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Literatura: Quinhentismo

O admirável mundo novo

Relatos de viajantes e autos de catequização compõem a literatura do Quinhentismo (1500-1601)

As manifestações literárias sobre o Brasil têm início em 1500, com a carta redigida por Pero Vaz de Caminha ao rei português dom Manuel I, logo após os primeiros contatos dos portugueses com os índios da Bahia e com a natureza exuberante do território desconhecido. A literatura em língua portuguesa dos viajantes compreende a produção informativa dos cronistas, que descreviam as riquezas naturais e os habitantes do Novo Mundo, e os textos dos missionários jesuítas, voltados para a conversão e a catequese dos povos indígenas.

Relatos de viajantes

O documento considerado “certidão de nascimento do país”, a carta de Pero Vaz de Caminha (1500), conserva o primeiro testemunho sobre o encontro entre índios e portugueses. O relato procura ser objetivo, mas os comentários sobre os costumes indígenas e a apreciação das riquezas naturais revelam a admiração e as emoções do autor da carta.

O escrivão português deixa transparecer, além disso, uma visão de mundo cristã, crente na existência do paraíso terrestre e na necessidade de conversão dos povos nativos. Dessa forma, sob a aparência de imparcialidade, Caminha insere seu ponto de vista sobre os fatos observados.

Textos de evangelização

José de Anchieta destacou-se na literatura quinhentista por suas poesias e autos evangelizadores cujo foco era impor a moral religiosa católica aos costumes dos indígenas.

O padre também elaborou poemas que apenas revelavam sua necessidade de expressão, como um poeta pagão.

Os poemas mais conhecidos de José de Anchieta são Do Santíssimo Sacramento e A Santa Inês.

 

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Senhor:
Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza[1] (…)

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador.[2]
(…)

Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.[3]
(…)

E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza do que nesta vossa terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha, de Vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo.[4]
(…)
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

[1] CORRESPONDÊNCIA: As figuras do enunciador (autor) e do enunciatário (a quem se dirige a carta) ficam explícitas no gênero correspondência. A intenção da mensagem é revelada no início: informar sobre as terras descobertas. Note a estrutura convencional, com vocativo indicando o destinatário (“Senhor”), o corpo do texto (com as notícias sobre o Brasil), a despedida e a assinatura do autor.

[2] DESCRIÇÃO: O autor faz uma descrição física dos nativos, destacando as diferenças entre eles e os portugueses. A descrição não é pejorativa, como se vê no emprego dos adjetivos “bons”, usado para caracterizar os substantivos “rostos” e “narizes”, e “bem-feitos”.

[3] SALVAÇÃO: Em seguida, Caminha descreve fisicamente a paisagem brasileira. No entanto, o destaque da carta recai sobre os habitantes nativos: o autor mostra-se preocupado com a salvação das almas indígenas por meio da conversão ao cristianismo.

[4] TEXTO INFORMATIVO: Após a recomendação sobre o destino dos índios, Caminha conclui a carta explicitando a intenção informativa do texto: a extensão do relato está ligada à necessidade de prestar contas detalhadas e minuciosas ao rei.

 

 

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Cordeirinha linda,
Como folga o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo![3]

Cordeirinha santa,
De Jesus querida,
Vossa santa vida
O Diabo espanta.[1]

Por isso vos canta
Com prazer o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.[3]

Nossa culpa escura
Fugirá depressa,
Pois vossa cabeça
Vem com luz tão pura.[2]

Vossa formosura
Honra é do povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.[3]

Virginal cabeça,
Pela fé cortada,
Com vossa chegada
Já ninguém pereça;

Vinde mui depressa
Ajudar o povo,
Pois com vossa vinda
Lhe dais lume novo.[3]

Vós sois cordeirinha
De Jesus Formoso;
Mas o vosso Esposo
já vos fez Rainha.

Também padeirinha
Sois do vosso Povo,
pois com vossa vinda,
Lhe dais trigo novo.[3]


VOCABULÁRIO
folga: se alegra
lume: luz


[0] CATEQUESE: Os poemas didáticos de Anchieta, como A Santa Inês, têm finalidade catequética e são inspirados nas trovas e redondilhas melodiosas medievais. Eles se assemelham a parábolas bíblicas escritas em versos.

[1] DIFUSÃO DA FÉ: O texto trata, com simplicidade, do confronto entre o bem e o mal: a chegada de Santa Inês espanta o diabo e, graças a ela, o povo revigora sua fé. O poema funciona como instrumento evangelizador.

[2] CULPA E PERDÃO: A noção de culpa e de perdão imposta ao índio revela a intervenção portuguesa, uma vez que a ideia de pecado e de necessidade de purificação não fazia parte dos valores indígenas. O tema dessa intervenção será retomado pelos modernistas de forma crítica e paródica como no poema Erro de Português, de Oswald de Andrade.

[3] PARALELISMO E MUSICALIDADE: A repetição do verso “Lhe dá lume novo” e a retomada em “Lhe dais trigo novo” reforça o processo catequético e confere musicalidade ao texto. A linguagem clara contribui para que as ideias sejam facilmente assimiladas. A musicalidade e a linguagem simples envolvem o interlocutor e o sensibiliza para a mensagem religiosa.

DIÁLOGO ENTRE OBRAS

O MODERNISMO E A REFLEXÃO SOBRE O BRASIL
Os autores modernistas lançaram um olhar aguçado sobre a realidade nacional. O poema Erro de Português tem um título ambíguo que, em vez de designar um desvio à norma culta da língua, se refere aos problemas da colonização. Oswald de Andrade questiona a intervenção europeia na cultura indígena. Além de aspectos formais inovadores – o verso livre (não metrifcado), a ausência de pontuação e o defeito de humor –, o autor estabelece uma contraposição
entre o português, que veste o índio com seus valores repressivos, e o índio, que poderia ter despido o português desses mesmos valores.

 

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Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português

 

METÁFORA:

“Chuva” e “sol” são elementos metafóricos. Os tempos difíceis iniciados a partir do contato entre índios e europeus são comparados ao ambiente cinzento de um dia de chuva. Se os indígenas estivessem em vantagem em relação ao poderio português, a situação poderia ser diferente e, tal como uma manhã de sol, eles teriam subjugado os invasores.

 

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O filme Caramuru – A Invenção do Brasil (2001), de Guel Arraes, conta a história do pintor português Diogo Álvares, que, após um naufrágio, chega ao Brasil. A exuberância da paisagem e os adornos dos nativos que ele encontra correspondem à descrição feita pelo escrivão Pero Vaz de Caminha em sua carta. Diogo apaixona-se pela índia Paraguaçu, com quem vive um triângulo amoroso formado por sua irmã, a índia Moema. O filme, que tem no elenco Selton Mello, Camila Pitanga e Deborah Secco, é baseado no poema épico Caramuru, do árcade Santa Rita Durão.

Literatura: Quinhentismo
Estudo
Literatura: Quinhentismo
O admirável mundo novo Relatos de viajantes e autos de catequização compõem a literatura do Quinhentismo (1500-1601) As manifestações literárias sobre o Brasil têm início em 1500, com a carta redigida por Pero Vaz de Caminha ao rei português dom Manuel I, logo após os primeiros contatos dos portugueses com os índios da Bahia e com a natureza exuberante do território desconhecido. A […]

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