Diferentes propostas são discutidas para reformar o CS.

ENFRAQUECIMENTO

A ONU está perdendo protagonismo e relevância para resolver conflitos armados, como a guerra na Síria. Esse enfraquecimento se dá justamente pela falta de consenso entre os membros do CS, como EUA, Reino Unido, França, China e Rússia.

MINUSTAH

A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti teve início em 2004, com a presença de tropas sob comando do Exército do Brasil. A missão deveria terminar em 2016, mas pode ser estendida. Entidades civis e partidos haitianos e da América Latina consideram a missão uma ocupação militar disfarçada de ajuda humanitária.

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Nações Unidas sob pressão Em meio às discussões sobre o papel da ONU na mediação de conflitos, crescem as reivindicações pelo fim da missão de paz no Haiti Por Paulo Montoia CONTAGEM – Mesários apuram os votos nas eleições do Haiti, em 2015: suspeita de fraude na votação para a Presidência   Em 2004, os […]

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