Violência: O Brasil é líder de homicídios no mundo
A violência no país vitima mais os homens jovens e negros, e se agrava nas regiões menos desenvolvidas do país
O Brasil é o país que mais comete homicídios em todo o mundo. A liderança desse trágico ranking é sustentada por indicadores assustadores: em 2015 o país registrou 59.080 assassinatos, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade do governo federal. Ou seja, a cada dia mais de 160 pessoas são vítimas de homicídios dolosos (com intenção de matar), de latrocínios (roubos seguidos de morte) e de lesões que acabam em morte.
Para termos uma noção mais precisa da gravidade desses dados, em 2015 foram assassinadas no Brasil 15 vezes mais pessoas do que o total de mortes em 559 atentados terroristas ocorridos no mesmo ano: 3.830 pessoas, segundo a organização Peacetech Lab. Se considerados os dados de 2011 a 2015, foram assassinadas no país mais de 270 mil pessoas, total equivalente ao de mortes na Guerra na Síria no mesmo período.
Além do número absoluto de assassinatos, a violência homicida é calculada em termos relativos, levando-se em consideração a população de cada país – geralmente esse indicador é expresso em mortes por 100 mil habitantes. Nesse quesito, segundo a Organização das Nações Unidas, que utiliza metodologia própria, a taxa no Brasil foi de 30,5 mortes por 100 mil habitantes, o que coloca o país entre os dez mais violentos do mundo. Esse ranking de homicídios em termos relativos é liderado por Honduras, seguido de El Salvador e Venezuela.
Ainda assim, o índice apresentado pelo Brasil é quase três vezes maior do que a taxa considerada epidêmica pelo Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (Pnud), de 10 mortes por 100 mil habitantes.
JOVENS E NEGROS
Para entender a escalada da violência no país é preciso conhecer qual é o perfil das vítimas de homicídios. De modo geral, são homens, jovens, negros e com baixa escolaridade. Mas o que mais chama a atenção é o índice de homicídio entre jovens e negros, que tem aumentado ainda mais nos últimos anos.
De cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras (soma de pretos e pardos). Segundo pesquisadores citados pelo Atlas da Violência, uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), os cidadãos negros têm 23,5% mais chances de serem assassinados do que os das outras raças.
Esse fato é explicado pela discriminação histórica sofrida pelos negros no país. O negro tem menos oportunidades de estudo e de conseguir um trabalho de qualidade. Por ser mal remunerado, é obrigado a viver em bairros mais periféricos, nos quais é vítima de violência. O agravante dessa situação é que a taxa de homicídios de negros não para de crescer. Entre 2005 e 2015, essa taxa cresceu 18,2%, enquanto a dos não negros caiu 12,2%.
Os dados também revelam que é elevado o índice de mortalidade entre os jovens. Mais da metade dos homicídios registrados no Brasil tem como vítimas jovens entre 15 e 29 anos. O pico de homicídios para os homens ocorre aos 21 anos. Se juntarmos a essa análise etária a mortalidade de negros temos um dado revelador da violência no país: nessa idade, pretos e pardos possuem 147% mais chances de serem assassinados em relação a indivíduos brancos, amarelos e indígenas.
O nível de escolaridade também aparece como um dado significativo nas taxas de homicídio. As chances de uma pessoa com até sete anos de estudo apenas sofrer homicídio são 15,9 vezes maiores do que as de quem tem o Ensino Superior completo.
Chama a atenção na violência social do país também o elevado número de estupros, um dos maiores do mundo. Foram 47 mil em 2014, e em 2015, 45.460, além de 4.621 mulheres assassinadas. Há ainda números alarmantes de outras categorias de crimes, como roubos, assaltos, porte ilegal de armas e drogas apreendidas.
INTERIORIZAÇÃO
Outra tendência importante para compreender a violência no Brasil é a mudança na distribuição geográfica dos homicídios. Desde os anos 2000, a violência vem migrando das grandes regiões metropolitanas para capitais menores, e destas para cidades do interior. Os homicídios diminuíram em alguns estados onde o índice era elevado, como Rio de Janeiro e São Paulo. Em compensação, a violência cresce nas demais regiões, principalmente no Norte e no Nordeste.
Entre 2005 e 2015, os oito estados que apresentaram mais de 100% de aumento na taxa de homicídio são dessas regiões – Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins. Nota-se também que a violência passou a ser mais concentrada em alguns dos municípios brasileiros. Apenas 111 municípios, o correspondente a 2% do total, respondem por mais da metade dos homicídios no país.
CAUSAS DA VIOLÊNCIA
A grande disponibilidade de armas no país é uma das principais causas de letalidade. A maioria das mortes, 70% delas, ocorre por armas de fogo. Segundo pesquisa citada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em seu relatório de 2016, cada 1% a mais de armas gera 2% a mais de vítimas.
Para fazer frente a essa situação, o governo procurou diminuir o arsenal disponível com a campanha do Estatuto do Desarmamento, que gerou o recolhimento de 450 mil armas entre 2004 e 2005. Ao entregar sua arma, o cidadão recebeu uma recompensa em dinheiro. Apenas em 2015, outras 110 mil armas foram apreendidas. Ainda assim, a quantidade de armas disponíveis no Brasil continua crescendo, principalmente em virtude da relação direta entre o tráfico de armas e o de drogas em nossa sociedade. Além desse fator, é impossível entender a violência no Brasil sem contextualizar a situação da segurança pública com a desigualdade social. O estudo Segurança Cidadã com Rosto Humano: Diagnóstico e Propostas para a América Latina, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), procurou entender as causas da violência na América Latina. Suas conclusões se aplicam também ao Brasil, o maior e mais populoso país da região.
A intenção dos pesquisadores era entender por que, nas últimas décadas, a região viveu um período de crescimento econômico que não conseguiu reduzir a espiral de crescimento da violência. De acordo com o estudo, a América Latina continua sendo a região mais desigual e insegura do mundo. Os dez países com as maiores taxas de homicídios no mundo em 2015 são latino-americanos, segundo projeções da ONU. As taxas são excepcionalmente altas em países da América Central, resultado atribuído ao crime organizado.
O estudo elenca fatores sociais relacionados ao aumento de criminalidade que são comuns entre os países da América Latina. Veja alguns dos principais aspectos que explicam essa violência persistente:
• Urbanização: Os países latino-americanos que tiveram crescimento da população urbana a taxas superiores a 2% ao ano por longos períodos apresentaram significativo aumento da violência, à exceção de Colômbia e Paraguai.
• Inchaço das periferias: O crescimento urbano rápido e desordenado,acelerado pela migração do campo para as cidades, criou periferias pobres, desestruturadas e sem os serviços públicos adequados, como escolas e centros de lazer. Essa situação potencializa a criminalidade e as condições para a formação de quadrilhas que controlam o tráfico de drogas e de armas.
• Juventude em risco social: Situações como deixar a casa antes dos 15 anos de idade, não ir à escola ou ter um lar desestruturado sem pai ou mãe afeta diretamente na iniciação do jovem ao crime. A tese é corroborada pelo Ministério Público de São Paulo: segundo a entidade, dois em cada três jovens infratores da Fundação Casa vieram de lares sem o pai, e grande parcela deles não têm qualquer contato com o pai.
• Desigualdade social: As altas aspirações de consumo de bens e serviços (de tênis de grife a eletrônicos, por exemplo) somam-se à frustração com base na relativa falta de mobilidade social (avanço em qualidade de vida econômica e social), gerando assaltos, roubos e furtos.
A letalidade da polícia brasileira é fruto de um padrão de conduta pautado pela lógica do enfrentamento
VIOLÊNCIA POLICIAL
Outra semelhança em segurança pública entre o Brasil e alguns países latino-americanos é a adoção de um policiamento fortemente repressor. A letalidade da polícia brasileira é alvo constante de críticas de entidades de defesa dos direitos humanos. Segundo o 10o Anuário de Segurança Pública, em 2015, 3.320 pessoas foram mortas em ações das polícias Civil e Militar em todo o país. Outras 455 foram mortas por policiais armados fora de serviço.
De modo geral, os assassinatos de civis por policiais aparecem nos boletins de ocorrência como “auto de resistência” ou “homicídio decorrente de intervenção policial”, o que, em tese, caracterizaria mortes lícitas no entender da Justiça, decorrentes de confrontos. Ou seja, parte-se do pressuposto que o policial agiu em legítima defesa. Mas isso nem sempre condiz com a realidade, já que a coleta dos dados é feita sem o rigor e a transparência necessários. Em muitos casos, essas situações acabam camuflando mortes de civis inocentes.
De acordo com o Atlas da Violência, essa alta letalidade está relacionada com o padrão operacional da polícia, que é pautada pela “lógica do enfrentamento e da garantia da ordem acima de direitos”. Especialistas apontam que a separação das funções das polícias Civil e Militar, adotada durante a ditadura militar (1964-1985) e mantida pela Constituição de 1988, é uma das causas da violência policial. A Polícia Militar ficou responsável pela preservação da ordem pública e passou a fazer todo o policiamento das ruas, enquanto o trabalho da Polícia Civil ficou restrito à investigação e apuração de crimes, exceto os crimes militares.Além disso, como resquício da ditadura, foi mantida pela Polícia Militar uma postura repressora e abusiva de ataque ao “inimigo”, reproduzida até hoje na sua atuação e na formação e treinamento dos jovens policiais.
Além disso, os policiais estão inseridos em um sistema de segurança que não valoriza o trabalho do agente e não garante as condições básicas para o trabalho. Os baixos salários, a falta de treinamento e equipamentos adequados, serviços de inteligência precários e o despreparo psicológico da polícia para lidar com situações de extrema tensão acabam potencializando os erros e as consequentes mortes nas ações policiais.
Como consequência, além de matar muito, a polícia também acaba sendo vítima dessa política de segurança ineficaz. Em 2014, 398 policiais foram mortos e, em 2015, outros 358 – média de quase um por dia. Todo esse cenário revela como vivemos em uma sociedade na qual aceita-se com naturalidade a cultura de matar e morrer entre policiais e criminosos. Não à toa, o Brasil passou a liderar o nada edificante ranking da violência mundial.
RESUMO – VIOLÊNCIA:
VIOLÊNCIA SOCIAL: O Brasil registra o maior número de homicídios no mundo, com 59.080 pessoas assassinadas em 2015, e a nona posição pela taxa de mortes por grupos de 100 mil pessoas. Esse fenômeno é marcante na América Latina, a região mais desigual e violenta do mundo.
REGIÕES: A partir dos anos 2000, o número de homicídios diminuiu nas capitais e em regiões metropolitanas brasileiras, mas cresceu em cidades médias e pequenas. Esse tipo de crime aumentou em todas as regiões do país, exceto no Sudeste. Nos últimos dez anos, as maiores taxas de crescimento estão nos estados do Norte e do Nordeste.
JOVENS NEGROS: Sete em cada dez mortos no Brasil são negros (pretos ou pardos). O maior número de mortos está na faixa jovem, de 15 a 29 anos, principalmente negros do sexo masculino. Segundo o Atlas da Violência 2017, os cidadãos negros têm 23,5% mais chances de serem assassinados do que os das outras raças. Entre 2005 e 2015, a taxa de homicídios de negros cresceu 18,2%, enquanto a dos não negros caiu 12,2%.
CAUSAS DA VIOLÊNCIA: Segundo a Organização das Nações Unidas, podem motivar a violência epidêmica no país o crescimento acelerado da população, a urbanização desordenada, que provoca o inchaço das periferias e a favelização, a desigualdade social, as falhas na educação familiar e pública dos jovens, a facilidade de acesso às armas.
VIOLÊNCIA POLICIAL: A atuação agressiva e letal das polícias brasileiras chama a atenção de entidades de defesa dos direitos humanos. Em 2015, 3.320 pessoas morreram assassinadas em ações das polícias Civil e Militar em todo o país. O índice evidencia o uso abusivo da força letal como resposta pública ao crime e à violência. O sistema de segurança no Brasil, pautado pela lógica do enfrentamento, é um resquício da ditadura militar (1964-1985), quando as polícias militares foram dotadas de uma postura repressora e abusiva.