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Aquecimento global se agrava e cria situação de urgência

Temperaturas altas batem recorde, enquanto cresce a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera

por Martha San Juan França

O que antes era um anúncio do que poderia acontecer no futuro tornou-se uma realidade presente que precisa ser encarada com urgência. O impacto das ações humanas sobre o ambiente (englobando o clima, a biodiversidade, os oceanos e os ecossistemas) está causando mudanças no planeta, de várias formas e tão profundamente, que uma parte da comunidade científica considera que estamos vivendo em um novo período ou era geológica, o Antropoceno (palavra de origem grega que designa “a época recente do ser humano”) (veja reportagem no site do Guia do Estudante).

Impacto climático

Tome-se como exemplo o clima. Há algumas décadas, os cientistas alertavam que uma série de atividades humanas relacionadas à geração de energia – como a queima de combustíveis fósseis, o descarte de resíduos, o uso intensivo do solo e o desmatamento – estavam interferindo na dinâmica climática, ao aumentar na atmosfera o volume de gases com a propriedade de absorver a radiação infravermelha (calor), com destaque para o dióxido de carbono (CO2), mas também o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O) e outros. A princípio, esse alerta provocou reações de céticos, políticos e economistas. Hoje, poucos duvidam que esse processo esteja ocorrendo: além de causas naturais (como variações na radiação emitida pelo Sol e nos movimentos cíclicos da Terra), a ação humana está interferindo de modo significativo nas mudanças climáticas.

Em junho de 2023, a Organização Meteorológica Mundial, vinculada à ONU (Organização das Nações Unidas), alertava que o mundo devia estar preparado para eventos climáticos extremos, como ondas de calor mais intensas, causadoras de incêndios, gerando impactos na vida e na saúde das pessoas, na agricultura, na produção de alimentos e no equilíbrio dos ecossistemas. Naquele mês, as sucessivas quebras de recordes de temperatura registradas no hemisfério norte não poderiam ter ocorrido sem as mudanças climáticas resultantes do aquecimento global induzido pela ação humana.

Mesmo antes, já havia motivo de preocupação. Alguns exemplos no Brasil: em 2011 e 2022 ocorreram enchentes sem precedentes na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro; em 2014, o Estado de São Paulo passou por uma crise hídrica que deixou milhões de pessoas sem água. Em março deste ano, 65 pessoas morreram no litoral norte de São Paulo após as maiores chuvas já registradas em um período de 24 horas no país; em junho e julho, quatro ciclones extratropicais abalaram o nordeste do Rio Grande do Sul e o sudeste de Santa Catarina, um deles considerado “o maior desastre natural nas últimas quatro décadas no Rio Grande do Sul”.

O que é o efeito estufa

Em condições normais, a atmosfera é constituída principalmente de nitrogênio e oxigênio. Outros gases estão presentes em pequenas quantidades, incluindo os que têm a propriedade de reter calor. É um fenômeno natural, chamado efeito estufa. Graças a ele, o planeta conserva a temperatura média em torno de 15ºC, ideal para a existência de água líquida e dos seres vivos.

Acontece que o aumento do teor de gases de efeito estufa (GEE), como o CO2 e o metano, principalmente desde o início da Revolução Industrial (século 18), está retendo cada vez mais calor na atmosfera. É o chamado aquecimento global, que provoca as mudanças climáticas, ondas de calor, de frio, muita chuva concentrada em um pequeno espaço de tempo e secas prolongadas, que variam em cada região, dependendo de fatores como direção dos ventos, das correntes oceânicas, da topografia, da umidade e outros.

As consequências indiretas são o aumento no nível do mar – provocado pelo derretimento das geleiras e a expansão das águas dos oceanos –, o degelo no topo de cordilheiras como Himalaia e Andes – que pode prejudicar o abastecimento de água – e o desaparecimento de espécies vegetais e de animais, além da criação de condições para a eclosão de novas doenças (veja a matéria sobre Covid-19). As áreas aptas para o cultivo de alimentos podem diminuir, principalmente nas latitudes médias e baixas, como as zonas tropicais e subtropicais do planeta.

El Niño

O aumento da temperatura atual foi relacionado às mudanças climáticas, mas também ao fenômeno El Niño, como é chamado o aquecimento cíclico das águas do oceano Pacífico. O El Niño é um fenômeno climático caracterizado por uma liberação maior de calor do oceano Pacífico provocada pela mudança na força e na direção da circulação dos ventos. Essa alteração é natural e provoca consequências em escala global. No Brasil, por exemplo, resulta em um aumento da concentração de chuvas na região Sul e em um aumento da seca na Amazônia Oriental e no Nordeste.

Enquanto ele existir, afirmam os cientistas, o El Niño pode ser mais intenso e duradouro devido às mudanças climáticas. Mas não é só o oceano Pacífico que está esquentando. A superfície global do mar alcançou um novo recorde de temperatura média. Os oceanos nunca haviam esquentado tanto em tão pouco tempo – cerca de 0,9ºC em comparação com os níveis pré-industrialização. Segundo os cientistas, as águas mais quentes aumentam o nível do mar e podem acelerar o derretimento das geleiras da Groenlândia e da Antártida, agravando os riscos de inundações costeiras. Além disso, águas mais quentes têm menos capacidade de absorver CO2, que fica acumulado na atmosfera, reforçando o efeito estufa. O calor também está afetando algas e corais, matando nichos de vida marinha.

IPCC

As medidas para conter as mudanças climáticas e buscar frear a destruição do meio ambiente são debatidas internacionalmente no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês), composto por cientistas de diferentes partes do mundo, incluindo o Brasil. Eles foram reunidos pela ONU para avaliar as mudanças no clima, apontando suas causas, efeitos e riscos para a humanidade e o meio ambiente e sugerindo maneiras de combater tais problemas e suas consequências. Desde a sua criação, em 1988, o IPCC produziu seis grandes relatórios, sendo o primeiro em 1990 e o sexto em 2022. Este último atualiza e sintetiza as informações dos relatórios anteriores.

Além de compilar todas as informações sobre o clima e os inventários de efeito estufa de cada país, o IPCC avalia os impactos das mudanças climáticas, de forma geral e regional, nos ecossistemas, biodiversidade e nos seres humanos. Considera nessa avaliação as vulnerabilidades, capacidades e limites da natureza e dos seres humanos para se adaptar às mudanças climáticas, além de opções para um futuro sustentável para todos e as possibilidades de mitigação, prevenção e remoção dos gases na atmosfera.

Segundo o último relatório, a temperatura média mundial já subiu 1,09ºC acima dos níveis pré-industriais. Para estabilizar o aquecimento global em 2ºC, ou, de preferência, 1,5ºC, seria necessário adotar medidas em larga escala para reduzir as emissões em todos os setores da economia e em todas as regiões do planeta. Ou seja, é preciso mais eficiência produtiva, melhores práticas e novas tecnologias, com mudanças severas no modo de vida e nos padrões de extração de matérias-primas, produção de alimentos, consumo e descarte de materiais, além do manejo sustentável de florestas e outras alternativas que não impactam tanto o clima.

Ocorre que as mudanças necessárias não avançam e as emissões de dióxido de carbono (CO2) cresceram 67% nas últimas décadas. Em 2021, o chamado “orçamento do carbono” – o volume de gases de efeito estufa que os seres humanos poderiam lançar na atmosfera para que o limite de 2ºC seja possível – já havia sido consumido em 91%. A concentração de dióxido de carbono na atmosfera passou de 300 ppm (partes por milhão), em 1910, para 407 ppm em 2018 e 413,2 ppm em 2020.

O relatório avalia que limitar o aquecimento global a 2ºC é impossível com as emissões atuais. Seria necessário reduzi-las em 5% todos os anos, até 2050. O futuro mais provável é o de um aumento médio da temperatura global da ordem de 3,2ºC até lá, o que trará ainda mais alterações climáticas e consequências negativas.

Mesmo com os alertas, a queima de combustíveis fósseis continua nas indústrias, na geração de energia e no transporte. O aumento das emissões também ocorre pelas alterações no uso da terra, uma classificação que inclui o desmatamento de florestas para atividades agropecuárias, as queimadas para plantio, os incêndios, o crescimento de vegetação em áreas antes degradadas e a mineração ilegal.

Este é um problema que afeta particularmente o Brasil, sendo que as alterações no uso da terra são sua principal fonte de emissão de gases de efeito estufa. Isso porque as florestas, em especial a amazônica, têm um papel vital no controle do aquecimento global. Nada a ver com o velho clichê de “pulmão do mundo”. Na verdade, a floresta funciona como uma espécie de “filtro” do carbono. Em condições normais, ou seja, de equilíbrio, as florestas retiram, pelo processo de fotossíntese, o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera para estocá-lo na forma de biomassa (troncos das árvores, folhas e solo). Quando ocorre o desmatamento e as queimadas, esse CO2 é liberado na atmosfera, agravando o efeito estufa e as mudanças climáticas. Além disso, as áreas degradadas, utilizadas para pasto ou agricultura, não são capazes de reter a mesma quantidade de carbono.

O problema afeta também o cerrado, segundo maior bioma do Brasil. O solo e as plantas nativas do cerrado também retiram CO2 da atmosfera e mantêm significativos estoques de carbono. No entanto, boa parte das áreas nativas está sendo devastada pela expansão agrícola, incêndios e desmatamento.

A floresta tem também um importante papel na regularização das chuvas da própria Amazônia, fundamental para a sua sobrevivência e para fornecer um gigantesco volume de água continente adentro – sudeste, sul e centro-oeste do Brasil, além de parte do Paraguai, Uruguai e norte da Argentina. Isso ocorre por meio dos chamados rios voadores, massas atmosféricas de água e vapor que partem da bacia amazônica e, impulsionadas pelos ventos, fluem por milhares de quilômetros pelos céus da América do Sul.

Conferências do clima

O enfrentamento dos problemas relacionados ao aquecimento global ocorre em reuniões periódicas das Nações Unidas, chamadas Conferências das Partes (COPs), a partir do que ficou estabelecido na Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, assinada durante a Rio-92 (ou Eco 92), considerada a maior conferência mundial já realizada sobre o meio ambiente. A COP 28, a próxima, está prevista para acontecer de 30 de novembro a 12 de dezembro de 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. A sede da COP 29 ainda não foi definida. Em novembro de 2025, está prevista a COP 30 em Belém, no Pará, a primeira conferência do clima realizada na região amazônica, para reforçar sua importância na questão do aquecimento global.

Protocolo de Kyoto

As questões diplomáticas e geopolíticas abordadas nas COPs são complexas, pois focam nas necessárias e difíceis mudanças na economia, no consumo e na cultura da maior parte dos países, recebendo as pressões das mudanças de governo, dos interesses econômicos das empresas e da eclosão de guerras. Por exemplo, quando o bilionário Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos, em 2017, os Estados Unidos, segundo maior emissor de gases de efeito estufa no mundo (depois da China), abandonaram as negociações do clima. Trump é considerado um cético em relação às alterações climáticas. Na época, o então presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL), aliado de Trump, chegou a afirmar que o Brasil também poderia sair do acordo, mas isso acabou não ocorrendo. No entanto, para o governo Bolsonaro, a preocupação com o aquecimento global era mais comercial e política do que de fato uma questão de proteger o meio ambiente.

Mais recentemente, a COP 27, no Egito, em novembro de 2022, foi marcada pela guerra na Ucrânia, que levou os países ocidentais a impor bloqueios econômicos à Rússia, até então o maior fornecedor de petróleo e gás para a Europa. O resultado foi a retomada da exploração de combustíveis fósseis no continente que liderava tradicionalmente a discussão sobre o uso de fontes renováveis.

A concorrência econômica entre Estados Unidos e China também impacta o andamento das negociações.  O Protocolo de Kyoto, assinado durante a COP 3, em 1997, estabeleceu o que se chamou de “responsabilidade comum, porém diferenciada”, ou seja, prevendo que todas as nações têm responsabilidades no combate ao aquecimento global, mas aquelas que mais contribuíram historicamente para o acúmulo de gases na atmosfera – pois iniciaram o processo de industrialização há muito mais tempo – têm obrigação maior de reduzir as suas emissões. Esses países são os da União Europeia, os Estados Unidos, o Canadá, o Japão e outros países desenvolvidos. Na época, a China, apesar de ser o maior emissor de dióxido de carbono do mundo, não quis assumir o compromisso.

O Protocolo de Kyoto estabeleceu o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que permite que os países ricos invistam em projetos de redução de emissões em nações mais pobres e assim adquiram “créditos de carbono” que os auxiliam a cumprir os seus compromissos de redução de poluentes. O MDL foi transformado em Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS), podendo ser negociado entre os países ou via mercado voluntário entre empresas.

O Brasil e o Acordo de Paris

Acordo de Paris, que substituiu o Protocolo de Kyoto, em 2015, foi um marco porque, pela primeira vez, os 195 países participantes, incluindo Estados Unidos e China, concordaram em intensificar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC e evitar que ultrapasse 2ºC até o final do século 21, com base nas emissões estimadas no período pré-industrial. A adesão ao acordo é voluntária e cada país define a sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC na sigla em inglês), estabelecendo as metas que irá seguir para reduzir as emissões e as estratégias para alcançá-las. Na época, foi aprovada a criação de um fundo de US$ 100 bilhões anuais sustentado pelos países ricos para financiar medidas de redução de emissões nos países em desenvolvimento.

Mas isso não foi suficiente, porque os protocolos assinados não foram cumpridos por boa parte dos países que assinaram o acordo. O Brasil assinou o Acordo de Paris em 2015 e revisou suas metas em 2020, após a primeira versão. A NDC brasileira define um compromisso de redução das emissões de 37% até 2025, com relação a 2005, e de 43% até 2030. Porém, os dados sobre o aumento do desmatamento ilegal no país durante o governo Bolsonaro colocaram em risco a capacidade de cumprir essa proposta (que já era considerada insuficiente pelos cientistas). Desde 2015, a perda florestal no Brasil mais do que dobrou: foi de 8.288 km2 naquele ano para 17.726 km2 em 2022, um salto de 113,8%.

Mais recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinalizou uma preocupação importante com o meio ambiente e o aquecimento global levando em conta as emissões nacionais, o que significa mudar a NDC brasileira, incluindo a meta ambiciosa de zerar o desmatamento em todos os biomas até 2030. Nos quatro primeiros meses de 2023, o desmatamento na Amazônia atingiu 1.132 km², uma área 38% menor em comparação ao mesmo período de 2022. Essa redução pode ser sinal de reversão na tendência da destruiçãodo bioma, mas ainda é cedo para saber se tal mudança vai se consolidar.

PARA SABER MAIS 

Nosso Planeta (2019) – série disponível na Netflix, com apresentação de David Attenborough.

Uma verdade mais inconveniente (2017) – documentário da Paramount

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