Literatura do Modernismo – Poesia: A crise chega ao divã
Insegurança gerada pela retração econômica e o medo do desemprego fazem crescer o uso de antidepressivos e a procura por atendimento psicológico
A conjugação entre recessão econômica e o conturbado cenário político lançou o Brasil em uma das mais graves crises de sua história. Segundo analistas, o Produto Inter- no Bruto (PIB), indicador que mede as riquezas geradas no país, deverá cair algo em torno de 3,8% ao fim deste ano, repetindo a taxa de 2015. O desaquecimento da economia faz com que lojas sejam fechadas, fábricas dispensem funcionários e o desemprego aumente. Quem ainda mantém um posto de trabalho convive com a pressão por bons resultados e o fantasma da demissão.
Além de atingir em cheio o bolso da população, esse cenário asfixiante e de perspectivas nada promissoras também está mexendo com a cabeça e o equilíbrio emocional de muita gente. Vem crescendo o número de pessoas que buscam ajuda em consultórios psiquiátricos e clínicas psicológicas para tratar sintomas como angústia, ansiedade e depressão. A maioria reclama de dificuldade para dormir, irritabilidade, apatia, cansaço e falta de concentração, e aponta o medo de perder o emprego e de não ter dinheiro para pagar as contas como a causa das preocupações.
O quadro de incertezas também está provocando forte aumento no uso de medicamentos tarja preta, como antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos, que são vendidos exclusivamente com apresentação de receita médica.
Levantamento feito pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo mostrou que o número de usuários que recorrem às farmácias da prefeitura paulistana atrás de remédios tarja preta passou de 592 mil em 2010 para 874 mil pacientes em 2014 – um aumento de 47%. Os antidepressivos, de acordo com o estudo, foram as drogas mais receitadas no período.
A temática da angústia e das incertezas quanto ao rumo a ser seguido diante de crises políticas e sociais faz remissão à obra Claro Enigma (1951), de Carlos Drummond de Andrade, poeta que passou pelo movimento modernista em quase toda sua extensão. No contexto do final da Segunda Guerra Mundial, a obra de Drummond mostra o poeta perplexo, inconformado e sem esperança, apenas com a certeza de que um grande vazio espera o homem. O poema Cantiga de Enganar mostra isso:
O mundo não vale o mundo, / meu bem. / Eu plantei um pé- -de-sono, / brotaram vinte roseiras. / Se me cortei nelas todas / e se todas se tingiram / de um vago sangue jorrado / ao capricho dos espinhos, / não foi culpa de ninguém.