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Espécies sob ameaça ligam o alerta para a proteção da biodiversidade

Risco de extinção em massa de espécies vivas, provocado pelas atividades humanas, é alarmante e pode prejudicar o futuro das próximas gerações

por Martha San Juan França

O passado de nosso planeta registra ao menos cinco grandes “extinções em massa” de espécies vivas, sendo a mais conhecida a que, há 65 milhões de anos, colocou fim à era dos dinossauros. Acontece que, para parte dos cientistas, podemos estar vivendo agora a sexta extinção em massa. Diferentemente das anteriores, causadas por fatores naturais, a atual estaria sendo provocada pela ação do ser humano.

Para nós, brasileiros, a discussão é ainda mais importante, pois nosso país é um dos que tem a maior diversidade de animais e plantas. Um novo alerta soou em 2 de agosto de 2023, com a divulgação do relatório Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade no Brasil, elaborado pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade): entre 14.785 espécies avaliadas, estão ameaçadas de extinção 1.253 espécies da fauna dos sete biomas brasileiros, equivalente a 8,6% do total avaliado. Seria uma perda irreparável, que a sociedade tem de evitar a qualquer custo!

Degradação do meio ambiente

Nos últimos séculos, a espécie humana promoveu grandes mudanças nos lugares em que vive. Modificou o relevo, explorou florestas, rios e oceanos, cultivou a terra, construiu cidades, estradas e indústrias, povoou cada canto do planeta, domesticou animais e plantas e utilizou as matérias-primas disponíveis para melhorar suas condições de vida. Tudo isso resultou em importantes ganhos de alimentos, energia, comodidades, tecnologias avançadas e outros bens, gerando riquezas, infelizmente distribuídas de modo desigual. O problema é que, com tantos avanços, a humanidade – em termos coletivos – não se deu conta de que essa interferência, acelerada principalmente nos últimos cem anos, traria impactos profundos, que, por sua vez, ameaçariam a sua própria existência.

A degradação dos ecossistemas, a perda de hábitats, a poluição, a introdução de espécies invasoras (aquelas que entram num ecossistema no qual não existiam) e a crise climática trazem prejuízos globais e afetam a qualidade de vida da humanidade. Um de seus efeitos mais catastróficos é a perda em ritmo acelerado de diferentes espécies de vida (animais, vegetais e microrganismos) do planeta, e a redução da biodiversidade.

A biodiversidade é um conceito surgido na década de 1980 e definido na Convenção da Diversidade Biológica da Organização das Nações Unidas, assinada durante a Eco 92 (conferência internacional realizada no Rio de Janeiro em 1992). A biodiversidade engloba os organismos vivos e seus materiais genéticos, além dos ecossistemas terrestres, marinhos e aquáticos e os complexos ecológicos de que esses organismos fazem parte e suas complexas inter-relações com o ambiente.

Estão incluídos nesse conceito bactérias, fungos e outros organismos microscópicos, além de plantas, insetos, aves, anfíbios, mamíferos, peixes e corais, às vezes escondidos em lugares inacessíveis, às vezes bem nas nossas vistas – em cidades, campos, florestas e no ar. Não é possível quantificar tanta variedade, mesmo porque a maioria ainda não foi identificada, como prova a contínua “descoberta” de espécimes vivos feita todos os anos pelos cientistas. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) estima que existam pelo menos 30 milhões de espécies vivas ao redor do globo. O que se sabe é que apenas cerca de 2 milhões foram descritas e nomeadas. E das 150.388 espécies arroladas na última Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), 42.108 correm o risco de desaparecer do planeta nas próximas décadas.

Riqueza tropical

A biodiversidade não se distribui de maneira uniforme em todas as regiões do globo. Ela é maior em ambientes em que há abundância de luz solar, água doce e clima mais estável. Isso explica porque as florestas tropicais, mesmo ocupando cerca de 7% da superfície terrestre, podem abrigar até 90% de todos os seres vivos. Nesse sentido, o Brasil é destaque por abrigar 20% das espécies conhecidas, graças à extensão de seu território e aos diversos climas que caracterizam os seus biomas. Está no território nacional a maior floresta tropical úmida do mundo (a floresta Amazônica), com mais de 30 mil espécies vegetais, bem como a maior planície inundável do planeta (o Pantanal), e mais o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica. Além disso, a costa brasileira possui uma série de ecossistemas, incluindo recifes de corais, dunas, mangues, estuários e lagoas.

A Mata Atlântica é considerada um hotspot, termo em inglês utilizado para designar lugares que, além de apresentarem alto grau de diversidade biológica e de endemismo (referência a espécies que só existem naquele ecossistema), devem ser especialmente protegidos, pois estão muito ameaçados pela atividade humana. A IUCN aponta 34 hotspots ao redor do planeta, visando concentrar esforços na proteção dessas áreas específicas. Dois estão no Brasil:

+ a Mata Atlântica. Por ter recebido o primeiro impacto da colonização – já que os europeus chegaram pelo mar há cinco séculos – e por abrigar hoje dois terços da população brasileira e 3.429 cidades em 17 estados, a Mata Atlântica está reduzida a 7,3% de seu tamanho original. O ultimo relatório do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) alerta que a área desmatada continua aumentando: entre outubro de 2021 e outubro de 2022, foram derrubados mais de 20 mil hectares de mata (o equivalente a pouco mais de 20 mil campos de futebol). O desmatamento da Mata Atlântica tem sido impulsionado pela especulação imobiliária nas proximidades das grandes cidades e no litoral, e também pela conversão de áreas florestais em pastagens e culturas agrícolas.

+ o Cerrado. Sofre ainda em maior intensidade do que a Mata Atlântica a pressão pela transformação de matas em lavouras e pastagens. Segundo o cálculo dos cientistas, o Cerrado, que abriga um número de espécies vegetais e animais semelhante ao encontrado em formações florestais, perdeu mais de 20% da vegetação nativa desde a década de 1980. A preservação do bioma é fundamental porque lá nascem boa parte dos rios que vertem para a bacia amazônica. Não por acaso, o Cerrado ganhou o apelido de “berço das águas”.

Desastres ambientais

O avanço do desmatamento, resultante da expansão do espaço urbano, da extração de madeira ilegal e da agropecuária, é a principal ameaça à biodiversidade brasileira em todos os biomas. A Amazônia, fundamental para o equilíbrio climático (veja a matéria sobre as mudanças climáticas), perdeu, de 1985 a 2021, o equivalente a 12% de suas florestas (44 milhões de hectares). A derrubada da floresta no bioma de 2019 a 2021 aumentou 56,6% em comparação aos três anos anteriores (2015 a 2018), refletindo o entendimento do governo de Jair Bolsonaro (PL) de considerar a proteção da floresta como um obstáculo para o desenvolvimento econômico. Naquele período, houve o esvaziamento dos órgãos de fiscalização, cuja ação é necessária para combater os casos de apropriação ilegal de terras públicas (as chamadas terras “griladas”). Nessas áreas, ocorreu mais da metade do desmatamento do bioma. Em consequência, o Brasil passou a ser muito pressionado para reduzir o desmatamento pela maior parte de seus parceiros internacionais de negócios. Contrapondo-se à política de seu antecessor, o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em seus primeiros meses de governo, promoveu a reestruturação dos órgãos ambientais e defendeu a proteção das florestas, buscando melhorar a imagem e ampliar a influência do Brasil no cenário internacional.

Outro problema que afetou seriamente a floresta Amazônica, e também o Pantanal e o Cerrado, principalmente em 2019 e 2020, foram as queimadas, resultantes do desmatamento e provocadas pela ação humana. A destruição causada pelo fogo leva à mortandade em massa de animais, à perda da vegetação e, a longo prazo, a alterações drásticas nos ecossistemas e à destruição de hábitats que podem causar a extinção de espécies. Igualmente predatório é o garimpo, que se espalhou por toda a Amazônia, cujo uso de mercúrio para facilitar a separação do ouro envenena os rios, prejudicando muito a qualidade das águas na região, a vida silvestre e a saúde das comunidades da região, em especial os povos indígenas.

O rio Gualaxo do Norte despeja lama tóxica vinda da barragem da Samarco, em Mariana (80 km rio acima), no rio Carmo (à esq.), em foto de 2016; cerca de 25 km depois, a lama atinge o rio Doce, um dos mais importantes do Sudeste do Brasil
O rio Gualaxo do Norte despeja lama tóxica vinda da barragem da Samarco, em Mariana (80 km rio acima), no rio Carmo (à esq.), em foto de 2016; cerca de 25 km depois, a lama atinge o rio Doce, um dos mais importantes do Sudeste do Brasil (Gustavo Basso/NurPhoto/Getty Images)

Mariana e Brumadinho

O pior é que não é apenas o “garimpo ilegal” que chama a atenção por sua atividade destrutiva no Brasil. Dois desastres de grandes proporções ligados à atividade mineradora totalmente legal marcaram o país em anos recentes. O primeiro foi em Mariana, ocorrido em 2015; o segundo em Brumadinho, em 2019, ambos em Minas Gerais.

A tragédia de Mariana ocorreu após o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, controlada pela Vale (antiga estatal Vale do Rio Doce, privatizada em 1997) e pela multinacional BHP Billiton. O rompimento provocou uma enxurrada de lama contaminada com substâncias tóxicas, como metal pesado, que deixou um rastro de destruição e mortes à medida em que avançava. Os rejeitos de mineração formaram uma camada dura e compacta que reduziu a fertilidade do solo e atingiu a vegetação. A lama chegou até o rio Doce, que abastece várias cidades, tornando a água imprópria para consumo, além de reduzir a quantidade de oxigênio disponível, o que desencadeou a mortandade de peixes e de plantas aquáticas. A força dos rejeitos arrancou a mata ciliar e provocou o assoreamento de nascentes até chegar no mar e afetar a vida marinha em larga área de oceano a partir da foz do rio Doce. Além da devastação ambiental, o desastre deixou 19 mortos e centenas de desabrigados.

Quatro anos depois, o rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração da própria Vale em Brumadinho (a 120 km de Mariana) causou nova catástrofe ambiental. A lama tóxica atingiu o solo, destruiu grande parte da vegetação local e causou a morte de diversas espécies de animais. Em seu percurso, devastou as instalações da unidade local da Vale e matou 270 pessoas – em sua grande maioria, funcionários diretos da Vale ou de empresas prestadoras de serviço no local. É importante lembrar que a região abriga uma área remanescente de Mata Atlântica, bioma de grande biodiversidade, que sofreu forte impacto. Os rejeitos da mineração atingiram o rio Paraopeba. Como no caso de Mariana, encheram de sujeira tóxica um rio que abastece milhões de pessoas (neste caso, incluindo a capital mineira, Belo Horizonte), comprometendo seriamente a qualidade da água. Os processos judiciais contra os responsáveis pelas dois desastres ainda estão em curso na Justiça.

 Sustentabilidade

Há cinco décadas, discutem-se as questões ambientais em âmbito global. Em 1972, na Conferência Mundial de Estocolmo, abordou-se pela primeira vez a produção (principalmente industrial) como causa relevante da degradação da natureza. Depois, em 1987, o Relatório Nosso Futuro Comum, da Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, lançou o conceito de desenvolvimento sustentável, aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as próprias necessidades”.

O conceito foi ampliado nas décadas seguintes e deu origem à sustentabilidade, remetendo a iniciativas de pessoas, dos governos e das empresas voltadas a atender a uma sociedade economicamente equilibrada, com energia renovável e racionalização no uso de recursos naturais. Mais recentemente, as empresas adotaram a sigla ESG (environmental, social and governance, em inglês, ou ambiental, social e governança) para se referir a suas práticas internas voltadas para a sustentabilidade.

Como parte desse movimento, e para subsidiar o conhecimento sobre desenvolvimento sustentável, foi lançada em 2005 a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, um trabalho de especialistas de todo o mundo, realizado com o apoio da ONU, nos moldes do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), sobre os impactos que as mudanças nos ecossistemas causam ao bem-estar humano e as opções de respostas a essas mudanças. O relatório sintetiza as condições dos ecossistemas do mundo, as tendências de futuro e os benefícios que prestam – tais como água potável, alimentos, produtos florestais, regulação climática, manutenção da qualidade do ar –, e as opções para restaurar, conservar ou melhorar a utilização sustentável desses recursos.

O ponto de partida desse movimento é a Convenção de Diversidade Biológica (CDB), assinada durante a ECO 92, o primeiro tratado mundial dedicado a promover a conservação e a repartição equitativa dos benefícios que vêm da natureza. De lá para cá, outras COPs vem sendo realizadas, sendo um marco a COP 10, em Nagoya, província de Aichi, no Japão. Ali foi aprovado o Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020 com 20 metas globais – as chamadas Metas de Aichi. Eram 20 medidas relacionadas a temas como a proteção de espécies ameaçadas, a recuperação de ecossistemas degradados, a criação de áreas protegidas, o fim do desmatamento, a redução da poluição e a educação sobre a importância da biodiversidade. O Protocolo de Nagoya, também criado durante a COP 10, determinou regras para o acesso e a repartição dos benefícios pelo uso de recursos genéticos da biodiversidade, ou seja, estabeleceu as diretrizes para as relações comerciais entre os países que fornecem recursos genéticos provenientes de sua biodiversidade e aqueles que os compram e utilizam.

Apesar das Metas de Aichi não terem sido completamente alcançadas, ocorreram alguns avanços nos últimos anos graças a ações de conservação voltadas para determinadas espécies. Além disso, o percentual de territórios protegidos das principais áreas de biodiversidade passou de 29% em 2000 para 43% em 2020, e uma parte dos países signatários da CDB começou a adotar estratégias nacionais de biodiversidade e planos de ações em diversos setores. Ficou claro também que a conservação da biodiversidade constitui uma contribuição fundamental para diminuir os impactos das mudanças climáticas, tornando ecossistemas e comunidades mais resilientes. Em consequência, os desafios relacionados à biodiversidade e às mudanças climáticas passaram a ser abordados de forma mais coordenada em nível internacional.

Em dezembro de 2022, foi realizada em Montreal, no Canadá, a COP 15, na qual se definiu um novo marco para a conservação da biodiversidade, o Marco Global da Biodiversidade Pós-2020 (considerando que as Metas de Aichi iam até 2020). Ele deve nortear as ações no mundo pela conservação e recuperação da natureza nos próximos anos. Entre as metas, a serem cumpridas até 2030, está a de ampliar as áreas protegidas para 30% e recuperar e restaurar 30% dos ecossistemas degradados. Há ainda metas relacionadas ao combate à poluição, a práticas agrícolas sustentáveis e à transparência na divulgação dos impactos das atividades de empresas na natureza. No acordo, os países ricos se comprometeram a direcionar cerca de 200 bilhões de dólares até 2030 para os países em desenvolvimento, um valor ainda abaixo dos 700 bilhões de dólares que se estima serem necessários para frear a perda da biodiversidade. A próxima COP está prevista para a Turquia em 2024. Os desafios são repetitivos: garantir que as metas sejam cumpridas, que haja financiamento e recursos para atingi-las e que os resultados sejam verificáveis.

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