Questões Sociais – Migrações
MIGRAÇÕES FORÇADAS
Fugindo de guerras e da fome, milhares de pessoas arriscam a vida tentando chegar à Europa, no maior movimento migratório registrado desde o fim da II Guerra Mundial
Cenas comoventes de naufrágios de embarcações precárias e superlotadas de refugiados tentando chegar à Europa, pelo Mar Mediterrâneo, têm persistido no noticiário mundial ao longo de 2016. No final de maio, ao menos 700 pessoas morreram depois que três barcos que faziam a rota entre a Líbia e a Itália afundaram. Um deles era uma embarcação de traficantes de seres humanos, com 100 pessoas. Outro, que levava 670 migrantes, não tinha motor e estava sendo rebocado por um segundo navio antes de afundar, deixando 550 migrantes desaparecidos. Do terceiro naufrágio, cerca de 50 corpos foram resgatados, mas era desconhecido o número dos embarcados e o total de mortos.
As perigosas jornadas marítimas realizadas por refugiados, que partem do Oriente Médio e da África em direção à Europa, e se deslocam pelo Mediterrâneo, ilustram a mais grave crise migratória desde a segunda metade do século XX. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o total de imigrantes chegou a 65,3 milhões de pessoas – contingente maior do que a população do Reino Unido – desalojadas por guerras, conflitos e perseguições políticas ou étnicas dentro ou fora de seus países de origem, um número que só encontra precedente no período que se seguiu à II Guerra Mundial.
O deslocamento dos indivíduos por diferentes espaços geográficos em busca de melhores condições de vida é um fenômeno que acompanha a história humana. Mas, nas últimas décadas, os movimentos migratórios entre países e continentes intensificaram-se, principalmente devido ao desenvolvimento desigual das regiões e à multiplicação de conflitos.
NÃO CONFUNDA
MIGRANTE: qualquer pessoa que muda de região ou país.
EMIGRANTE: quem deixa seu local de nascimento.
IMIGRANTE: aquele que entrou em uma nova região ou país.
REFUGIADO: pessoa que muda de região ou país para fugir de guerras, conflitos internos, perseguição (política, étnica, religiosa, de gênero etc.) e violação aos direitos humanos.
SOLICITANTE DE ASILO: pessoa que pediu proteção internacional e aguarda a concessão do status de refugiado.
Crise dos refugiados
Dos mais de 65 milhões de pessoas que foram forçadas a se deslocar, 21,3 milhões são refugiados, 40,8 milhões são deslocados internos (dentro de seu próprio país) e 3,2 milhões, solicitantes de refúgio.
A tendência de crescimento no número geral de deslocados vem ocorrendo com mais força desde 2011, quando começou a guerra civil na Síria – país de origem do garoto Aylan Kurdi, de 3 anos, que morreu afogado em uma praia na costa da Turquia, em setembro de 2015, e cuja imagem repercutiu em todo o mundo e passou a simbolizar o drama dos refugiados. O conflito que opõe grupos pró e contra o governo de Bashar al-Assad na Síria provocou a migração de cerca de metade da população do país, dos quais 5 milhões são refugiados. Essa guerra se transformou no maior evento causador de deslocamentos no mundo atualmente.
Depois dos sírios, os maiores grupos de refugiados vêm do Afeganistão (2,7 milhões) e da Somália (1,1 milhão), países que enfrentam guerras civis e extremistas islâmicos atuando em seu território. Um dado alarmante é que as crianças representam mais da metade do total de refugiados do mundo.
Principais destinos
Apenas na Europa entraram mais de 1,2 milhão de refugiados entre 2015 e os primeiros cinco meses de 2016. Seus principais destinos são os países menos afetados pela crise econômica, como Alemanha, Suécia e Áustria. A maioria deles atingiu o continente por meio da rota que faz a ligação marítima entre a Turquia e a Grécia, mas também são comuns as travessias do norte da África em direção à Itália e à Espanha. As tragédias, como as relatadas no início desta reportagem, acontecem com frequência. Segundo a Organização Internacional para as Migrações, 3.771 deslocados morreram ou desapareceram durante os trajetos, em 2015.
A chegada dos refugiados no continente europeu produziu posicionamentos diversos entre os estados-membros da União Europeia (UE) sobre como enfrentar a crise. De um lado, países como Suécia e Alemanha têm adotado uma postura mais liberal e favorável ao acolhimento dos refugiados. De outro, nações como Hungria, Áustria e Eslovênia construíram barreiras em suas fronteiras a fim de impedir a entrada dessas pessoas.
Em março de 2016, a fim de conter o fluxo de refugiados vindo do Oriente Médio para o seu território, a UE fechou um polêmico acordo chamado de “um por um” com a Turquia, que prevê a devolução dos migrantes que chegarem ilegalmente à costa grega, partindo da Turquia. Em troca, para cada refugiado reconduzido para a Turquia, a UE se compromete a assentar em algum país-membro um refugiado legalmente instalado em solo turco. Além disso, a Europa aceitou aumentar de 3 bilhões para 6 bilhões de euros a ajuda financeira para a Turquia lidar com os refugiados, dar isenção de visto para os cidadãos turcos viajarem para a UE e agilizar o processo de adesão do país ao bloco europeu.
A iniciativa, no entanto, foi criticada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e por agências internacionais, que consideraram que o pacto não respeita os direitos fundamentais e garantias legais internacionais dos refugiados e transforma pessoas em “moedas de troca”. Afirmaram também que o acordo foi guiado por interesses internos, sem se preocupar com “obrigações legais fundamentais”. O pacto também recebeu críticas de países da própria UE, que acreditam que a Europa fez concessões demais à Turquia.
Apesar da pressão sobre a Europa, mais de 80% dos atuais refugiados não estão nos países desenvolvidos
Outros destinos e rotas
Embora a Europa esteja no centro da atenção da crise atual, 86% do total de refugiados no mundo está em regiões ou países economicamente menos desenvolvidos. Um exemplo são os próprios sírios, espalhados por uma centena de países, com destaque para os vizinhos Turquia (país que acolhe a maior população de refugiados do mundo, com 1,5 milhão de sírios), Líbano e Jordânia. A chegada em massa de refugiados é um desafio para a infraestrutura dos países receptores, afetando especialmente aqueles menos populosos, como o Líbano.
Os palestinos vivem uma situação prolongada de refúgio e somam o maior grupo de refugiados do mundo, com 5,1 milhões de pessoas. Este é o número total de palestinos e descendentes que foram obrigados a deixar sua terra natal por causa dos conflitos ligados à criação do Estado de Israel, em 1948. Esse contingente se distribui entre os territórios palestinos da Faixa de Gaza e Cisjordânia, e os países próximos, como Síria, Líbano e Jordânia.
Migrações econômicas
Se os refugiados são forçados a abandonar seus locais de origem por motivos de conflitos ou perseguições, os migrantes tradicionais o fazem por escolha própria e, sobretudo, por motivação econômica.
O número de migrantes no planeta aumentou 40% nos últimos 15 anos, chegando a 244 milhões de pessoas em 2015, segundo dados da ONU. Esse número abrange qualquer pessoa que viva em um país diferente daquele em que nasceu, mesmo que a mudança de endereço tenha ocorrido há décadas. Na Europa, América do Norte e Oceania, eles já somam 10% da população.
Sete em cada dez migrantes residem em países ricos, com destaque para a UE e os Estados Unidos (EUA) – 20% dos migrantes internacionais moram em solo norte-americano.
Enquanto os EUA passaram a receber, a partir dos anos 80, enorme contingente de imigrantes da América Latina e do Caribe (devido, sobretudo, à crise econômica decorrente da dívida externa desses países), na Europa a maior fatia de imigrantes vem das ex-colônias africanas e do próprio continente. Esse movimento se acelerou a partir de 2004 com a adesão à UE de países do antigo bloco soviético.
No processo de migração de países pobres em direção aos países ricos, tem-se uma importante movimentação financeira. Grandes fluxos de remessas de capitais são enviados pelos migrantes para seus familiares radicados nos países de origem. Em alguns países de economia mais fragilizada, como Haiti, Jamaica e Cuba, essas remessas chegam a representar parte significativa do Produto Interno Bruto (PIB).
TRÁFICO DE MIGRANTES
Um dos aspectos mais dramáticos dos movimentos migratórios é a existência de contrabando de migrantes – crime que envolve a obtenção de recursos financeiros para o ingresso ilegal de um estrangeiro num país no qual ele não nasceu ou não é residente. A maior parte dos que tentam entrar na Europa por terra ou mar fazem a travessia por meio de redes criminosas, segundo relatório divulgado em maio de 2016 pela Europol, a polícia da União Europeia, e a Interpol, a polícia internacional. Os migrantes recorrem a esses meios principalmente quando não cumprem as condições exigidas para ingresso nos países europeus. De acordo com as polícias, cada migrante paga entre 3,2 mil a 6,5 mil dólares para fazer a viagem, o que torna essa exploração um negócio bastante rentável para os traficantes.
Como consequência, ocorrem casos de exploração sexual e de trabalho forçado, uma vez que parte dos migrantes acumula dívidas com essas redes.
Novas rotas
Contudo, a crise econômica global iniciada em 2008 desencadeou uma mudança importante nas rotas migratórias. Atingidos, no início, com mais força pela crise, os países ricos mergulharam em recessão. E os altos índices de desemprego afugentaram os imigrantes. Desde o começo da crise, caíram os fluxos migratórios permanentes para boa parte dos países desenvolvidos, sobretudo para as nações europeias, e aumentaram para os países em desenvolvimento. Destinos anteriormente pouco importantes tornaram-se mais atraentes. Um exemplo são países produtores de petróleo do Golfo Pérsico, como os Emirados Árabes Unidos e o Catar. Com um mercado de trabalho forte no setor da construção civil, esses países têm hoje os estrangeiros como maioria de sua população. O Sudeste Asiático também é uma região com intenso fluxo migratório, geralmente de países extremamente pobres, como Mianmar, para nações em desenvolvimento, como a Tailândia.
Política migratória
Outro fator que explica mudanças de fluxo nas migrações é político: as decisões adotadas por vários países desenvolvidos, mesmo antes de 2008, de fechar cada vez mais severamente as fronteiras à entrada de estrangeiros vindos de nações pobres. A menos que sejam trabalhadores altamente qualificados, as chances de ingresso legal no mercado de trabalho do mundo desenvolvido diminuem progressivamente.
Mas, qualificados ou não, diante dos escassos empregos e recursos sociais, os imigrantes são recebidos, em muitos países, com desconfiança e aversão. Além da concorrência por postos de trabalho, as diferenças culturais ajudam a gerar tensão nos países ricos, onde ganham força os discursos de políticos da extrema direita, no geral com um viés nacionalista. Essa visão xenófoba vem acompanhada de um conteúdo abertamente racista, pela cor da pele, ou de preconceito religioso – por exemplo, identificar muçulmanos com o terrorismo (islamofobia).
A situação, sobretudo na Europa, é contraditória: apesar de políticas para frear a entrada de imigrantes, as nações mais ricas dependem cada vez mais da mão de obra estrangeira para manter a economia em marcha, uma vez que suas populações estão envelhecendo.
Migração no Brasil
No Brasil, a migração interna – indivíduos que se deslocam de seu local de origem para outros estados ou regiões – tem diminuído nas últimas décadas. Perdeu força o movimento migratório que deslocou enormes contingentes do campo para as cidades, especialmente nordestinos rumo à Região Sudeste, sobretudo nos anos 1960 a 1980. O Nordeste ainda perde habitantes para outras regiões e o Sudeste é o que mais recebe imigrantes, mas com intensidade cada vez menor.
Entre os principais fatores que explicam essa mudança estão o avanço da urbanização, o desenvolvimento econômico em outras regiões e a desconcentração industrial. A partir dos anos 60, começou a ocupação maciça das regiões Centro-Oeste – incentivada pela inauguração de Brasília e, posteriormente, pelo agronegócio – e Norte, estimulada pela abertura de estradas como a Belém-Brasília e a criação da Zona Franca de Manaus.
Nos anos 90, as políticas de isenção de impostos e doação de terrenos feitas por estados e municípios acabaram atraindo as empresas para diferentes regiões. Com a redistribuição das indústrias pelo território, houve melhoria na infraestrutura, favorecendo a geração de empregos em locais até então menos desenvolvidos. Como a principal motivação para a migração é a busca por melhores condições de vida e de trabalho, à medida que ocorre uma distribuição mais equilibrada das ofertas de trabalho, a busca por outros lugares para morar tende a cair.
No Brasil, a melhor distribuição das ofertas de emprego está diminuindo a migração interna entre regiões
Entre 1995 e 2000, 3,4 milhões de pessoas trocaram a região onde nasceram por outra no Brasil. Já entre 2005 e 2010, esse número baixou para 3 milhões. Assim, a migração entre regiões perde força diante de outros fluxos, como:
- migração intrarregional, que ocorre entre municípios de um mesmo estado ou ainda entre estados de uma mesma região, sobretudo em direção a cidades de médio porte. Esse processo é impulsionado, muitas vezes, por indústrias que migram para cidades menores. A migração entre os estados movimentou 4,6 milhões de pessoas entre 2005 e 2010.
- migração pendular, em que as pessoas de uma cidade estudam ou trabalham em outra.
- migração de retorno, o deslocamento de pessoas para sua região de origem, depois de terem migrado. É o que ocorreu na Região Nordeste a partir dos anos 1980, com a melhora da economia local. Na Região Metropolitana de São Paulo, 60% dos que deixaram a região entre 2000 e 2010 eram migrantes de retorno.
Estrangeiros no país
O Brasil tem um volume ainda muito baixo de migrantes internacionais – menos de 1% da população, enquanto a Argentina e a Venezuela têm em torno de 5%. Porém, o número de pessoas que buscam nosso país para morar aumentou nos últimos anos.
A maioria dos imigrantes chega de países vizinhos, como Bolívia e Paraguai. Mas há também asiáticos e africanos, principalmente de países como Senegal, Nigéria e Gana. Contudo, a partir de 2016 o endurecimento da crise econômica leva imigrantes a deixar o Brasil, caso dos haitianos, que estão se dirigindo para o Chile, e dos bolivianos, que voltam para sua nação de origem.
Já os haitianos constituem um caso especial de migração. Sua vinda em massa a partir de 2010 teve como causa o terrível terremoto que deixou o país em ruínas. O primeiro estímulo à imigração foi dado pelo próprio governo brasileiro, pois o país chefa a missão militar da ONU no Haiti. Após o terremoto, o Brasil passou a conceder visto de entrada aos haitianos. O Acre tem sido a principal fronteira de acesso. A partir de 2012, o governo brasileiro criou um visto humanitário especial, de cinco anos, sem requisitos prévios de qualificação educacional ou profissional. Desde 2010, cerca de 50 mil haitianos entraram no Brasil.
É importante lembrar que, historicamente, os principais grupos de imigrantes que vieram ao país são os portugueses, italianos, espanhóis, japoneses e alemães. Aqui, eles se juntaram à população negra trazida da África e aos indígenas.
Acolhida a refugiados
O Brasil acolhe quase 9 mil refugiados de 79 nacionalidades. Desde 2010, as solicitações de refúgio no país aumentaram 2.868%. Assim como ocorre no panorama mundial, os sírios constituem o maior grupo (quase um terço do total), seguidos de angolanos, colombianos, congoleses e palestinos. O Brasil é o país que mais recebeu refugiados sírios na América Latina, autorizando vistos especiais a eles a partir de 2013.
Em 1997, o país promulgou sua pró- pria lei de refúgio, que garante acesso a documentos básicos, e criou o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Em 2015, foram criados programas de assistência e centros de acolhimento.
Apesar do reconhecimento da política de “portas abertas” em relação aos refugiados, a política migratória brasileira não é considerada avançada. Segundo especialistas, nossas leis ainda tratam o migrante como um problema de segurança nacional, sem levar em conta questões de direitos humanos. O projeto que instituiu a Lei de Migração 2.516/2015 visa incorporar novos aspectos ao Estatuto do Estrangeiro, de 1980, compatibilizar a lei atual à Constituição Federal e aos tratados internacionais. Em junho de 2016, o projeto tramitava no Congresso. No mesmo mês, o governo do presidente interino Michel Temer suspendeu as negociações iniciadas com a UE para receber mais refugiados sírios.
Migrações
FLUXOS MIGRATÓRIOS São os deslocamentos dos indivíduos por diferentes espaços geográficos em busca de melhores condições de vida. Eles intensificaram-se nos últimos anos, principalmente devido ao desenvolvimento desigual das regiões e da multiplicação de guerras e conflitos.
PRINCIPAIS ROTAS Historicamente, as nações ricas, como os Estados Unidos e os países da Europa, são as que mais atraem estrangeiros. Mas, depois da crise econômica de 2008, aumentaram os fluxos migratórios para os países em desenvolvimento e economias emergentes. Nos países ricos, a crise agravou o fechamento das fronteiras, e a xenofobia ganhou espaço.
DESLOCAMENTOS FORÇADOS Mais de 65 milhões de pessoas se encontram desalojadas por guerras, conflitos e perseguições políticas ou étnicas dentro ou fora de seu país de origem, um número que só encontra precedente no período que se seguiu à II Guerra Mundial. A maior parte deixou a Síria, o Afeganistão e a Somália. A situação é crítica especialmente na Europa – que recebeu mais de 1,2 milhão de pessoas, entre 2015 e o os cinco primeiros meses de 2016 – principalmente devido à falta de acordo entre os países sobre como enfrentar a questão.
MIGRAÇÃO NO BRASIL As movimentações internas têm diminuído no país, sobretudo devido à distribuição das atividades econômicas pelas cinco regiões, à desconcentração industrial e o surgimento de novos polos de desenvolvimento. A migração entre as regiões perde força, mas fluxos intrarregionais (entre municípios de um mesmo estado e entre estados de uma mesma região) se mantêm, assim como a migração de retorno (deslocamento de pessoas para sua região de origem).
ESTRANGEIROS NO PAÍS Nos últimos anos, aumentou o número de imigrantes que procuram o Brasil para morar, como bolivianos e haitianos – embora alguns tenham saído do país a partir de 2015 devido à crise econômica. O Brasil também acolhe quase 9 mil refugiados.