50 anos do golpe de Estado no Chile
Em 11 de setembro de 1973, o comandante do Exército, general Augusto Pinochet, derrubou o governo civil de Salvador Allende e iniciou uma das mais sangrentas ditaduras na América Latina
O Palácio de La Moneda, sede do governo chileno, foi cercado por tropas militares em 11 de setembro de 1973, e o presidente Salvador Allende recebeu um ultimato: deveria renunciar e deixar o local até as 11 horas da manhã. Mas o presidente resistiu e falou à nação, pelo rádio: “Pagarei com a minha vida a lealdade do povo”. Meia hora depois, o palácio foi atacado a tiros e bombardeado por tanques e aviões. Allende morreu; oficialmente, cometeu suicídio. Começava, assim, a ditadura militar chilena, uma das mais sangrentas do continente, que durou 17 anos centrada na figura do general Augusto Pinochet.
Via chilena ao socialismo
Allende, senador e um dos fundadores do Partido Socialista do Chile, foi eleito presidente em 1970, com 36,2% dos votos, pela coligação Unidade Popular, que reunia comunistas, socialistas e cristãos de esquerda. Ao assumir o governo, no ano seguinte, iniciou a aplicação do programa pelo qual foi eleito, chamado de “Via Chilena ao Socialismo”: desapropriou mais de mil imóveis, intensificou a reforma agrária e assumiu o controle financeiro do país, tornando o governo acionista majoritário de quase metade dos bancos. Além disso, Allende nacionalizou mineradoras norte-americanas (a produção de cobre é central na economia chilena) e passou a ser alvo de uma campanha de desestabilização promovida pelos Estados Unidos (EUA). No início do mandato, os indicadores econômicos foram positivos. Ao longo do governo de Allende, a oposição, reunida no conservador Partido Nacional, conseguiu o apoio da Democracia Cristã, partido de centro, considerado o “fiel da balança”. Sem maioria no Congresso, o governo ficou imerso em batalhas com a oposição. Entre 1972 e 1973, a economia chilena praticamente estagnou. Passaram a ocorrer greves. A oposição organizou manifestações públicas, que se tornaram cada vez mais violentas, num processo dirigido para desestabilizar Allende. O quadro sul-americano não poderia ser mais desfavorável a um mandatário socialista. Brasil, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador e Uruguai estavam submetidos a ditaduras militares, apoiadas pelos EUA. A crise política e a deterioração da economia facilitaram o golpe, liderado pelo recém-nomeado comandante em chefe do Exército, general Augusto Pinochet. Uma junta militar, com Pinochet na Presidência, assumiu o poder, suspendeu a Constituição, fechou o Congresso, dissolveu os partidos, impôs a censura à imprensa, proibiu e reprimiu manifestações.
Economia neoliberal
Logo após o golpe, milhares de líderes políticos, sindicalistas, jovens militantes da Unidade Popular e de organizações sociais foram aprisionados. A maioria era levada ao Estádio Nacional de Santiago, que chegou a receber até 40 mil presos. Criada pelos militares, a Direção de Inteligência Nacional (Dina), uma polícia secreta, atuou em todo o país, sequestrando, torturando e assassinando opositores. A Dina participou da Operação Condor, uma rede colaborativa das polícias secretas das ditaduras vizinhas, incluindo a do Brasil, que prendiam ou matavam os opositores civis de um país que se refugiassem em outro.
Durante os 16 anos em que comandou o país, a ditadura militar chilena aplicou uma política econômica neoliberal, baseada principalmente numa grande abertura do país às importações – sobretudo de produtos manufaturados –, na transformação da Previdência pública em um sistema de capitalização (semelhante às aposentadorias privadas, em que cada pessoa poupa durante a vida o que receberá na velhice) e na privatização quase total das empresas estatais – eram cerca de 300 no momento do golpe, e restaram aproximadamente 20. Neste período, o Chile passou por taxas altas e baixas de inflação, bem como enfrentou recessão e teve anos de crescimento acelerado.
No final do período, o descontentamento popular cresceu e o regime militar entrou em crise política. Em 1988, Pinochet perde em um plebiscito sobre a sua continuidade na Presidência e, no ano seguinte, os chilenos elegem um presidente civil. Em 1990, Patricio Aylwin, da Democracia Cristão, assume a Presidência, encerrando a ditadura militar.
Crimes da ditadura
Logo após o final da ditadura, o Chile instalou uma Comissão da Verdade para apurar crimes da ditadura, que apontou mais de 2 mil mortos pelo regime. Pela gravidade do ocorrido, no entanto, foram formadas novas comissões, que prosseguiram apurando. O relatório da última comissão, divulgado em 2011, totalizou mais de 40 mil vítimas da ditadura, mortas, torturadas e desaparecidas; afirmou ainda que o número real pode ser superior a 100 mil, mas não há evidências materiais para comprovar.
Diferentemente do Brasil, a Justiça chilena considerou que os crimes da ditadura contra direitos humanos não prescrevem e são passíveis de julgamento décadas depois. Centenas de processos foram abertos contra militares acusados de torturas e assassinatos. Mesmo processado, Pinochet morreu em 2006, aos 91 anos, sem ser condenado. Dezenas de militares, porém, foram condenados e presos.
No final de agosto de 2023, poucos dias antes do cinquentenário do golpe, 7 militares reformados foram condenados a 25 anos de prisão pelo assassinato do cantor Victor Jara, em 16 de setembro de 1973, cinco dias após o golpe, após sofrer terríveis torturas. Jara era um dos maiores músicos da história chilena, nome consagrado do país e no exterior no momento de seu assassinato. Um dos condenados por sua morte, o general reformado Hernán Chacon, 85 anos, suicidou-se em 29 de agosto de 2023, pouco antes de ser conduzido à prisão.