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Literatura: Modernismo – Poesia no Brasil

De Mário e Oswald de Andrade a João Cabral de Melo Neto, alguns dos nomes mais expressivos da produção poética do país no período

Na primeira fase do Modernismo, o caráter revolucionário do movimento, assim como ocorre na prosa, propõe uma renovação artística na poesia capaz de modificar os valores tradicionais da própria sociedade. Exemplo disso é a obra poética de Mário e Oswald de Andrade.

Já Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes passaram pelo movimento modernista em quase toda sua extensão, com trajetórias bastante singulares. Para efeitos didáticos, muitas vezes os dois últimos são associados à segunda fase do movimento.

A partir de 1945, na terceira fase, a poesia tem maior apuro do verso, da palavra e do ritmo, contrariando o anarquismo inicial. Têm expressão João Cabral de Melo Neto e, na fase concretista, Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos.

Mário e Oswald de Andrade

O poema Ode ao Burguês, de Mário de Andrade, apresenta os ideais da primeira geração modernista e critica a vida materialista e limitada do mundo burguês. Mário de Andrade escreve de acordo com o programa estético do movimento, que reflete criticamente sobre o Brasil, com o objetivo de subverter a ordem vigente. No plano sonoro, o título do poema é pronunciado como “ódio ao burguês” e a burguesia (sobretudo a paulistana) torna-se o grupo social representativo dos costumes, da falta de preocupação com o país e da ostentação de bens materiais.

O poema Vício na Fala, de Oswald de Andrade, questiona a norma culta e urbana como a única variedade linguística aceitável. De acordo com os ideais modernistas de valorização dos saberes e da cultura popular, Oswald exalta a coloquialidade e a linguagem informal. O autor mostra as equivalências e a eficácia comunicativa da língua falada por grande parte dos brasileiros: as formas padronizadas (exemplificadas em palavras como milho, melhor, pior, telha e telhado) são equiparadas às variantes populares (mio, mió, pió, teia, teiado) e, de modo crítico, o autor ressalta o fato de que o povo brasileiro é o verdadeiro responsável pela construção do país.

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Eu insulto o burguês! O burguês-níquel, 
o burguês-burguês![1]
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro,
italiano,
é sempre um cauteloso pouco a pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas[2]

Os barões lampiões! os condes Joões!
os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora
falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto![3]
O indigesto feijão com toucinho, 
dono das tradições![4]
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!

Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
(…)

Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burgês!…[5]

Pauliceia Desvairada, Edusp, 2003


NOVOS VALORES A intenção do poeta é romper com os costumes tradicionais e instaurar novos valores, menos exatos e equilibrados.


[0] AMBIGUIDADE: A sonoridade presente no título provoca ambiguidade: ode é um poema dedicado a explorar um tema específico; no entanto, a expressão sugere também a leitura “ódio ao burguês” e enfatiza a crítica à burguesia.

[1] NEOLOGISMO: O poeta cria novos substantivos compostos: “burguês-níquel” explicita a relação entre a burguesia e o dinheiro; “burguês-burguês” reforça, por meio da repetição, os defeitos da burguesia.

[2] CRÍTICA À BURGUESIA: O comedimento aristocrático, os títulos de nobreza e a imitação dos valores civilizatórios europeus são os principais elementos burgueses combatidos pelos ideais artísticos modernistas.

[3] MANIFESTO: A recorrência de frases exclamativas confere ao poema um caráter de manifesto, isto é, de oposição a uma realidade estabelecida e de defesa de valores revolucionários.

[4] CONTRAPOSIÇÃO: Vale observar como este poema se contrapõe às Liras de Tomás Antônio Gonzaga (e à canção Pelados em Santos), em que há uma defesa dos valores e bens burgueses para conquistar a mulher amada.

[5] LINGUAGEM COLOQUIAL: A valorização da linguagem coloquial é uma das marcas do Modernismo. O tom de combate e zombaria se vale de expressões populares de repúdio para combater os ideais e valores da burguesia.

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Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados[1]


ORALIDADE O autor se vale da oralidade do brasileiro comum para expor um retrato da realidade linguística nacional e, assim, legitimá-la.


[0] FALA POPULAR: A expressão, satirizada pelo poeta, revela originalmente uma concepção linguística normativa e prescritiva. Este poema, ao contrário, valoriza a fala popular e a linguagem coloquial.

[1] VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: O humor e o poema que desconstrói a forma fixa ajudam a definir a estética oswaldiana. No fim do poema, mostra- se como a variação linguística não impede a comunicação nem a transformação  da realidade.

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Dê-me um cigarro[1]
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada

Me dá um cigarro[2]


RELAÇÕES DESIGUAIS O poema registra as relações desiguais que existem e se afirmam por meio de imposição cultural.


[1] NORMA-PADRÃO: O início do poema mostra a norma gramatical sobre a colocação dos pronomes oblíquos (após o verbo, quando este vem no imperativo).

[2] LINGUAGEM COLOQUIAL: No dia a dia, em linguagem coloquial, em situações informais,   colocamos o pronome antes do verbo no imperativo. O projeto modernista de Oswald incluía a valorização dos saberes populares nacionais.

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A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia
A burguesia não tem charme nem é discreta
Com suas perucas de cabelos de boneca
A burguesia quer ser sócia do Country
A burguesia quer ir a New York fazer compras
(…)

https://letras.mus.br/cazuza/43858/


A canção, de modo semelhante ao poema de Mário de Andrade, faz uma crítica explícita ao comportamento e aos valores da burguesia brasileira. Cazuza aponta os defeitos da sociedade burguesa e, assim como faziam os artistas do Modernismo, estabelece uma oposição entre os costumes tradicionais e a possibilidade do fazer poético. A busca pelo dinheiro, a futilidade e o materialismo são, segundo o compositor, alguns dos principais defeitos dessa classe social.


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Cheguei na beira do porto
Onde as onda se espaia
As garça dá meia volta
E senta na beira da praia
E o cuitelinho não gosta
Que o botão de rosa caia, ai, ai
(…)
A tua saudade corta
Como aço de naváia
O coração fica afito
Bate uma, a outra faia
E os óio se enche d´água
Que até a vista se atrapáia, ai…

https://letras.mus.br/renato-teixeira/298332/


Na letra de Cuitelinho, que tem origem em uma canção folclórica do Pantanal mato-grossense, nota-se o emprego e a valorização da variante popular da língua. A presença de traços de oralidade (coloquialidade e ausência de concordância) se assemelha às palavras e expressões utilizadas por Oswald de Andrade.


Manuel Bandeira

Poeta pioneiro do movimento modernista, Manuel Bandeira (1886-1968) renovou as formas composicionais ao tratar de temas ligados, sobretudo, à passagem do tempo e às relações entre vida e morte. Tuberculoso, a sombra da doença o acompanhou por toda a vida e deixou marcas em sua produção. O lirismo de Bandeira deu origem a alguns dos mais belos poemas em português, como os reunidos na obra Libertinagem (1930).

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O curta O Habitante de Pasárgada, documentário sobre o poeta Manuel Bandeira, dirigido pelo escritor Fernando Sabino e por David Neves, está disponível no YouTube. Inspirado no poema Vou-me Embora pra Pasárgada, mostra cenas do poeta no seu cotidiano.

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Quando[1] ontem adormeci
Na noite de São João[2]
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala[3]
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes[4]

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel

Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

– Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados[5]
Dormindo
Profundamente.[6]

Quando[1] eu tinha seis anos[7]
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes
daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa[8]
Onde estão todos eles?

– Estão todos dormindo
Estão todos deitados[5]
Dormindo
Profundamente[6]

[1] PARALELISMO: As duas partes do poema começam com o advérbio “quando”. Esse paralelismo objetiva relacionar as diferentes épocas da vida do sujeito.

[2] LEMBRANÇAS: O poema remete ao contexto temporal das populares festas juninas, responsáveis por despertar as lembranças do eu lírico.

[3] PONTUAÇÃO: A ausência de pontuação pretende explicitar o fluxo de memórias do sujeito poético, ligadas à atmosfera de festa da noite passada

[4] PREDICADO VERBO-NOMINAL: A passagem dos balões é assinalada por um predicado verbo- nominal, que associa uma ação (“passavam”) a um predicativo do sujeito (“errantes”).

[5] PASSADO E PRESENTE: As palavras dessa estrofe aparecem no fim do poema, mas com uma diferença: o verbo “estar” no passado (“estavam dormindo”) remete à ideia de lembrança e, no presente (“estão dormindo”), à de morte.

[6] ADVÉRBIO DE MODO E DE INTENSIDADE: No fim da primeira parte do poema, o advérbio “profundamente” indica o modo de dormir das pessoas; no fim do texto, tem o sentido intensificado por estar ligado ao final da existência.

[7] INFÂNCIA: Na segunda parte do poema, o eu lírico trata de uma festa junina mais antiga, da sua infância.

[8] PRONOMES POSSESSIVOS: O eu lírico recorda, com saudade, os membros da família. Ao contrário das pessoas desconhecidas da festa do dia anterior (fato que assinala a solidão do eu lírico), os entes queridos são acompanhados por pronomes possessivos ou evocados afetivamente com nomes próprios.

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Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem-comportado[1]
Do lirismo funcionário público
com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço
ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para
     e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo. 
Abaixo os puristas[2]
(…)
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos[3]
O lirismo dos clowns de Shakespeare

– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Antologia Poética, Nova Fronteira, 2001.


INTERTEXTUALIDADE O poema dialoga com Ode ao Burguês, de Mário de Andrade, ao retratar com ironia e rebeldia os valores burgueses de correção e ordem.


[1] CONTRA AS CONVENÇÕES: O autor se opõe ao comedimento do gosto burguês e das convenções poéticas tradicionais.

[2] LIBERDADE FORMAL: O eu lírico condena o desejo de precisão e perfeição dos poetas parnasianos, que se preocupavam demais com o requinte do vocabulário.

[3] REVOLUÇÃO ESTÉTICA: A arte moderna e a literatura modernista exaltam a loucura e a sensibilidade.

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PONTUAÇÃO: A VÍRGULA

A pontuação é um recurso importante para reconhecer as intenções do autor do texto. Além de demarcar pausas na leitura e separar elementos de uma sequência, a vírgula tem outras funções:

  •  Vocativo – Quando a vírgula é usada após um vocativo (que expressa a quem o enunciador se dirige), indica um chamado: Mãe, só tem uma! (por exemplo, na situação que o filho diz à mãe que só resta uma bolacha no pote). Sem a vírgula, teríamos: Mãe só tem uma (a palavra mãe é o sujeito da sentença).
  • A créscimo de informação – Ex.: O homem, que estava ouvindo a conversa do casal, resolveu intrometer-se. Aqui, o trecho entre vírgulas é uma sentença informati- va, que explica algo a respeito do termo O homem, da sentença principal. Sem o uso das vírgulas, o sentido se alteraria. Ex.: O homem que estava ouvindo a conversa do casal resolveu intrometer-se. Neste caso, o pronome relativo que exerce um papel restritivo, selecionando, de um conjunto possível de homens, aquele homem específico que ouvia a conversa do casal.
  • Indicação de circunstâncias –  A vírgula é usada para isolar advérbios ou expressões adverbiais de tempo, espaço, modo etc. Ex.: No inverno rigoroso do sul, usamos roupas de lã.

 

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MEMÓRIA E LEMBRANÇAS

A fuga no tempo e o retorno ao passado foram temas cultivados pelos poetas românticos da segunda geração. É o caso, por exemplo, de Casimiro de Abreu (1839-1860), que compôs poemas nos quais os tempos de infância foram valorizados como épocas de inocência e despreocupação. Em conformidade com a idealização e o sentimentalismo típicos do Romantismo, a saudade percorre o texto de Casimiro de modo muito mais explícito do que nas recordações de infância registradas por Manuel Bandeira.

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Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais![1]
Que amor, que sonhos, 
     que fores, 
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais![2]
(…)
Oh! dias da minha[3] infância!
Oh! meu[3] céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha[3] mãe as carícias
E beijos de minhã[3] irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis![4]
(…)
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
(…)

As Primaveras,  Martins Fontes, 1972.

[1] INFÂNCIA: A passagem definitiva do tempo é comum em textos que veiculam o discurso da saudade. Os fatos passados só podem ser vividos e recuperados por meio da memória.

[2] PONTUAÇÃO: O eu lírico enumera as lembranças da infância, mas obedece ao uso de pontuação, empregando as vírgulas segundo a convenção escrita  (por oposição ao poema de Bandeira).

[3] PRONOMES POSSESSIVOS: Os pronomes possessivos permitem ao autor apropriar-se não apenas de pessoas e objetos (acentuando a sua afetividade), mas dos fatos que narra e dos elementos naturais.

[4] SONORIDADE: A sonoridade do poema, representada pelas rimas, cria a impressão do fluir das lembranças e do movimento delicado do sujeito pelos caminhos da memória.


Vinicius de Moraes

Vinicius de Moraes (1913-1980) foi poeta e compositor de canções. Em alguns momentos, Vinicius recuperou a forma clássica do soneto; em outras ocasiões, deu vazão aos sentimentos em versos livres. Na segunda metade do século XX, participou de movimentos, como a bossa nova, que revolucionaram a música popular brasileira.

Cecília Meireles

A poesia de Cecília Meireles (1901-1964), delicada e musical, tratou das mais diversas situações da existência humana, passageira e marcada por intensos momentos líricos. As viagens realizadas, o contato com a natureza, a percepção sensível de detalhes do cotidiano e a compreensão das emoções humanas tornam Cecília Meireles uma das principais representantes da vertente espiritualista da segunda fase do Modernismo brasileiro. No extenso poema Romanceiro da Inconfidência, a artista se debruça sobre acontecimentos da história do Brasil.

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Pensem[1] nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam[1]
Da rosa da rosa[2]
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
(…)

[0] ROSA DEVASTADORA: A tragédia de Hiroshima, ocorrida no Japão durante a II Guerra Mundial, inspirou este poema. A imagem do cogumelo atômico que destruiu milhares de vidas é associada à figura de uma rosa devastadora.

[1] VERBOS NO IMPERATIVO: Os verbos “pensem” e “não se esqueçam” convocam os leitores do poema (e os ouvintes da música) à compaixão e à reflexão pelas vítimas da bomba atômica.

[2] METÁFORA: A metáfora da rosa, comumente associada a situações de lirismo amoroso, é explorada em outro campo: o sujeito poético faz alusão à nuvem radioativa.

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(…) Eu estava imóvel – tu caminhavas
para
mim como um pinheiro erguido
E de repente, não sei, me vi acorrentado
no descampado, no meio de insetos
E as formigas me passeavam pelo
corpo úmido[1].
Do teu corpo balouçante[1]  saíam cobras
que se eriçavam sobre o meu peito[1]
E muito ao longe me parecia ouvir uivos
de lobas. (…)
Uma angústia de morte começou a se 
apossar do meu ser 
As formigas iam e vinham, os insetos 
procriavam e zumbiam do meu desespero 
E eu comecei a sufocar sob a rês que 
me lambia. 
Nesse momento as cobras apertaram o 
Nesse momento as cobras apertaram o
E[3] a chuva despejou sobre mim torrentes 
amargas. 
Eu me levantei e comecei a chegar, 
me parecia vir de longe
E[3] não havia mais vida na minha frente.[2]

Poesia Completa e Prosa, Nova Aguilar, 2004.

[0] EROTISMO SOMBRIO: Neste poema, de inspiração surrealista, as formas da mulher são descritas por elementos distantes da idealização física, como se materializassem os sentidos aguçados e aterradores do eu lírico.

[1] LEITURA SENSORIAL: O erotismo transpira pelo vocabulário – herdeiro do Simbolismo – e conduz o leitor a uma dupla leitura sensorial.

[2] APROXIMAÇÃO  DA MORTE: A experiência amorosa se aproxima da morte, não por idealização, como em tempos românticos, mas por volúpia e temporária perda da razão.

[3] ORAÇÕES COORDENADAS SINDÉTICAS: Repare como as orações coordenadas sindéticas (que possuem a conjunção “e”) conferem maior dinâmica e agilidade ao poema.

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Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas, 
– e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras:[1]
olhos colados aos vidros,
mulheres e homens à espreita,[2]
caras disformes de insônia,
vigiando as ações alheias. 
Pelas gretas das janelas,
pelas frestas das esteiras,[3] 
agudas setas atiram
a inveja e a maledicência.

Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas, 
como peludas aranhas
na gosma das teias densas, 
rápidas e envenenadas,
engenhosas, sorrateiras.[4]
(…)

Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
uns sugerem, uns recusam,
uns ouvem, uns aconselham.

Se a derrama for lançada,[5]
há levante, com certeza.
Corre-se por essas ruas?[6]
Corta-se[7] alguma cabeça?
Do cimo de alguma escada,
profere-se[7] alguma arenga?
Que bandeira se[7] desdobra?
Com que figura ou legenda?
(…)

E diz o Poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
“Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam”[8]
LIBERDADE, AINDA
QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.

Editora Letras e Artes, 1965.

[1] SONORIDADE: É um elemento essencial neste poema. O ritmo acompanha a progressão rumo à revolta dos inconfidentes mineiros. As rimas tornam a leitura fluida e auxiliam o seguimento da ação.

[2] APROXIMAÇÃO: As ações sugerem a conspiração que se arma. A vigilância cria suspense e aproxima o leitor dos personagens históricos.

[3] DETALHES: Os detalhes espaciais e cotidianos são enfatizados em uma versão paralela à objetividade do relato.

[4] SONS E IMAGENS: A poesia explora sons e imagens. Trata-se de um recurso frequente na corrente espiritualista da segunda fase modernista.

[5] HISTÓRIA: Elementos históricos, como a derrama, o imposto que provocou a Inconfidência Mineira, estabelecem a ligação entre literatura e história.

[6] POETAS ÁRCADES: A retomada de fatos históricos do século XVIII permite relacionar este poema à produção dos poetas árcades.

[7] PARTÍCULA “SE”: A expectativa sobre as ações (indicadas por verbos acompanhados pelo “se” apassivador) conduz ao clímax da narrativa.

[8] DISCURSO DIRETO: O discurso direto é empregado para conferir maior concretude ao texto, de modo a favorecer a visualização das cenas.

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POEMAS SONOROS

A sonoridade da poesia de Cecília Meireles permite o diálogo com a produção dos poetas simbolistas do fim do século XIX, como Cruz e Sousa (1861-1898). As inovações propostas pelo Simbolismo (como a exploração dos elementos sensoriais e a sondagem de aspectos oníricos e fantásticos) exerceram grande influência sobre as diversas correntes do Modernismo.

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Gotas de luz e perfume[1],
Leves, tênues, delicadas[2],
Acesas no doce lume[3]
De purpúreas alvoradas.
(…)

Nas doudejantes abelhas
Que dentre fores volitam
E do sol entre as centelhas
Resplendem, fulgem, palpitam.[4]
Zumbem, fervem nas colmeias
E rumorejam no enxame
Pelas fóridas aleias
Onde um prado se derrame.[5]
(…)

Com as suas asitas finas,
De etérea de fluida gaze.
Ah! quanto são adoráveis
Os favos que elas fabricam!
Com que graças inefáveis
Se geram, se multiplicam.
(…)

E nas ondas murmurosas
Dos peregrinos adejos
Vão dar ao lábio das rosas
O mel doirado dos beijos.

O Livro Derradeiro, 1961.

[1] SINESTESIA: É a figura de linguagem que aproxima sensações diferentes. Neste verso, a luz (elemento visual) é aproximada do perfume (elemento olfativo).

[2] ADJETIVOS: A necessidade de registrar as impressões do sujeito poético conduz à abundância de adjetivos para designar, com precisão, as percepções individuais.

[3] RIMA: Promove a fluidez do poema e contribui para as sugestões evocadas pelo eu lírico.

[4] ALITERAÇÃO: A figura de linguagem que consiste na repetição intencional de consoantes (/l/) é responsável por intensificar o fluxo do voo das abelhas.

[5] IMAGENS: A intenção do sujeito poético é descrever as impressões causadas pelo movimento rápido das abelhas entre as flores. As imagens percebidas pelo sujeito poético em instantes líricos, carregados de elementos sensoriais e de musicalidade, são o ponto de partida de grande parte da poesia simbolista.

Carlos Drummond de Andrade

O poeta Carlos Drummond de Andrade (1902- 1987) é um dos grandes nomes da literatura brasileira. Os principais temas de sua vasta produção poética envolvem reflexões sobre o fazer literário, o papel desempenhado pelo poeta em sociedade, a infância e a família, as emoções e injustiças humanas, o conflito entre indivíduo e mundo. Lança seu primeiro livro, Alguma Poesia, em 1930. O estilo dos poemas, coloquiais, breves e irônicos, é influenciado pelos primeiros modernistas. No início da década de 1940, Drummond escreve poesias de fundo social, com um olhar crítico sobre o período entre a I e a II Guerras Mundiais, o que dá o tom do livro Sentimento do Mundo, de 1940. A partir dos anos 1950 (com a obra Claro Enigma), volta a registrar o vazio da vida humana e o absurdo do mundo.

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Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso, 
sozinho, em rotação universal, senão 
rodar também, e amar? [1]
amar o que o amar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto, 
o que é entrega ou adoração expectante, 
e[3] amar o inóspito, o áspero, 
um vaso sem for, um chão de ferro, 
e[3] o peito inerte, e a rua vista em sonho, 
e[3] uma ave de rapina.[2]

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

[1] SENTIMENTO E REFLEXÃO: Em Claro Enigma, Drummond resgata a relação entre sentir e pensar proposta no Poema de Sete Faces (veja ao lado). Mas, aqui, o espaço da reflexão é bem maior. O poeta busca compreender o sentimento e reconhecer seus caminhos. Constata que não podemos fugir da condenação imposta pelo amor.

[2] ENUMERAÇÃO: Na busca incessante por amor, o homem se sujeita a amar em condições adversas: o inóspito, o áspero, um vaso sem flor etc. A enumeração contribui para reforçar a busca fatigante por um amor incapaz de retribuição.

[3] PONTUAÇÃO: As enumerações são intercaladas por vírgulas com o acréscimo da conjunção coordenada aditiva “e”. Após a vírgula, a leitura recebe uma segunda pausa, o que sugere um obstáculo a mais para transpor nessa busca.

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Tão delicados (mais que um arbusto) e correm
e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes
não sei que atributo essencial[1], posto se apresentem nobres
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,
até sinistros. Coitados, dir-se-ia que não escutam
nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço. E fcam tristes
e no rasto da tristeza chegam à crueldade.[2]
(…)

Claro Enigma, Companhia das Letras, 2012

[1] IRONIA E EXPRESSÃO POPULAR: O poema propõe observar os homens a partir do olhar contemplativo do boi. A expressão popular “olhar bovino” sugere “olhar burro, estúpido”. No entanto, são os homens vistos sob o olhar do boi que parecem estúpidos, com sua imensa incapacidade de observar e compreender o essencial.

[2] PROSOPOPEIA: Também chamada de personificação, esta figura de linguagem é usada para conferir ao boi, animal irracional, capacidade de reflexão. Percebe-se, no olhar do boi, uma piedade em relação à angústia humana de ser e de estar no mundo.

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Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.[1]

As casas espiam os homens[2]
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:[3]
pernas brancas pretas amarelas[4].
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada[5].

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.[6]

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Alguma Poesia, Record, 2001

[1] CONTRADIÇÕES: Num diálogo invertido com o texto bíblico da Anunciação, o anjo profetiza ao enunciador uma vida conflituosa. A imagem do artista desajustado reflete as contradições entre o sujeito poético e a sociedade.

[2] PROSOPOPEIA: Esta figura de linguagem, também chamada de personificação, é usada para conferir às casas (objetos inanimados) a capacidade de ver (característica humana).

[3] METONÍMIA: Outra figura de linguagem é utilizada para reforçar o caráter de sensualidade do poema: as pernas (que representam as pessoas) chamam a atenção do eu lírico.

[4] PONTUAÇÃO: A ausência de pontuação serve para intensificar o fluxo dos elementos enumerados.

[5] PERSONIFICAÇÃO: A observação de detalhes do cotidiano dá origem a novas personificações (prosopopeia): o coração do eu lírico faz perguntas (a imagem do coração também é representativa da totalidade da pessoa), ao contrário dos olhos.

[6] GRANDEZA DO MUNDO: O conflito entre a pequenez do indivíduo e a grandeza do poder divino reforça a oposição entre sujeito e mundo, recorrente nos poemas de Drummond que tratam do papel do poeta na sociedade.

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Quando eu nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

Inda garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim

Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço
um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim
(…)

Não tem cigarro acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim ?
Eu já nem lembro pronde mesmo que vou
Mas vou até o fim

Como já disse era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu estava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim


Nesta canção, Chico Buarque retoma a imagem do sujeito gauche – desajustado e deslocado socialmente –, proposta por Drummond no Poema de Sete Faces. O sujeito poético é um indivíduo problemático e nada exemplar, cuja vida foi marcada sucessivamente por fracassos e decepções. Uma vez mais, o conflito entre personagem e o mundo serve de tema para a construção de obras de arte, nas quais aparecem concretizadas situações de derrota e persistência.


João Cabral de Melo Neto

Em razão de seu estilo meticuloso, João Cabral de Melo Neto (1920–1999) recebeu a denominação de “engenheiro das palavras”. Sua expressão poética norteou-se pelo raciocínio rigoroso, bus- cando o universo dos objetos, paisagens e fatos sociais, numa constatação objetiva da realidade, em vez do sentimentalismo do “eu”, o que levou a crítica a considerar sua poesia “antilírica”. Entre as principais obras estão Pedra do Sono, A Educação pela Pedra e a peça teatral Morte e Vida Severina (1955).

Concretismo

O Concretismo surge em São Paulo, em 1956, com a Exposição de Arte Concreta. Consiste em um movimento que explora o grafsmo e as formas visuais da escrita, constituindo uma ruptura radical com o lirismo. O experimen- talismo e a eliminação dos traços sintáticos buscavam expandir os sentidos da poesia, in- corporando o signo visual como elemento de signifcação, multiplicando as possibilidades de sentidos. Destacam-se Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos.

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Um galo sozinho não tece a manhã:
ele precisará sempre de outros galos.[1]
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro: de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos[2][3]
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos[4],
se erguendo tenda, onde entrem todos[4],
se entretendendo para todos[4], no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

A Educação pela Pedra, Alfaguara, 2008.

[1] METALINGUAGEM: O verso dialoga com o ditado popular “uma andorinha sozinha não faz verão”. A poesia é comparada a uma teia (ou tecido), que vai sendo costurada pelos fios poéticos (galos), como um verdadeiro tricô e crochê.

[2] ENGENHARIA GRAMATICAL E RUPTURA: Os dois primeiros versos apresentam estrutura sintática tradicional: sujeito, verbo e complemento; já os cinco seguintes quebram essa convenção, e as orações são interrompidas e retomadas nos versos seguintes, inclusive com alguns termos apenas subentendidos.

[3] PRONOME RELATIVO “QUE”: Cada termo omitido aparece na oração seguinte, diretamente ou retomado pelo pronome relativo que, introdutor das orações subordinadas adjetivas, que garantem a coesão do texto.

[4] NEOLOGISMO: Os termos destacados demonstram o processo pelo qual a manhã nasce: entre (preposição), entrem (verbo) e o neologismo entretendendo (soma de ambos), associados a todos, simbolizam o entrelaçamento dos fios, formando o tecido (manhã).

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BEBA COCA COLA[1]
BEBA             COLA
BEBA COCA
BABE COLA CACO
CACO
COLA
CLOACA[2]

[1] DESMONTAGEM: O poema explora a palavra, de forma fria e crítica, longe do lirismo tradicional – assim  como faz João Cabral  em Tecendo a Manhã.  O autor parte do famoso slogan Beba Coca-Cola, o qual é desmontado e remontado várias vezes, para que nele seja encontrado o significado que o poeta vê por trás da propaganda do refrigerante

[2] LEITURA: Pode se dar em diferentes sentidos, como cola (vício), caco (sem qualidade), babe (alienação do consumidor). Assim, o produto não deveria, pela leitura do poeta, ser ingerido pela boca, mas lançado à cloaca (fossa, esgoto).

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1.
Catar feijão se limita 
     com escrever:
joga-se os grãos na 
     água do alguidar 
e as palavras na folha 
      de papel; 
e depois, joga-se fora 
     o que boiar.[1]
Certo, toda palavra
boiará no papel,
água congelada, por
chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão,
soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, 
     palha e eco.[2]

2.
Ora, nesse catar feijão
entra um risco:
o de que entre os grãos
pesados entre
um grão qualquer, pedra
ou indigesto,
um grão imastigável, de
quebrar dente.
Certo não, quando ao
catar palavras:
a pedra dá à frase seu
grão mais vivo:
obstrui a leitura fuviante,
futual,
açula a atenção, isca-a
como o risco

Poesias Completas,  José Olympio, 1986.


TEXTO INSTRUCIONAL A preferência por uma organização sintática extremamente didática, em forma de explicativas (uso constante de “:”), convida ao processo da elaboração poética, como se o poeta fosse realmente um professor conduzindo seus alunos à investigação do objeto, no caso, a própria poesia, o que torna o texto, também, instrucional.


[0] INTERTEXTUALIDADE: O poema dialoga com Procura da Poesia (ao lado), evidenciando uma preocupação com a seleção rigorosa das palavras para o ato de escrever.

[1] METALINGUAGEM: O poeta compara metaforicamente o ato de escrever ao de catar (escolher) os feijões (palavras) antes de prepará-los, para que o cozido (poesia) não contenha impurezas,  que alterariam seu sabor.

[2] METÁFORA: As palavras leves são secas como a palha: devem ser sopradas; as que boiarem sobre a água (folha de papel) são ocas e sem expressividade, devem ser lançadas fora; as que afundarem são pesadas, têm significação profunda, portanto, darão vida à poesia, sem artificialismos. Essa metáfora expressa bem a “dureza” poética de João Cabral, afastada do sentimentalismo.

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O FAZER POÉTICO

O poema de Drummond trata dos procedimentos ligados ao fazer poético. Assim como João Cabral, o autor orienta seus leitores (alunos) a não se preocuparem com fatores externos ao escrever, como se o poema fosse um “manual prático de poesia”. Nos dois poemas, a preocupação com a importância da linguagem para a construção da poesia é a mesma; as palavras, assim como o próprio verso, têm seu objetivo próprio, não precisam de elementos externos nem do estado emocional do poeta.

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(…)
Penetra[1] surdamente no reino
das palavras.
Lá estão os poemas que esperam
ser escritos.
Estão paralisados, mas não
há desespero,
há calma e frescura na superfície
intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado
de dicionário.
Convive com teus poemas, antes 
de escrevê-los. 
Tem paciência se obscuros. Calma, 
se te provocam. 
Espera que cada um se realize e consume 
com seu poder de palavra 
e seu poder de silêncio[2]
(…)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face
neutra[3]
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
(…)

A Rosa do Povo, Record, 2001.

[1] FUNÇÃO APELATIVA: Verbos no imperativo lembram os preceitos e recomendações dos antigos tratados de poética e reforçam o caráter de texto instrucional.

[2] PROSOPOPEIA: A personificação dos poemas confere a eles status de seres vivos, ideia reforçada pela retomada por meio de pronomes relativos,  o que conota que nem todos os poemas estão prontos para ser escritos; a poesia seria um ser, com vontade própria.

[3] POLISSEMIA: O sujeito poético faz referência à polissemia das palavras e à multiplicidade de significações conforme o contexto de emprego.

 

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